O cartel responsável pelo rapto de quatro turistas americanos, que resultou na morte de dois deles e de uma mulher mexicana (apanhada por uma bala perdida), em Matamoros, estado de Tamaulipas, no México, emitiu uma carta de desculpas. Terão entregue elementos da organização às autoridades locais.

“O [Gulf Cartel] pede desculpa à sociedade de Matamoros, aos familiares da Senhora Areli e às pessoas e familiares americanas afetadas”, pode ler-se na carta, escrita à mão, cita a CNN, que teve acesso ao documento.

“O Gulf Carte, Grupo Scorpion, condena fortemente os acontecimentos da última sexta-feira”, continua, indicando outro grupo aludindo a uma alegada divisão existente dentro da organização. “Por esta razão, decidimos entregar aqueles que estiveram diretamente envolvidos e que foram responsáveis pelos atos, que em todo os momentos agiram de acordo com a sua própria determinação e indisciplina, contra as regras pelas quais o Gulf Cartel opera”. As imagens desse momento terão sido partilhadas online.

Quatro americanos, dois homens e uma mulher, tinham sido dados como desaparecidos no México, depois de atravessarem a fronteira com o estado do Texas. O grupo terá viajado para os Estados Unidos para que um dos elementos fosse submetido a uma cirurgia estética (o chamado turismo médico). Foram, depois, raptados em Matamoros, no estado que faz fronteira com os Estados Unidos, alegadamente confundidos com traficantes de droga do Haiti. O movimento foi filmado e publicado na internet. Na quarta feira dois deles foram encontrados mortos (Shaeed Woodard and Zindell Brown) e outros dois com vida (Latavia Washington McGee e Eric Williams).

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As autoridades mexicanas, que acreditam na autenticidade da carta, duvidam da sinceridade do pedido de desculpas do grupo, acreditando que este só foi feito considerando o mediatismo do caso e a consequente atenção a que expôs o cartel.

Encontrados mortos dois dos norte-americanos raptados no México na sexta-feira

A divulgação de mensagens para as autoridades ou grupos rivais, após acontecimentos de grande repercussão, é comum nos cartéis mexicanos — sobretudo os do nordeste do país — explicou à CNN Guadalupe Correa-Cabrera, professora universitária especialista no estudo destas organizações criminosas.

Os corpos dos americanos mortos foram entregues as autoridades diplomáticas norte-americanas esta quinta-feira, informou Irving Barrios, procurador-geral de Tamaulipas, na rede social Twitter. Na terça-feira, os dois sobreviventes regressaram aos Estados Unidos. Eric Williams chegou com ferimentos de bala nas pernas, tendo sido submetido a duas cirurgias. Sabe-se agora também que foi detida uma pessoa, que estaria a vigiar as vítimas durante o rapto, informou Américo Villarreal, governador de Tamualipas.

Turismo médico: mais de 1 milhão de americanos viajam para outros países à procura de tratamentos médicos. México é o mais popular

Os quatro norte americanos viajaram para o México para que Latavia Washington McGee, 33 anos, um dos elementos do grupo pudesse ser submetida a um tratamento médico. A norte-americana ia ser submetida a uma cirurgia estética, marcada para esta sexta-feira, adiantou uma amiga próxima, citada pela CNN.

A viagem configura um exemplo daquilo a que se chama “turismo médico”: viajar para outros países em busca de procedimentos e tratamentos, por serem financeiramente mais acessíveis, por não terem sido aprovados ou por não estarem ainda disponíveis no país de origem.

O México, a Índia e a Europa de Leste são os países que mais recebem o “turismo médico”. De acordo com um estudo publicado no American Journal of Medicine, estima-se que em 2017 mais de um milhão de americanos tenham viajado para outros países para receberem tratamentos médicos — mais 200 mil dos que em 2007. O número é confirmado pelo Conselho Mexicano para a Industria do Turismo Médico.

Residentes dos Estados Unidos fizeram 1,2 milhões de viagens ao México para cuidados médicos e dentários em 2019, atraídos, acima de tudo, pelos custos “substancialmente mais baixos” dos procedimentos, com melhor atendimento, indicou ao Washington Post Josef Woodman, fundador da Patients Beyond Borders, consulta sediada na Carolina do Norte dedicada à indústria do turismo médico.

Dados recolhidos pela consultora indicam que um implante dentário com coroa de acrílico nos Estados Unidos custa 3.400 dólares (cerca de 3.179 euros), enquanto no México o valor é de 1.650 dólares (cerca de 1.543 euros), por exemplo.

Tratamentos dentários, cirurgias estéticas, tratamentos de fertilidade, transplantes de órgãos e tratamentos de cancro são os motivos mais frequentes para estas deslocações, indica Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos.

Mas cada país tem as suas especialidades. México, Costa Rica e Europa de Leste são, sobretudo, procurados para tratamentos dentários e estéticos, aqui mais baratos. Singapura será procurada por tratamentos oncológicos, enquanto na Índia, serão cirurgias da anca e do joelho a atrair mais pessoas, considerando a qualidade dos especialistas desta áreas.

O México é, de acordo com um inquérito de 2016 realizado pelo mesmo centro, o país mais procurado pelos americanos para o turismo médico — é o destino escolhido para mais de 40% das viagens neste âmbito. O mesmo estudo concluiu que a prevalência destas deslocações é superior entre hispânicos e indivíduos sem seguro de saúde.

Apesar de o tema ter ganho especial atenção pelo caso dos quatro americanos raptados,  Matamoros não será particularmente popular por nenhum destes motivos, contrariamente à Cidade do México, Cancun e Tijuana — cidade que até já tem uma fila de trânsito especial na fronteira com San-Diego, que pretende acelerar a entrada nos Estados Unidos dos americanos que entraram no México no âmbito do turismo médico, diz o Washington Post.

O turismo médico é uma indústria em crescimento no México: de acordo com o INEGI, agência de estatística do governo mexicano, estas deslocações terão gerado mais de 137 milhões de dólares em 2021.