Os resultados das eleições intercalares americanas estão a ser conhecidos gradualmente. Estão em jogo os 435 lugares da Câmara dos Representantes, 35 senadores e 36 governadores — mas as grandes decisões estão nas mãos de um reduzido número de disputas eleitorais um pouco por todo o território americano. O Senado, atualmente controlado pelos democratas (mas apenas devido ao voto de desempate de Kamala Harris) pode passar para as mãos dos republicanos consoante os resultados de quatro disputas; a Câmara dos Representantes deverá mesmo passar para o Partido Republicano devido a 13 círculos eleitorais; e há pelo menos três disputas para governador que são fundamentais para compreender o atual panorama político americano. O Observador resume o que está em causa em sete destas disputas centrais.

Mehmet Oz vs. John Fetterman (Pensilvânia/Senado)

Quem estava na corrida?

No estado da Pensilvânia, um dos dois lugares de senador foi a votos esta terça-feira e não havia recandidatura em jogo. A aposentação do senador republicano Pat Toomey criou uma vaga que ambos os partidos queriam agarrar. Do lado republicano, o candidato era Mehmet Oz, o célebre “Doutor Oz”, que foi pessoalmente apoiado pelo antigo Presidente Donald Trump. Do lado democrata, o candidato era John Fetterman, até aqui vice-governador da Pensilvânia.

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Republican Senate Candidate For Pennsylvania Mehmet Oz Holds Election Night Event In Newtown

O famoso Dr. Oz perdeu a eleição na Pensilvânia

Porque era importante?

Antes das eleições, a CNN identificava esta eleição como uma das disputas mais importantes das eleições intercalares norte-americanas. Em primeiro lugar, a Pensilvânia é um dos mais importantes swing states do país, ou seja, um estado que oscila entre republicanos e democratas e que muitas vezes é decisivo nas contas finais. Aliás, a Pensilvânia é um dos únicos seis split states no Senado — ou seja, um dos seis estados onde os dois senadores eram de partidos diferentes (o outro, Robert Casey, é democrata e o seu lugar não foi a votos desta vez). Dos 35 lugares de senador que foram a votos esta terça-feira, 30 tinham pouco interesse mediático: diziam respeito a lugares onde as sondagens deixavam pouca margem para dúvidas quanto à manutenção de um ou outro partido. Porém, quatro lugares tinham um interesse especial, uma vez que, num Senado atualmente dividido ao meio (50-50, com o voto de desempate a caber à vice-presidente Kamala Harris), qualquer mudança de cor política poderia significar uma mudança de mãos da câmara alta do Congresso. O lugar de Pat Toomey era um dos assentos que o Partido Republicano queria manter vermelho — além de conquistar alguns lugares aos democratas para conseguir tomar o controlo do Senado.

O que aconteceu?

O candidato democrata, John Fetterman, ganhou a eleição, apesar da curta margem sobre Mehmet Oz, e “roubou” aquele lugar ao Partido Republicano. A partir de agora, a Pensilvânia deixará de ser um split state no Senado, ficando representada por dois democratas. A vitória de Fetterman sobre Oz foi um dos primeiros sinais de que a “onda vermelha” que os republicanos esperavam afinal poderá não acontecer: até ao final da manhã de quarta, este tinha sido o único assento a mudar de cor política no Senado — e consolidou a maioria democrata, em vez de contribuir para uma eventual maioria republicana.

Catherine Cortez Masto vs. Adam Laxalt (Nevada/Senado)

Quem está na corrida?

A senadora democrata Catherine Cortez Masto recandidata-se ao lugar contra Adam Laxalt, candidato republicano que contou com o apoio pessoal do antigo Presidente Donald Trump.

Nevada Democrats Hold Election Night Event In Las Vegas

Catherine Cortez Masto é a candidata democrata pelo Nevada para o Senado

Porque é importante?

Tal como o caso anterior da Pensilvânia, este é um dos lugares que poderão ser decisivos numa eventual inversão de maiorias no Senado. Atualmente, o estado do Nevada é representado no Senado por dois senadores democratas (a outra, Jacky Rosen, não tem o seu lugar a votos desta vez), mas aquele território poderá revelar-se decisivo para as intenções do Partido Republicano de ocupar lugares atualmente democratas e tomar o controlo do Senado. Numa eleição em que se jogam vários temas sociais como a pobreza, a integração da comunidade hispânica (Cortez Masto, de origem hispânica, tem nestes eleitores uma parte importante da sua base), o aborto (especialmente depois da recente decisão do Supremo Tribunal de reverter a proteção constitucional ao aborto) ou a criminalidade, as sondagens já apontavam para a possibilidade de Cortez Masto perder o seu lugar para o rival republicano.

O que aconteceu?

Neste caso, ainda não há resultados definitivos. Contudo, os resultados provisórios apontam no sentido de uma vitória de Adam Laxalt com cerca de dois pontos percentuais de vantagem sobre Cortez Masto. A confirmar-se, esta vitória contribuirá para o objetivo republicano de tentar obter uma maioria no Senado.

