Três grandes méritos, dois obstáculos pela frente, um sonho extra. Se antes da fase de grupos, olhando para perspetivas meramente teóricas antes de ver em campo aquilo que cada equipa era realmente capaz de fazer, a passagem do Benfica aos oitavos não era uma equação 100% líquida, agora, olhando para as apostas dos especialistas, a qualificação para os quartos tornara-se quase uma obrigação. Mais: aquilo que os encarnados têm feito ao longo da temporada, com apenas uma derrota em 37 jogos oficiais, empurrava de uma forma inconsciente as ambições para a entrada no top 4 da Europa. Perante isto, Roger Schmidt não gostou.

Club Brugge-Benfica. Schmidt muda o ataque e promove regressos de Rafa e Gonçalo Ramos

Se é verdade que o Club Brugge foi como um brinde no sorteio, o puxar da fita atrás identifica três grandes méritos na campanha europeia do Benfica: 1) nos dois confrontos contra o todo poderoso PSG, a equipa não teve receio, foi fiel aos seus princípios e travou por duas vezes os campeões franceses; 2) no jogo da verdade, na receção à Juventus na Luz, os encarnados tiveram 70 minutos arrasadores que não espelham a história do 4-3 final; 3) já com a qualificação assegurada, o conjunto nacional não levantou o pé, foi aproveitando todas as oportunidades que apareceram e ultrapassou o PSG no primeiro lugar com uma goleada por 6-1 em Haifa com o Maccabi. Agora, em caso de confirmação de ultrapassagem do obstáculo inicial (as casas falavam em 85% de favoritismo), surgiria a sexta oportunidade para chegar pela primeira vez às meias no atual formato da Champions iniciado em 1992/93. Depois, um sonho extra assumido pelo próprio Rui Costa.

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“Sou confiante e otimista por natureza mas, pelo que a equipa tem feito, estou realmente otimista. Muito apoio? Infelizmente o campo é pequeno, os bilhetes são os que temos, são sempre poucos para os nossos adeptos porque somos muitos. Somos muitos e apaixonados pelo clube mas nunca estaremos sozinhos, independentemente dos poucos lugares que temos à disposição nas bancadas, perante aquilo que eram as nossas necessidades para este jogo. Chegar a uma final? É normal que o Benfica sonhe com uma final europeia porque é um dos maiores clubes do mundo. Sabemos a dificuldade que é lá chegar mas também sabemos o sonho que temos e há que lutar por isso”, comentou o líder do clube à SportTV.

As declarações de Rui Costa foram feitas esta manhã, durante um passeio pela cidade de Bruges (também conhecida como a “Veneza do Norte” pelos seus canais). Na véspera, e quase que a sentir toda essa confiança entre os adeptos encarnados como se a passagem fosse uma mera questão de tempo, o técnico alemão não gostara de uma questão sobre um teórico favoritismo do Benfica diante do Club Brugge. “Essas perguntas não são para mim, são para os jornalistas. Não me interessa muito saber se somos favoritos. Estamos focados nos primeiros 90 minutos da eliminatória, é o que interessa para nós”, atirou numa fase da conferência que girou muito à volta das possíveis opções iniciais depois da recuperação física de Gonçalo Ramos e Rafa, e da secundarização do mau momento que a formação belga atravessa na temporada.

“Vamos tentar jogar como tentamos jogar sempre, com um futebol intenso e dinâmico frente a uma equipa com muita qualidade, com jogadores muito rápidos e dinâmicos. Espero duas equipas à procura do golo. Estamos muito ansiosos por este jogo, trabalhámos muito para chegar a esta fase da prova. Conseguimos o apuramento num grupo muito complicado. Debilidades contrárias? A minha experiência diz-me que aquilo que se faz noutras competições não tem grande influência nas outras provas. Tenho a certeza que todos no Club Brugge estão motivados. Tiveram um grupo muito difícil e merecem estar aqui, a qualidade individual é evidente. Não me parece que entrem em campo a pensar no momento que estão a viver. Tenho a certeza que ambas as equipas vão estar ao seu melhor nível”, resumira Schmidt na antevisão da partida.

Em parte, o alemão tinha razão. Foi quase numa versão de espasmos mas por dois momentos na primeira parte houve uma versão do Club Brugge que se aproximou daquela que surpreendeu a Europa no arranque da Liga dos Campeões. No entanto, e no cômputo geral, o Benfica mostrou que está muito acima da equipa belga. Com laterais competentes, com centrais que fizeram a diferença pelo ar, com um meio-campo sábio a gerir os momentos de jogo, com um ataque que se complementa e consegue criar perigo de variadas formas. Depois, e como é costume, brilhou João Mário. Ou Super Mário, aquele que outrora teve uma alcunha de Tartaruga Ninja mas que agora subiu o nível de jogo para herói dos vídeojogos. 17 golos em 34 jogos na presente temporada, quarto encontro consecutivo a marcar na Champions, melhor marcador português na competição. Marcou de penálti? Sim, marcou. Mas também para isso é preciso ter mérito e essa conversão fria que continua 100% eficaz de águia ao peito mais não é do que um prolongamento do muito que joga.

