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Recrutados diretamente das prisões russas, os primeiros combatentes do grupo de mercenários Wagner já começaram a regressar a casa. De volta à Rússia são confrontados com uma escolha: começar o processo de reintegração na sociedade ou prolongar o contrato e continuar a participar na “operação militar especial” russa na Ucrânia – a designação de Moscovo para o conflito.

Há três semanas em casa, após seis meses a combater no território ucraniano, o russo Andrei Yastrebov, de 22 anos, escolheu a segunda opção. “Quero defender a minha terra natal (…). Gostei de tudo lá. A vida civil é aborrecida“, admitiu numa breve entrevista ao New York Times. Apesar da disposição em regressar, os familiares descrevem ao jornal norte-americano um jovem “mudado” pela guerra. “Todos sentimos que ele está numa espécie de hipnose, como se fosse uma pessoa diferente. É como se não tivesse emoções”, explicou um deles ao mesmo jornal.

No verão do ano passado o grupo Wagner começou uma campanha de recrutamento nas prisões russas para reforçar as suas fileiras. Desde o início da guerra, a 24 de fevereiro, a participar nas operações na Ucrânia, encontraram nos prisioneiros um reforço significativo. Yastrebov, condenado a uma pena de prisão por roubo, foi apenas um de milhares de homens que se dispuseram a integrar a companhia militar, aliciados pela promessa de uma liberdade antecipada e de uma compensação monetária.

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À Ucrânia chegam ex-presidiários com diferentes perfis, desde homens condenados por roubos a violações e assassinatos. Para Olga Romanova, da organização não-governamental Russia Behind Bars, este é um sintoma de uma sociedade onde “não há mais crimes, nem punições”. “Tudo é permitido e isto traz consequências duradouras para qualquer país”, resume ao jornal norte-americano.

A companhia militar privada está a ganhar peso na Ucrânia, avaliaram os serviços de informação britânicos num relatório publicado a 20 de janeiro. O grupo Wagner — fundado e financiado pelo empresário russo Yevgeny Prigozhin — é descrito como uma componente chave das operações, contando já com uma equipa de cerca de 50 mil homens, dos quais uma grande fatia é composta por prisioneiros. Segundo os serviços de informação ocidentais são já cerca de 40.000 os combatentes recrutados diretamente das prisões que assinaram contratos de seis meses.

O contrato de Yastrebov chegou ao fim e o jovem voltou à Rússia para receber um indulto, mas muitos combatentes têm retornado em caixões. As autoridades ucranianas estimam que pelo menos 30,000 morreram, ficaram feridos, desapareceram ou foram capturados. A organização russa de direitos dos prisioneiros Rus Sidiaschaya, estima um valor superior: 40.000.

Ucrânia: Grupo Wagner já perdeu cerca de 40.000 presidiários recrutados, assegura ONG

Uma investigação da agência Reuters na cidade russa de Krasnodar aponta no sentido de elevadas baixas, descrevendo como perto da localidade de Bakinskaya existe um cemitério em expansão onde são sepultados os membros do grupo Wagner. Entre as campas marcadas com a insígnia vermelha e preta da companhia militar a agência norte-americana conseguiu identificar a de Anatoly Bodenkov, um homem condenando enquanto assassinato a contrato a uma pena de prisão de 16 anos, e a de Viktor Deshko, sentenciado a dez anos de cadeia por homicídio.

Na Rússia é pouca a informação que circula e a atenção volta-se para os casos de sucesso. No início de janeiro, o fundador da companhia anunciava que os primeiros combatentes acabavam de receber indultos. “Cumpriram o seu contrato. Trabalharam com honra e dignidade. Foram os primeiros. Trabalharam como poucas pessoas trabalham no mundo”, elogiava Yevgeny Prigozhin.

“Não roubem, não usem drogas, não violem”: os três conselhos de Prigozhin aos primeiros recrutas do grupo Wagner indultados

Para os que regressam e decidem permanecer na Rússia, há o desafio de reintegração, alguns após vários anos atrás das grades e com as marcas dos seis meses de guerra. “São pessoas psicologicamente destroçadas que regressam com um sentido de retidão, uma crença de que mataram para defender a pátria”, disse ainda ao New York Times Yana Gelmel, uma advogada russa de direitos dos prisioneiros. Alguns podem inclusivamente ser “perigosos”, explica. Aos soldados que recebeu na Rússia, o fundador do grupo Wagner já deixou alguns conselhos: “Não bebam muito, não usem drogas, não violem mulheres. Sexo apenas por amor ou dinheiro”, afirmou num vídeo divulgado pela agência Ria. Prigozhin instruiu ainda os homens a não roubarem, uma vez que agora “têm dinheiro suficiente”.