Metade dos créditos à habitação com indexante Euribor a 12 meses ainda não tiveram um aumento que reflita a forte subida dos juros dos últimos meses, avisou Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, acrescentando que “este processo” de ajustamento rápido das prestações de crédito “ainda não terminou“. A boa notícia é que “a economia está em máximos” e o emprego é um dos “sinais de resiliência” da economia portuguesa.

“A situação presente é desafiante”, disse Mário Centeno, esta terça-feira. “A política monetária mudou e nós assistimos nos últimos meses a uma subida das taxas decididas pelo BCE que se tem transposto rapidamente aos indexantes”, acrescentou o governador do Banco de Portugal, notando que “todos os contratos com Euribor a 3 e 6 meses já tiveram pelo menos um aumento mas na Euribor a 12 meses [só] metade dos créditos já viram o indexante atualizado“. O que significa que a outra metade, sensivelmente, ainda não sentiu o impacto da subida dos juros.

Ainda assim, comentou o governador do Banco de Portugal, 75% dos contratos que usam Euribor a 3 meses têm um valor do indexante inferior àquele que foi contratado no início do crédito. Essa percentagem é de 69% na Euribor a seis meses. “A projeção que o mercado faz da evolução futura das taxas de juro indica que “no mês de fevereiro teremos atingido o pico na Euribor a 12 meses“. Porém, a três meses (que é 30% do crédito variável em Porugal) e 6 meses (40%) apenas atingirão os máximos no verão deste ano”.

Este é um processo em curso que devemos acompanhar com bastante cuidado”, diz o governador do Banco de Portugal. O crédito às famílias está, em percentagem do rendimento disponível, em valores mínimos de muitos anos. Antes da crise financeira a dívida pesava 94% do PIB, hoje pesa 63%. E a dívida líquida de depósitos caiu em 2022 face a 2019 9 mil milhões de euros – ou seja, as famílias acumularam mais depósitos do que dívida neste período. O crédito à habitação é uma parte desta dívida, e também aí houve uma desalavancagem, temos menos 16% de famílias sobreendividadas do que tínhamos em 2019″.

É por acreditar, com base no que estão a prever os mercados financeiros, que já se terá passado o “pico” na Euribor a 12 meses e se estar perto do possível “pico” nos outros prazos é que Mário Centeno avisa contra o risco da taxa fixa como uma possível “armadilha” para quem estiver a fazer novos créditos (ou a reconverter créditos mais antigos). Isto porque, na leitura do governador do Banco de Portugal, esses clientes correm o risco de estarem a fixar as taxas de juro no ponto mais alto (ou perto dele) das taxas de juro neste ciclo – e não beneficiando de uma eventual descida para indexantes variáveis mais baixos nos próximos tempos.

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Juros dos depósitos. Subida “insuficiente” e tem sido “mais lenta do que desejaríamos”

As declarações de Mário Centeno surgiram numa audição pedida pelo PSD para falar sobre as renegociações de crédito à habitação e, também, o tema dos juros dos depósitos com que os bancos, de um modo geral, estão a remunerar os clientes num contexto de rápida subida das taxas de juro pelo Banco Central Europeu (BCE).

Sobre esse ponto, a taxa de juro dos depósitos, Mário Centeno destacou que “a taxa média de juro tem vindo a aumentar todos os meses, agora está em 0,65%. Há bancos em que as taxas médias já são superiores a 1%, o valor mais elevado desde 2015”. Este está a ser “um processo mais lento do que nós desejaríamos mas a direção que temos tido neste processo é claramente positiva, num processo que eu apelidei de [carecer de] alguma paciência” na última audição de Centeno no parlamento.

A trajetória é claramente positiva de convergência com outras jurisdições europeias” nos juros dos depósitos. “As taxas de depósitos têm mostrado uma dinâmica positiva, ainda é insuficiente, estou confiante de que vai continuar”, diz Mário Centeno.

Ainda sobre as renegociações de crédito, depois de o Banco de Portugal dizer que as renegociações por dificuldades financeiras não têm “marcação específica” na Central de Responsabilidades de Crédito (plataforma do Banco de Portugal consultável por todos os bancos), Mário Centeno vem agora dizer que “não se pode banalizar a renegociação”, até porque há regras europeias que regem a forma como são registadas as renegociações de crédito e é nos mercados europeus que os bancos se financiam.

Bancos “marcam” clientes se tiverem “dificuldades financeiras” e renegociarem o crédito

“A marcação de um crédito é uma responsabilidade muito significativa para os bancos, que além de penalizar os resultados e o capital, vai também sinalizar o mutuário que fica numa situação fragilizada. O que deve acontecer é uma análise muito detalhada do mutuário e da sua capacidade de fazer face a essa obrigação – o crédito à habitação, que é a última coisa que as pessoas deixam de pagar”, afirma Centeno, que revelou que as renegociações de crédito motivaram 339 reclamações ao supervisor.

“São números baixos, com pouca expressão”, disse Mário Centeno, salientando que “são os números que existem, não os podemos tomar como representantes do que pode vir a acontecer daqui a seis meses“.

“A economia portuguesa está em máximos”

Antes de falar sobre os créditos, Centeno quis destacar os “bons indicadores de resiliência da economia portuguesa”: “a economia portuguesa está em máximos, do ponto de vista da atividade (que já excedeu os níveis pré-pandémicos). Quando analisamos o crescimento potencial e o nível de atividade está acima do valor potencial”. Este é, afirma o governador do Banco de Portugal, o “segundo ano no século XXI em que esta diferença é maior, apenas ultrapassado por 2019”.

O mercado de trabalho, área em que Centeno se especializou na sua carreira académica, tem ajudado. “Temos mais 813 mil empregos do que tínhamos em 2013 e face ao anterior máximo – 2019 – temos mais 122 mil empregos. Esta recuperação, ao contrário de outras em contexto de incerteza, é uma recuperação que tem criado emprego”, não sendo exclusiva de Portugal.

“Nos salários, só em 2022 mais 6 mil milhões de euros em salários pagos. Este crescimento tem como primeira fonte o emprego e no salário médio nominal, que cresce 18% desde o início da crise pandémica”, afirma Mário Centeno.

Margens de lucro das empresas ameaçam “copo meio cheio” que Centeno vê na economia