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Passaram mais de sete meses desde o início da guerra na Ucrânia e os videojogos tornaram-se uma forma de denunciar a invasão russa. Se alguns são retratos documentais daquilo que é a vida sob ocupação, outros têm um lado mais humorístico, mas o objetivo é o mesmo: ajudar a lidar com o trauma.

Numa galeria de arte em Kharkiv, convertida num bunker improvisado, Dariia Selishcheva começou a desenvolver um videojogo sobre como a vida dos ucranianos mudou desde que, a 24 de fevereiro, as forças russas lançaram a “operação especial militar” na Ucrânia, a designação utilizada pelo Kremlin para se referir à guerra. “What’s up in a Kharkiv Bomb Shelter” (em português, o que se passa num bunker em Kharkiv) é um retrato vívido dos primeiros dias de invasão.

Não é o típico jogo de guerra, no qual os jogadores escolhem um lado e combatem as forças inimigas. Enquanto o som de bombardeamentos se faz ouvir, misturado com o som de vozes abafadas, no interior do bunker os jogadores são convidados a interagir com os sobreviventes. Os diálogos são baseados em conversas reais entre Selishcheva e os seus “vizinhos” no abrigo e também com os amigos e familiares com os quais foi mantendo contacto apesar de refugiados noutras zonas. Num dos diálogos, ouvem-se as palavras de alguém que está preocupado com o neto desaparecido; um outro felicita o cão por ter corrido para o abrigo quando as bombas começaram a cair. São apenas alguns dos cenários com os quais os utilizadores se vão cruzar.

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“O meu objetivo era dar às pessoas comuns a oportunidade de as suas vozes serem ouvidas, capturar um fragmento da vida num abrigo”, disse em entrevista ao jornal britânico TheGuardian. “Queria que todos soubessem das suas vidas e dos seus pensamentos”, acrescenta.

Quando a guerra é tão perto, é difícil de acreditar (…). O cérebro vê e analisa tudo o que acontece, mas desliga a reação.”

Agora em Lviv, onde partilha uma casa com quatro colegas, Selishcheva explica que o seu objetivo é capturar “fragmentos” das histórias dos sobreviventes, sem influenciar a opinião dos jogadores, mas “partilhando” a experiência. Para isso, a linguagem tem um papel fundamental, razão pela qual garantiu que o jogo também está disponível em russo, numa tentativa de envolver também os jogadores russos que se opõem à invasão.

Os testemunhos de alguns amigos e familiares russos também foram incluídos no jogo. “Enviei mensagens a vários amigos na Rússia, perguntava-lhes o mesmo: ‘Há uma guerra, estou num abrigo, o que pensam sobre isto?’”. Se de alguns a resposta foi de preocupação e solidariedade — alguns ofereceram-se para lhe enviar dinheiro para se deslocar para um local seguro —, da família chegou-lhe uma resposta inesperada: “A quarta pessoa foi a minha tia-avó e, afinal, ela estava firmemente do lado de Putin.”

Um soldado russo, o condutor de tratores e bofetadas em Vladimir Putin: os outros jogos da guerra

A criação de Selishcheva não é a única. Da Marevo Collective chega o “Zero losses”, um videojogo lançado este verão, no qual o jogador assume o papel de um soldado russo. “Enquanto outros carregam a bandeira da vitória em frente, a tua tarefa é não disparar, mas garantir que a “operação especial” tem zero baixas”, pode ler-se na descrição do jogo.

Mas há outros, em Ukrainian Farmy, criado por uma equipa ucraniana, os utilizadores “podem experienciar ser um dos combatentes mais assustadores do campo de batalha: um condutor ucraniano de tratores”, com o objetivo de roubar aos russos o máximo de tanques, carrinhas e veículos armados possíveis. Já em Slaputin, o jogador pode dar uma bofetada ao Presidente russo, Vladimir Putin, com um girassol. A ideia não é muito distante de em Putinist Slayer. Neste caso, num cenário espacial, o objetivo é destruir os aliados do líder russo, entre os quais o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, e o ministro da Defesa russo, Sergei Shoigu. Como personagem, o utilizador pode escolher figuras como o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o ex-primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ou até o milionário Elon Musk.

Para Stepan Prokhorenkom, um dos responsáveis pela organização do Festival de Jogos ucraniano, estes são jogos terapêuticos. “Acredito que os jogos são uma forma de storytelling, e é através do storytelling que as ideias sobrevivem”, disse também ao The Guardian. “A ideia de uma Ucrânia livre e independente é algo que a Rússia despreza e quer erradicar. Então, de alguma forma, os jogos tornam-se noutro campo de batalha”.