“Não queremos saber o que pensam de nós; vamos fazer o que tivermos de fazer”. A frase de Tor (nome de código), soldado checheno, revela muito da mentalidade de um batalhão que luta contra a corrente: contra o próprio país, aliado de Moscovo, e do lado ucraniano da guerra.

O batalhão Dzokhar Dudayev, assim chamado em honra do primeiro presidente da Chechénia independente no período pós-soviético, é um dos que luta ao lado das forças de Kiev. Não é de agora: a unidade aliou-se aos ucranianos em 2014, aquando da anexação russa da Crimeia. De acordo com Tor, o batalhão foi criado como uma “unidade de manutenção da paz” — o que, nos dias de hoje, significa combater os russos.

Estamos a lutar por um futuro livre para nós e para a Ucrânia, e para a geração mais nova. Para nós, eles são mais importantes do que a velha geração soviética. Não podemos ter em conta as opiniões das vítimas da propaganda russa, não nos podemos preocupar com isso”, referiu o soldado checheno ao The Guardian.

Os membros desta unidade são menos famosos do que os do outro contingente que combate na Ucrânia: a unidade kadyrovsty, batizada em homenagem a Ramzan Kadyrov, líder checheno pró-russo e afeto a Vladimir Putin. Os soldados de Kadyrov são conhecidos pela sua barbárie no terreno, com inúmeras notícias a darem conta do seu envolvimento no genocídio de civis durante a ocupação de Bucha e noutros territórios em redor de Kiev durante os primeiros meses da guerra.

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A reputação destes chechenos, aliados à propaganda russa, cria desconfiança e torna difícil a convivência entre a população ucraniana e os membros do batalhão Dudayev. “Infelizmente, a propaganda russa tem feito estragos nas mentes das pessoas na Ucrânia”, referiu Tor ao Kyiv Independent. “Muitas pessoas tomam-nos por agressivos e acham que somos uns bárbaros”.

Ao mesmo jornal, um outro elemento do batalhão, Maga, assegurou que a discriminação não afeta o seu compromisso com a causa ucraniana. “O nosso presidente é Volodymyr Zelensky, e o nosso Supremo Comandante é Valery Zaluzhny (líder das Forças Armadas da Ucrânia) (…) isto acontece porque somos um povo livre.

Os meios ao seu dispor para travar a luta são escassos: a sua base de operações é um pequeno escritório em Kiev; apesar de estarem sob a alçada do exército ucraniano, não têm acesso a quaisquer fundos de Defesa, dependendo por isso, sobretudo, de donativos. “Temos até um dador mexicano”, refere Tor. “esteve cá um par de vezes e deu-nos dois carros”.

Apesar disso, a sua prestação no teatro de guerra ucraniano tem sido importante. O batalhão foi responsável por operações de serviços secretos e reconhecimento no norte de Kiev no início de março, decisivas para travar o sonho russo de uma capitulação rápida da Ucrânia. Posteriormente, desempenharam um papel decisivo na libertação de Izium.

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Nas últimas duas semanas, têm estado em Bakhmut a tentar travar o avanço das forças russas — com grande dificuldade e com poucos meios. A frustração é sobretudo com o Ocidente, e com o que os chechenos vêm como uma hesitação em armar a Ucrânia que só prejudica o esforço de guerra. “Deem de uma vez à Ucrânia as armas e eles farão o resto e resolverão a situação sem que seja necessário vocês derramarem o vosso sangue”, diz Tor, que chega mesmo a classificar a demora alemã na autorização do envio dos tanques Leopard 2 como “um crime”.

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No fim de contas, os chechenos-ucranianos entendem o conflito como parte de uma teia mais complexa, e que inclui as guerras russas na Chechénia. A primeira, durante a presidência de Boris Yeltsin, entre 1994 e 1996, e a segunda começada por Yeltsin em 1999 e cujos conflitos se prolongaram até 2009, já durante a era de Putin e Dimitry Medvedev. Tor conclui: “A luta por uma Chechénia independente e por uma Ucrânia independente são parte do mesmo todo”.