Mark Kelly vs. Blake Masters (Arizona/Senado)

Quem está na corrida?

O atual senador Mark Kelly, do Partido Democrata, recandidata-se ao lugar contra Blake Masters, do Partido Republicano.

Democratic Senate Candidate Mark Kelly Holds Election Night Event In Tucson

Mark Kelly deverá vencer

Porque é importante?

O Arizona é atualmente representado no Senado por dois senadores democratas, mas o Partido Republicano está de olho no lugar de Mark Kelly para tentar inverter o atual jogo de forças no Senado — em que basta uma vitória para obter o controlo da câmara. Embora as projeções apontem para uma luta renhida, parece haver poucas dúvidas de que Kelly deverá conseguir manter o seu lugar, frustrando as esperanças republicanas de o capturar. Ainda assim, a eleição no Arizona fica marcada pelo apoio direto dado pelo antigo Presidente Donald Trump a Blake Masters. A grande polémica veio a público no mês passado: depois de Masters ter dito, num debate, que não tinha qualquer dado que apontasse para a possibilidade de fraude eleitoral no estado do Arizona, o candidato republicano recebeu um telefonema de Donald Trump, que lhe disse que iria perder as eleições se não fosse mais “duro” nas alegações de fraude eleitoral.

O que aconteceu?

Embora ainda não sejam conhecidos os resultados finais, as projeções apontam para a vitória de Kelly com uma margem confortável, consolidando a presença democrata no Senado.

Raphael Warnock vs. Herschel Walter (Geórgia/Senado)

Quem está na corrida?

O atual senador democrata Raphael Warnock recandidata-se ao lugar contra o antigo jogador de futebol americano Herschel Walker.

Georgia Senator Raphael Warnock Holds His Election Watch Party

Na Geórgia poderá haver uma segunda volta

Porque é importante?

A Geórgia é representada no Senado por dois democratas (Jon Ossoff, o outro senador, não tem o lugar a votos desta vez), mas isto não significa que uma vitória democrata seja um dado adquirido. Na verdade, as sondagens apontam para uma eleição muito disputada, o que transforma esta corrida numa das mais importantes para um futuro jogo de forças no Senado. Se o Partido Republicano conseguir ganhar o lugar, pode sonhar com uma maioria. Mas há um fator adicional a complicar as coisas: a lei estadual da Geórgia obriga a que um candidato receba mais de 50% dos votos para ser considerado o vencedor de uma eleição uninominal. O problema? Na Geórgia, há um terceiro candidato, Chase Oliver, do Partido Libertário, a baralhar as contas: não é que tenha uma expressão muito grande (as projeções apontam para cerca de 2% dos votos), mas está a impedir qualquer um dos outros de alcançar os 50%. Se assim for, a eleição poderá ter de ir a uma segunda volta de desempate, mais tarde, deixando o lugar em aberto.

O que aconteceu?

Ainda não há resultados definitivos, mas as projeções estão apontam para uma elevada probabilidade de a disputa ter de ir à segunda volta.

Ron DeSantis vs. Charlie Christ (Flórida/Governador)

Quem estava na corrida?

O atual governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, recandidatou-se ao cargo contra o democrata Charlie Christ.

Ron DeSantis Holds Election Night Event In Tampa

Ron DeSantis venceu a eleição

Porque era importante?

Esta disputa eleitoral está no centro das atenções, não por ser uma luta renhida, mas pelo perfil concreto do recandidato. Dentro do Partido Republicano, Ron DeSantis tem sido amplamente apontado como um potencial candidato à presidência americana em 2024, sendo a alternativa a Donald Trump na fileiras do partido. O próprio Trump sabe-o bem, e recentemente deixou o aviso público para que DeSantis não se candidatasse em 2024 — antes ainda de tentar capitalizar a vitória do republicano, atribuindo-a à sua participação na campanha para estas intercalares. Uma vitória nestas eleições intercalares serviria para posicionar DeSantis dentro do Partido Republicano como figura de proa para as eleições primárias que vão anteceder a próxima eleição presidencial. Donald Trump tem vindo a deixar pistas sobre a sua ambição eleitoral para 2024 e deverá anunciar a sua recandidatura na próxima semana.

O que aconteceu?

Ron DeSantis ganhou a eleição com perto de 60% dos votos, reforçando a votação de 2018 (com um crescimento de 10 pontos percentuais e cerca de mais 600 mil votos) e mantendo-se confortavelmente no cargo. Curiosamente, no comício em que celebrou a vitória, os seus apoiantes cantaram: “Mais dois anos! Mais dois anos!” Isto apesar de os governadores estaduais cumprirem mandatos de quatro anos, o que deixa bem claras as ambições de DeSantis para 2024. A vitória expressiva poderá causar problemas da Donald Trump no caminho para uma nova candidatura à Casa Branca.

Josh Shapiro vs. Douglas Mastriano (Pensilvânia/Governador)

Quem estava na corrida?

