O debate era sobre a TAP, mas os deputados não resistiram à polémica sobre o altar-palco da Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Esta quinta-feira, no parlamento, o tema até colocou de acordo Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, e André Ventura, deputado do Chega. A deputada bloquista criticou o facto de ter sido aprovado, no Orçamento do Estado para 2023, um artigo que permite adjudicações por ajuste direto a empreitadas cujo custo seja inferior a 5,35 milhões de euros.

“Todas as auditorias são bem vindas, quer seja à privatização da TAP, à nacionalização e até à reestruturação”, afirmou a deputada bloquista, uma vez que uma das iniciativas legislativas em debate era uma proposta do Chega que pretende a criação de um mecanismo de auditoria permanente dos serviços do Estado. “Mas as auditorias não substituem o debate sobre as escolhas políticas. No OE 2023 houve partidos que fizeram uma escolha política pelo aumento do valor dos ajustes diretos para a JMJ”, nomeadamente o PSD, PS e IL. “E agora espantam-se. Quatro milhões de euros para construir um altar vergonhoso. Foi uma decisão política do PSD, PS e IL. Veja-se só o cuidado que há com os recursos públicos”, declarou Mortágua.

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A intervenção motivou a concordância, parcial, de André Ventura. “Raramente estamos de acordo, neste caso tem razão. Foram as vergonhosas permissões dos ajustes diretos que permitiram que 90% dos contratos da JMJ tenham sido feitos por ajuste direto”, afirmou Ventura, notando que o debate “tem que ver com bom senso e não com religião”. E aqui terminou a concordância com o Bloco. “Diz que o altar é vergonhoso, mas não há nenhum altar onde o Papa esteja que seja vergonhoso, o que é vergonhoso são os ajustes diretos das câmaras”, afirmou, lançando um desafio. “Este altar até a nós como católicos nos choca e escandaliza. Desafiamos a descobrir quanto gastamos neste monstro do Estado criado pelo PS. Queremos auditar Portugal”, lançou.

O debate, que teve a duração de meia hora, continuou com a TAP no centro, mas acabou por ser esvaziado pelo facto de estar marcada para a próxima semana, a 1 de fevereiro, a discussão e votação sobre a comissão parlamentar de inquérito à gestão da companhia, na sequência do caso Alexandra Reis. “Não vamos antecipar um debate que o PS viabilizará na próxima semana”, sublinhou Hugo Costa, do PS.

No debate desta quinta-feira, 26 de janeiro, estava em causa a apresentação de dois projetos de lei (Chega e PAN) e dois projetos de resolução (IL e PAN). Além da proposta do Chega, para “auditar Portugal”, foi discutida uma proposta da IL, “pela realização de uma auditoria ao processo de nacionalização da TAP SGPS iniciado em 2020”, que já foi anunciada pelo Tribunal de Contas. Só que a iniciativa da IL deu entrada no Parlamento no final de setembro, antes de se saber que o TdC ia avançar para a auditoria.

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Coube a Bernardo Blanco apresentar a iniciativa, que não irá para a frente, anunciando “muita satisfação por ver que o TdC tem contemplada uma auditoria à TAP para avaliar se a injeção de 3,2 mil milhões de euros do Estado salvaguardou o interesse público”. Tanto Bernardo Blanco como Carlos Guimarães Pinto destacaram que o Governo “usou a pandemia para concretizar o sonho de nacionalizar a TAP”. Para os liberais, a auditoria é “importante” para perceber porque foi escolhido aquele tipo de intervenção, que “seria compreensível se o dinheiro fosse devolvido”, mas “ao contrário de outras companhias da Europa, “a TAP não planeia devolver o dinheiro que recebeu”.

A proposta da IL foi contestada pelo PS, para quem o projeto “contraria o interesse nacional”, acusando a direita de “extremismo idelológico”. Hugo Costa voltou a adiantar que a companhia terá tido, em 2022, um recorde de receitas, antecipando os resultados esperados para 2025, e acusou os liberais de serem “lestos a pedir auditorias” à nacionalização da TAP.

Bruno Dias, do PCP, também criticou a iniciativa da IL. “Sabemos que para a IL o Governo tinha deixado cair a TAP”, afirmou, salientando que o PCP “rejeita o desmantelamento da companhia de bandeira”, e que “se a TAP tivesse ficado privada, já não existia”. O que o PCP quer é descobrir o que falta saber sobre “os vários desastrosos processos de privatização” da companhia.

O PSD, pela voz do deputado Jorge Mendes, defendeu que “a relação dos portugueses com a TAP é ambígua”, lembrando slogans que ficaram conhecidos noutras épocas de turbulência na companhia, como o “Take Another Plane” ou o “Não TAP os olhos”. O deputado notou que nos últimos 10 anos foram debatidas “dezenas de iniciativas legislativas sobre a TAP, o que é “um destaque superior ao seu valor para a economia portuguesa”.

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Sobre as propostas em causa, a do Chega, a da IL e ainda uma proposta do PAN que pretende garantir “a plena aplicabilidade das disposições do Estatuto do Gestor Público relativas a limites remuneratórios e à cessação de funções à TAP”, o PSD tomou posições distintas. Acompanha a da IL mas é contra a do Chega, por “pretender ressuscitar o homem da Regisconta agora na forma do homem da auditoria”. Já a do PAN tem mérito, para o PSD, porque “o estatuto do gestor público merece ser revisitado e porventura alterado de forma a sanar as dúvidas atuais” que levaram ao pagamento da indemnização a Alexandra Reis, “mas não deve ser feito de forma precipitada e introduzir alterações redundantes como pretende o PAN”.

Rui Tavares, do Livre, considerou que “nenhuma destas é uma forma séria de discutir a TAP” e remeteu para a comissão de inquérito o debate sobre “o que a TAP ainda pode dar ao país”.