O Chega pediu uma audiência com o cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, depois de a presidente da Obra Católica para as Migrações, Eugénia Quaresma, ter dito que a xenofobia e o racismo no discurso político representam uma situação “muito grave” e que o Chega apenas ganhou palco porque dá voz à insatisfação “de coisas que não estão concretizadas”.

Perante as declarações, numa carta enviada a D. Manuel Clemente e a que o Observador teve acesso, o Chega realça que “a Igreja Católica enquanto Instituição e as organizações que da sua estrutura fazem parte não se deveriam imiscuir na vida política e partidária”. O partido liderado por André Ventura, que se assume católico, considera que com esta posição a Igreja católica pode acabar por tomar “frequentemente partido por aqueles que na sua génese a não protegem” ou “pior”, diz, pode tomar partido pelas pessoas que estão “sempre prontas a atacar e destruir, contra aqueles que lhe são naturalmente favoráveis e respeitadores”.

Por esta razão, o Chega diz ser “fundamental” a existência de “uma conversa em local próprio” entre o cardeal patriarca e André Ventura, presidente do partido, para que se chegue a um “entendimento e respetivas conclusões” sobre o caso. Para o Chega, as declarações de Eugénia Quaresma sobre o partido são de “extrema gravidade” pelas acusações de racismo e xenofobia. O partido realça ainda que o seu discurso é “manipulado” pelos órgãos de comunicação social e resume o mesmo: “Direitos iguais para deveres iguais para todo e qualquer cidadão que viva ou queira viver em Portugal.”

“Todos sabemos que não é isso que se passa no modelo migratório utilizado no que a imigração diz respeito, sendo este inclusive propenso à permissividade sobre fluxos de imigração ilegais e abusos de grupos criminosos de tráfico humano. Denunciar isto não tem nada de xenofobia ou racismo, mas antes de responsabilidade social para com migrantes e locais”, reitera a carta assinada por Ricardo Regalla Dias, chefe de gabinete de André Ventura.

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Obra Católica diz que maior preocupação é a integração de migrantes e refugiados

Na entrevista em causa à agência Lusa, a presidente da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) acusou o Chega de racismo e xenofobia e criticou o discurso do partido relativamente aos emigrantes — em causa estão as propostas do Chega sobre imigração, um debate que levou a uma reprimenda feita pelo presidente da Assembleia da República, Santos Silva, e à saída dos deputados do hemiciclo.

“É muito grave e ainda bem que temos também políticos atentos e que fazem frente, em sede própria, porque há aí uma narrativa que procura um bode expiatório e revela alguma ignorância ou procura fazer generalizações de uma ou outra história que conheceu”, disse Eugénia Quaresma, referindo-se à atitude de Santos Silva. A responsável esclareceu que “a grande maioria das pessoas” que vem estudar ou trabalhar para Portugal não quer “viver às custas”, mas desenvolver o seu potencial e da sua família, e algumas delas “esperam e sonham também desenvolver o potencial do país de origem”.

Questionada se este tipo de discurso está a agravar-se na política, a responsável da OCPM explicou, referindo-se ao partido Chega, que “agora tem palco, tem lugar na Assembleia [da República] e, pelo número de deputados que tem, portanto, tem uma maior expressão“. “Agora, acredito que a grande maioria da população portuguesa pode contribuir para o inverso, para mostrar como é importante construirmos uma sociedade com os migrantes e com os refugiados e não contra os migrantes e os refugiados, sem esquecer os autóctones, sem esquecer os nossos emigrantes”, adiantou.

A diretora da OCPM admitiu ainda estar “surpreendida com o crescimento” deste discurso, mas frisou que só ganhou palco porque dá voz à insatisfação “de coisas que não estão concretizadas”, daí a importância, a nível político, de se promover “o desenvolvimento do país, sem deixar ninguém para trás”. “Se nós tivermos a consciência que as migrações fazem parte da História da humanidade e se soubermos aproveitar a riqueza, todo o potencial que trazem, seja espiritual, seja cultural, e aproveitarmos isto para construirmos um mundo novo e mais justo, saímos todos a ganhar”, acrescentou Eugénia Quaresma.