Tempos vão em que num Liverpool-Chelsea se lutava pelo título inglês. Com 21 jornadas da Premier League disputadas, dizer que o nono classificado recebeu o décimo referindo-nos a estas duas equipas parece que se fala de um mundo que não é conhecido por ninguém que habite este. O 0-0, resultado que se verificou nos últimos três encontros entres reds e blues, confirmou que as duas equipas estão à distância de uma viagem de autocarro do Algarve ao Minho do sucesso.

De resto, o Chelsea é um clube equiparado às pessoas que compram livros a um ritmo a que não conseguem garantir a sua leitura. Mykhaylo Mudryk chegou a Inglaterra e ocupou pela primeira vez um lugar no banco de suplentes dos blues. Com o ucraniano a ainda a aguardar a estreia na Premier League, a equipa londrina já tinha garantido a contratação de Noni Madueke em mais um despojar de milhões. Ao todo, são já seis as contratações de inverno do Chelsea, entre os quais, o português João Félix, a cumprir um castigo de três jogos por ter visto vermelho direto contra o Wolverhampton, o que corresponde a 178,5 milhões de euros em gastos.

Com tanta gente vinda de fora, o treinador do Chelsea, Graham Potter, escolheu a prata da casa para alinhar de início. Trevoh Chalobah, Conor Gallagher e Lewis Hall, um em cada setor do terreno, foram o jogadores formados no clube que o técnico utilizou. No lançamento do jogo, Potter não escondeu: “Temos um grupo de jogadores que entusiasma”. Mas não foi neste jogo.

O treinador do Liverpool, Jurgen Klopp, realizou o jogo mil como treinador — 70 no Mainz, 319 no Borussia Dortmund e 411 no Liverpool — e, antes da partida, o alemão espicaçou os jogadores que comanda. “Temos que ganhar mais duelos. Não estamos zangados o suficiente”, dizia com o intuito de alterar o momento negativo de três jogos sem ganhar para a Liga Inglesa.

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Ainda os últimos acordes do You’ll Never Walk Alone ecoavam em Anfield quando os gritos de festejo dos adeptos do Chelsea se sobrepuseram ao tom mais harmonioso da música que sempre marca o início dos jogos do Liverpool. Kai Haverz (3′) introduziu a bola dentro da baliza na recarga a um remate de Thiago Silva ao poste. O lance foi anulado por fora de jogo, tornando o entusiasmo dos blues em mero desprimor para com a canção.

O Liverpool esteve por baixo taticamente. Apesar de contar com o açúcar de Thiago Alcântara, que parecia um pasteleiro a distribuir doces, tal a forma como fazia fluir a circulação dos reds, o médio defensivo do 4x3x3 não viu a clarividência ser acompanhada pelos colegas. Harvey Elliott, a jogar como extremo aberto na esquerda, o que, por ser canhoto, lhe proporcionou boas ocasiões para tirar cruzamentos, foi a segunda figura de maior relevo. Darwin Núñez e Trent Alexander-Arnold ficaram no banco de suplentes.

Ver Hakim Ziyech fazer todo o corredor direito do 3x4x3 do Chelsea, numa clara falta de articulação com Chalobah no cumprimento de tarefas defensivas para as quais o marroquino não está talhado, pode dizer algo sobre a maneira como alguns jogadores da equipa de Londres carecem de aproveitamento, algo que se reflete no sub-rendimento coletivo ao longo da época. O extremo esteve muito isolado pelo facto de Gallagher ser mais um terceiro médio do que um extremo. No entanto, Jorginho operacionalizou o jogo ofensivo e alguns movimentos de rutura de Gallagher, à direita, e de Lewis Hall, à esquerda, deixavam o Liverpool numa situação de desconforto que se traduziu num domínio do conjunto de Graham Potter mesmo a jogar fora de portas.

No entanto, tal como já se tinha visto no lance do golo anulado a Havertz que surgiu na sequência de um canto, as bolas paradas assumiam um valor imprescindível. Um livre lateral sobre a direita, foi ter com Benoit Badiashile (32′) que desviou de cabeça em direção a Alisson.

Ziyech, que parecia abandonado na sua área de jogo, transfigurou-se e começou a a estabelecer novas relações. Mudryk, que também deve andar há procura da melhor química com os novos companheiros, entrou em modo team-building a partir do momento em que pisou o relvado na sua primeira partida pelo Chelsea ao ir para o lugar de Lewis Hall. O ucraniano foi o alvo de vários cruzamentos do marroquino, em lances que uniam os dois lados do campo por via aérea e cheirou o golo duas vezes nessa situação. Também de forma individual, como o trabalhador que quer agradar no dia em que chega à empresa, Mudryk (64′) rendilhou os defesas e rematou à malha lateral.

Também Klopp tinha as suas cartadas no banco. Já com a companhia de Darwin na frente, Gakpo (70′) rematava à meia volta para tentar marcar. As intenções do neerlandês ficaram nas mãos de Kepa, num raro sinal de ameaça dos reds. Também Alexander-Arnold (83′), de trivela, com a bola a saltar, tentou um golo que daria a vitória.

Num jogo sem golos, Chelsea e Liverpool atrasam-se mutuamente na luta pelos lugares da frente com o Arsenal, que ainda não jogou nesta jornada, a 18 pontos dos blues e a 17 dos reds. Numa reformulação realista de objetivos, a ambição pelos postos de qualificação europeia deve ser o que a humildade tem a recomendar aos dois.