Com um regresso à fórmula inicial tendo o acrescento Aursnes em vez de David Neres e Chiquinho a tentar crescer numa posição onde será impossível esquecer Enzo Fernández, o Benfica teve um início demolidor a nível de domínio do encontro com um total de 96% de posse que remeteu o Club Brugge a um papel de mero espectador praticamente sem tocar na bola e a controlar com os olhos aquilo que nem assim conseguia. Foi nesse período que os encarnados criaram a primeira oportunidade do encontro no seguimento de um canto à esquerda, com Otamendi a ganhar ao segundo poste antes do desvio à figura de Mignolet de Ramos quando estava em posição privilegiada para fazer melhor (3′). Pouco depois, e contra essa corrente, a equipa belga mostrou ao que vinha na frente com um lançamento nas costas de Bah para a velocidade de Buchanan e um remate quase sem ângulo travado por Vlachodimos (5′) mas essa seria mais a exceção do que a regra.

Sempre que conseguia encontrar espaços para explorar a profundidade e jogar em velocidade havia risco do Club Brugge nas ações ofensivas mas, não reunindo esses predicados, era o Benfica que tentava assumir o controlo da partida com bola mesmo perante algumas zonas de pressão mais altas que os belgas tentavam fazer e saídas que podiam levar outro perigo como uma anulada por fora de jogo que colocou a equipa da casa numa situação de 4×3. Mais solto, mais capaz e com muito maior personalidade do que revelara nos últimos encontros, os belgas cresciam e sobretudo acreditavam que era possível algo mais numa partida que todos davam como perdida mas uma arrancada de Otamendi a dar o exemplo colocou a equipa da casa em sentido entre um lance em que Rafa ficou próximo de desviar na pequena área um cruzamento de Bah (23′) e um remate muito torto de Aursnes em mais uma recuperação em zona alta por erro de Mata (25′).

O balão do Club Brugge tinha esvaziado, o balão do Benfica começava a encher. E, até ao intervalo, aquilo que se viu foi o constante acerco dos encarnados à área contrária com diversas formas de chegar com perigo junto da baliza de Mignolet: António Silva cabeceou por cima após assistência de Otamendi em mais uma bola longa que encontrou o argentino ao segundo poste (27′), Rafa acertou no poste num livre lateral bem trabalhado em que Chiquinho colocou a bola no meio para a assistência de João Mário (30′), Gonçalo Ramos desviou de cabeça também por cima após cruzamento de João Mário numa jogada que passou também por Rafa (37′). O golo parecia uma questão de tempo mas, quando a bola entrou, foi mesmo na baliza contrária de Vlachodimos: Lang bateu largo num livre lateral à direita, Odoi cabeceou cruzado no meio da confusão mas o lance seria de imediato anulado (45′). Mais um grande susto mesmo em cima do intervalo.

Schmidt mantinha total confiança nas opções lançadas de início e foi de bola parada que o Benfica chegou ao que já justificava em jogo corrido, sempre com muito demérito do Club Brugge à mistura: Gonçalo Ramos desviou muito perto do poste após um livre lateral de Grimaldo na direita do ataque que tinha também Aursnes sozinho para cabecear (47′), João Mário inaugurou mesmo o marcador de grande penalidade num lance em que Gonçalo Ramos não desistiu, antecipou-se a Hendry e sofreu falta na área (50′). Era a explosão dos muitos (e bem audíveis) adeptos encarnados em Bruges com uma vantagem que permitia aos encarnados partirem para outro tipo de jogo mais favorável para a missão que trazia para a primeira mão.

A incapacidade de reação dos belgas ao golo sofrido era notória, sendo que também o Benfica não conseguiu colocar em prática as saídas rápidas que conseguissem colocar a defesa contrária em apuros. Assim, e com o passar dos minutos, o encontro foi perdendo motivos de interesse, o que fez com que os treinadores fossem ao banco à procura de crédito para saldar a dívida com a qualidade de jogo que começavam a mostrar. No caso dos encarnados, David Neres e Gonçalo Guedes entraram para os lugares de Rafa e Gonçalo Ramos mas nem assim a partida mudou o caminho onde tinha entrado apesar de uma boa oportunidade de Chiquinho desviada para canto e de mais um remate de João Mário que passou muito perto do poste. Entre tanta água que o adversário metia quase fazendo jus ao cognome de Veneza do Norte pelo qual Bruges também é conhecido, o Benfica só teve de aproveitar e, além do segundo golo de David Neres em mais um erro de Meijer (88′), Guedes ficou perto do terceiro e o mesmo Neres ainda viu o bis anulado nos descontos (90+2′).