A velocidade de rotação do núcleo da Terra terá abrandado na última década, estando atualmente a girar a uma velocidade inferior à da superfície terrestre, conclui um estudo publicado esta segunda-feira na revista Nature, que avisa também que esta alteração na rotação do núcleo terrestre poderá provocar um gradual encurtamento dos dias e ter um impacto no clima do planeta.

O estudo, conduzido pelos investigadora Yi Yang e Xiaodong Song, da Universidade de Pequim, baseia-se na análise do registo feito em estações no Alasca de ondas sísmicas relativas a abalos ocorridos nas Ilhas Sandwich do Sul (perto do polo sul). Comparando os registos destas ondas no polo sul e no Alasca, os cientistas conseguem perceber o desfasamento entre os dois registos e atribuí-lo às diferenças geodinâmicas registadas no núcleo da Terra, que as ondas sísmicas atravessam antes de serem registadas no Alasca.

Como explica o jornal espanhol El País, que analisou o estudo, em causa está uma diferença nos movimentos do núcleo e da superfície da Terra.

O planeta Terra é composto por um conjunto de camadas concêntricas: o núcleo interno é um corpo esférico com cerca de 1.200 quilómetros de diâmetro; esse núcleo interno está em permanente rotação dentro de um núcleo externo, em estado líquido, composto por metais fundidos. É sobre esse núcleo externo que assenta o manto terrestre (3 mil quilómetros de espessura) e, por fim, a crosta da Terra, a parte mais superficial (cerca de 40 quilómetros de espessura).

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A rotação do núcleo interno da Terra dentro daquele núcleo externo é responsável pelo campo magnético do planeta — e a análise do modo como as ondas sísmicas atravessam a Terra de um lado ao outro é um dos mecanismos mais relevantes para compreender o interior do planeta, uma vez que é impossível aceder ao núcleo terrestre.

O conhecimento científico disponível até agora já apontava para uma falta de sincronia entre a rotação do núcleo e a rotação da superfície da Terra. O geólogo Xiaodong Song tinha já contribuído para este conhecimento com estudos nas décadas de 1990 e 2000 que mostraram que o núcleo interno girava mais rápido do que a superfície terrestre. Com base nas observações dessa altura, foi possível concluir que o núcleo terrestre dava uma volta a mais que a superfície da Terra a cada 900 anos. Este é um dos fenómenos que motivou um aumento gradual da duração dos dias.

Todavia, ao longo dos últimos anos, a comunidade científica tem vindo a registar uma pequena redução, na ordem da fração de segundo, da duração dos dias.

As conclusões do estudo agora publicado permitem compreender que o núcleo da Terra terá abrandado a sua rotação. O estudo analisou dezenas de registos sísmicos e, através do desfasamento observado nos registos dos sismos do polo sul no Alasca, os cientistas concluíram que desde 2009 o núcleo da Terra tem vindo a abrandar a rotação — estando, atualmente, a girar a uma velocidade inferior à da superfície terrestre.

Esta inversão na velocidade relativa das duas velocidades faz com que, na prática, em relação a um ponto na superfície, o núcleo esteja a girar no sentido inverso. “Visto a partir do espaço, o núcleo gira praticamente ao mesmo ritmo que o resto do planeta. Mas a partir do ponto de vista da superfície, onde estão as estações sísmicas, o núcleo gira agora em direção contrária, para oeste“, disse o investigador Xiaodong Song ao El País.

O cientista esclareceu também que os registos históricos apontam para uma inversão semelhante na década de 1970, o que permitir inferir que existe “um ciclo de oscilação” entre aceleração e abrandamento da rotação do núcleo terrestre “que dura uma sete décadas”. “Isto sugere que há uma ressonância que liga todas as camadas da Terra que se produz com esta cadência”, acrescentou.

O geólogo salientou também que a redução da duração dos dias terrestres se poderá dever a esta mudança na rotação do núcleo terrestre — mudança que também “altera o campo gravitacional interno e causa deformações na superfície, o que, por sua vez, pode influenciar o nível do mar”. Estas mudanças, diz, podem também ter um impacto na temperatura do planeta.