A saída de cena do governador Tom Wolf (do Partido Democrata) abriu caminho a uma disputa importante: os democratas queriam manter o controlo daquele estado decisivo, ao passo que os republicanos pretendiam ganhar o cargo e aumentar a sua influência no estado. Do lado democrata, o candidato foi Josh Shapiro, procurador-geral estadual; do lado republicano, o escolhido foi Douglas Mastriano, até aqui senador estadual.

Democratic Gubernatorial Candidate Josh Shapiro Holds Election Night Event

Josh Shapiro é o novo governador da Pensilvânia

Porque era importante?

A Pensilvânia é considerada um dos principais swing-states do país e os resultados naquele território têm habitualmente uma grande influência na dinâmica politico-partidária do país. Conquistar o governo estadual ao Partido Democrata seria uma importante vitória para os republicanos. Mas a eleição serviu também como um teste às ideias mais radicais do trumpismo — o que acabaria por se revelar fatal para os republicanos. A escolha do Partido Republicano recaiu sobre Douglas Mastriano, um antigo militar com um historial de ligações à direita radical: não só foi um dos grandes disseminadores de teorias da conspiração sobre as alegadas fraudes eleitorais nas eleições de 2020 como embarcou em várias outras teorias da conspiração, incluindo o movimento QAnon e as teorias sobre o 11 de Setembro. Pertenceu a grupos de direita radical inspirados nos Estados Confederados e esteve presente nos protestos violentos que antecederam a invasão do Capitólio em janeiro de 2021. Mastriano recebeu também o apoio direto e pessoal de Trump, que afirmou em maio deste ano que “não há ninguém na Pensilvânia que tenha feito mais ou lutado mais duramente pela integridade eleitoral”, mas também pela luta contra o crime, no reforço das fronteiras, nas políticas pró-vida, na defesa do direito às armas e na proteção das forças armadas.

O que aconteceu?

Josh Shapiro venceu com uma larga margem de 13 pontos percentuais sobre Mastriano. A imprensa americana nota que a disputa poderia ter sido mais renhida caso o Partido Republicano não tivesse escolhido um candidato tão radical: os resultados parecem mostrar uma rejeição clara da ala mais radical e ultraconservadora do projeto republicano.

Katie Hobbs vs. Kari Lake (Arizona/Governador)

Quem está na corrida?

A regra da limitação de mandatos obriga o atual governador do Arizona, o republicano Doug Ducey, a não se recandidatar. Em busca do seu lugar está a democrata Katie Hobbs, atual secretária de Estado do Arizona, e a republicana Kari Lake, ex-jornalista e apresentadora de televisão pró-Trump.

GOP Candidates Attend Arizona Republican Party Election Night Event

Kari Lake não deverá conseguir ser eleita

Porque é importante?

À semelhança da situação na Pensilvânia, a disputa que vai decidir quem é a próxima governadora do Arizona coloca à prova algumas das ideias mais controversas da ala pró-Trump do Partido Republicano. Conhecida apoiante de Trump, Kari Lake tem repetido as alegações, já desacreditadas, de que a eleição presidencial de 2020 foi fraudulenta. Uma vitória de Lake neste estado não só ajuda o Partido Republicano a manter-se à frente do Arizona como garante a Trump um importante apoio na sua recandidatura em 2024. Porém, uma derrota de Lake poderá mostrar que as teses de Trump estão a receber menos apoio — e poderá ser um indicador de dificuldades para o ex-presidente em 2024.

O que aconteceu?

Ainda não há resultados definitivos, mas as projeções apontavam para um vitória de Katie Hobbs — embora por uma curtíssima margem de apenas 0,5 pontos percentuais.

E na Câmara dos Representantes?

No caso da Câmara dos Representantes, a câmara baixa do Congresso dos EUA, a totalidade dos 435 lugares foram a votos — pelo que qualquer um dos partidos necessita de eleger pelo menos 218 congressistas para obter uma maioria. Atualmente, a Câmara dos Representantes é liderada pelos democratas, com 222 congressistas, tendo os republicanos 213 lugares.

Todavia, agora, as projeções apontam para uma inversão no jogo de forças. Segundo os resultados provisórios, os republicanos vão na frente, com uma vantagem de 23 congressistas sobre os democratas, mas ainda nenhum partido chegou ao número mágico que lhes permite celebrar a maioria. As principais análises na imprensa americana antecipam que os republicanos deverão mesmo vencer a eleição na Câmara dos Representantes.

Ainda assim, na verdade, o que está em jogo é um punhado de lugares chave. A análise do FiveThirtyEight, por exemplo, aponta 13 disputas concretas como as mais decisivas e assume que o Partido Democrata deverá contar com 203 assentos relativamente seguros, ao passo que o Partido Republicano terá com grande probabilidade assegurados 219. Isto significa que mesmo uma vitória expressiva dos democratas nos estados mais decisivos poderá ser insuficiente para garantir uma maioria na Câmara dos Representantes.