Le jeune homme foi publicado pelas Éditions Gallimard em 2022, sendo agora a tradução para português, com assinatura de Maria Etelvina Santos, publicada pela Livros do Brasil. Com Annie Ernaux, já o leitor está habituado à ausência de gorduras. Este O jovem, contudo, de tão breve, de tão seco, parece mais um ensaio de uma história ou notas para uma história do que uma história em si. Ao longo da leitura, fica-se com a sensação de que ainda não estamos com as personagens e a brevidade do livro é tal que se teme — e se confirma — que nunca as teremos em frente.

Assim, O jovem nunca extrapola um exercício biográfico, um rememoração íntima. Valerá por isso, e convém dizer que Annie Ernaux não sabe escrever mal. As frases são incisivas, têm sempre intensidade. Ainda assim, parece que o papel do leitor face ao exercício de escrita nunca é contemplado. Parece, em primeiro lugar, que a obra nunca deixa de ser um exercício e que não é preciso calibrar uma estrutura porque, a priori, se abdica dela. Sobra, desta forma, uma permanente deambulação de memorista que nunca atinge o recetor em cheio.

Ao longo do texto, Annie Ernaux toca aqui e ali sem nunca meter as mãos em nada. Tudo é fugaz, tudo é de uma efemeridade tal que não dá tempo ao leitor para se adentrar na cabeça da narradora. Em O jovem, temos uma história – talvez nem seja possível chamar-lhe história – de uma relação entre uma mulher na casa dos cinquenta com um homem trinta anos mais novo. De tudo o que aí pode surgir, do conflito inerente à distância entre gerações, sobra apenas uma abordagem ao de leve, num toca-e-foge permanente, impedindo o leitor de sentir sequer uma sombra de empatia. A narradora volta-se para si e o leitor não consegue voltar-se para ela.


Título: “O Jovem”
Autora: Annie Ernaux
Editora: Livros do Brasil
Tradução: Maria Etelvina Santos
Páginas: 64

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O tema, por si só, já bastava para que se conseguisse escancarar a humanidade que tem dentro. Não apenas a diferença de idades num casal servirá para se procurar o lugar impactante em que a expectativa se quebra como ainda se leva, de forma cirúrgica, com outros pontos importantes: a diferença de classes sociais, a disparidade de olhares sobre o futuro e, principalmente, o acontecimento da vida como, de um lado, a re-experiência do passado e, do outro, de experiência fresca do presente a acontecer. Ao leitor, é evidente que, ainda que estejam em concomitância naquele momento, naquela cama, a narradora e A. estão em fases diferentes da vida. O problema na experiência de leitura é que cada parágrafo é um assunto. Não dá para mergulhar de cabeça, tudo sabe a memória ao longe, a ensaio, sem um potencial transformador, e sem que o leitor seja valorizado na relação dialógica da leitura. O texto sabe, assim, a depósito de informações em fragmentos, sem haver um fio condutor calibrado, sem haver nada que não seja a importância relativa que uma relação teve para a narradora.

A prosa é seca, e esse é sempre um dos méritos de Annie Ernaux, o problema é que não deixe florescer nada. No momento em que se faz luz para o leitor, outro pensamento irrompe e a luz feita é engolida. Sendo a prosa irrepreensível do ponto de vista da construção frásica – sempre directa ao osso, emotiva, clarividente – (e que, acrescente-se, conta com irreprensível tradução nesta versão), a verdade é que o leitor é transformado num receptáculo de fragmentos emocionais e não atinge uma relação de intimidade com a obra artística, que, pesem embora os seus méritos técnicos na construção sintácticas, nunca deixam de parecer um conjunto de notas para possibilitar uma escrita a posteriori. Se em O acontecimento a autora parece procurar o fundamental de um episódio específico, em O jovem parece não ser capaz de fazer mais do que mencionar ao de leve esse essencial.

Como a relação do leitor com as personagens acaba por ser inexistente, o texto – a que não se pode chamar novela nem romance nem conto nem biografia nem nada – acaba por não conseguir sair de si, explorando, concatenando. As memórias não se unem, existem só pela emoção que veiculam, mas a emoção morre na praia. Parte-se de um ponto cheio de potencial e, finda a leitura, só o potencial existe.

O jovem fica aquém, eis a conclusão possível. A narradora soube identificar os pontos-chave, mas não soube sair de si nem desses pontos. O leitor, sem outra hipótese, vê alguém a falar de si consigo, a enfrentar a sua memória só para se lembrar, sem que haja vida literária fora dessa relação, numa composição aparentada de notas desconexas de um diário. Com isto, pese embora a beleza permanente da prosa, não chega sequer a haver beleza – nem rumo.

A autora escreve de acordo com a antiga ortografia