“É frequente Sua Santidade provocar as pessoas que conhece, de uma forma brincalhona e inocente, mesmo quando está em público e diante de câmaras”. O comunicado oficial emitido na segunda-feira procurava colocar termo à mais recente polémica a envolver o Dalai Lama, tornando público um pedido de desculpas por o líder tibetano ter pedido a um menino para lhe “chupar a língua”. Um texto que, como será possível perceber com a leitura deste texto, podia ter sido utilizado várias vezes. Tantas quanto aquelas em que o maior ícone da religião budista, agora com 87 anos, se teve que justificar por comportamentos considerados erráticos ou polémicos.

“Chupa a minha língua”

No início desta semana, o líder budista viu-se obrigado a desculpa publicamente depois de ter circulado nas redes sociais um vídeo onde se vê o Dalai Lama a pedir a um rapaz para lhe chupar a língua. Uma fonte oficial garantiu que tudo não passou de “uma brincadeira inocente”.

No vídeo, filmado na cidade de Dharamshala, um menino pede para abraçar o Dalai Lama. O octogenário pede depois à criança que o beije na face. Em seguida, beija o rapaz nos lábios, colocando depois a língua de fora e pedindo ao menino: “chupa a minha língua”.

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Várias associações e celebridades já criticaram o líder espiritual do Tibete. Uma associação de defesa dos direitos das crianças de Nova Deli, “Haq: Center for Child Rights”, condenou num comunicado “qualquer tipo de abuso de crianças“. “O que este vídeo mostra não é qualquer tipo de expressão cultural — e, mesmo que fosse, este tipo de expressões culturais não são aceitáveis”, afirmou a associação, referindo-se ao costume tibetano de mostrar a língua.

Dalai Lama pede desculpa por pedir a menino para lhe “chupar a língua”

A rapper norte-americana Cardi B também criticou o comportamento do Dalai Lama. “Este mundo está cheio de predadores”, afirmou a cantora no Twitter. “Eles atacam os inocentes. Aqueles que mais desconhecem, as nossas crianças. Os predadores podem ser os nossos vizinhos, professores da escola, até pessoas com dinheiro, poder e as nossas igrejas. Falem constantemente com os vossos filhos sobre limites e o que não devem permitir que as pessoas lhes façam.”

Além da rapper, também a comediante Chelsea Handler e a modelo norte-americana Christie Brinkley reagiram a uma publicação qcom o referido vídeo. “Oh, fantástico….”, escreveu a humorista, segundo a Newsweek. “Bem, é só isto da parte dele”, escreveu a modelo, terminando com: “Adeus, Dalai!”

A atriz Valerie Bertinelli recusou o pedido de desculpas do líder tibetano. A atriz retweetou um artigo com o arrependimento do Dalai Lama e escreveu: “Pedido de desculpas NÃO aceite.”

“Se uma mulher me substituir, deve ser muito atraente”

Em 2015, o Dalami Lama afirmou, numa entrevista à BBC, que o seu sucessor no topo da religião budista poderia vir a ser uma mulher. “As mulheres biologicamente têm mais potencial para mostrar afeto e compaixão”, explicou na altura. A possível sucessora, contudo, teria que preencher um critério específico: ser bonita. “A sua cara deve ser muito, muito atraente“, disse, sublinhando: “Caso contrário não será de grande uso.”

As declarações motivaram fortes críticas ao líder tibetano. Vivienne Hayes, CEO do Centro de Recursos para Mulheres, que advoga pela igualdade das mulheres, afirmou na altura ao The Guardian ser “desapontante que a capacidade de qualquer mulher para desempenhar um cargo de liderança deva ser determinada pela sua aparência“.”Estamos preocupadas que a sociedade esteja de facto a andar para trás em termos da igualdade das mulheres, e vamos continuar a fazer campanha contra isso”, reforçou.

Também Nicole Rowe, porta-voz da associação, Mulheres Progressistas também criticou o líder budista em declarações ao The Guardian. “Embora estejamos satisfeitas por ouvir o Dalai Lama dizer que é a favor da possibilidade de uma Dalai Lama feminina, ficámos surpreendidas e profundamente desapontadas por um homem com tanta compaixão e sabedoria exprimir uma opinião tão retrógrada“, confessou.

Quatro anos depois, Dalai Lama voltou a dizer que uma possível sucessora teria de ser obrigatoriamente bonita, igualmente em declarações à BBC: “Se uma Dalai Lama feminina vier, ela deve ser mais atraente”.

“Trump tem uma falta de princípio moral”

Nesta mesma entrevista à televisão britânica, em 2019, o Dalai Lama defendeu que o mandato do então Presidente dos EUA, Donald Trump, se definia por “falta de princípio moral“. Acontece que, em 2016, o líder do Tibete, quando confrontado com uma possível eleição de Trump para a Casa Branca, assegurou “não estar preocupado” com uma presidência do milionário republicano.

Quando ele se tornou Presidente adotou [a política da] América Primeiro”, afirmou na entrevista de 2019. “Isso é errado.”

E continuou.”Quando vi as imagens de algumas dessas crianças, fiquei triste“, afirmou sobre as crianças migrantes na fronteira ente o México e os EUA. “A América deveria ter uma responsabilidade global”, acrescentou ainda. O Dalai Lama expressou não só desagrado para com a política de fronteiras fechadas implementada por Donald Trump, como também com a retirada dos EUA dos Acordos de Paris de luta contra as alterações climáticas.

Em 2016, o descendente de Buda fizera uma personificação de Donald Trump, imitando o cabelo e a boca do político republicano com as suas mãos.

“Jawaharlal Nehru tem uma atitude centrada em si próprio”

Em 2018, perante vários alunos no Instituto de Gestão de Goa, em Sankhalim, o líder tibetato afirmou que se o antigo primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru não tivesse “uma atitude centrada em si próprio”, o Paquistão e a Índia estariam unidos – sem especificar se seriam um só país ou dois países com fortes laços diplomáticos.

Segundo o India Today, Dalai Lama contou então que Mahatma Gandhi estava disposto a reconhecer Muhammad Ali Jinnah como o primeiro-ministro da Índia, mas que Nehru recusou a ideia. “Caso a maneira de pensar de Gandhi se tivesse materializado, então a Índia e o Paquistão estariam unidos.” Enquanto Nehru acabou por ser o primeiro chefe executivo da Índia, Muhammad Ali Jinnah, líder da Liga Muçulmana da Índia, tornou-se mais tarde o fundador do Paquistão, país de maioria islâmica.

O então líder do Congresso indiano, Manish Tewari, criticou as palavras do líder religioso. “Com todo o respeito, Sua Santidade, o Dalai Lama, está errado ao afirmar que Nehru era centrado em si próprio e que, como tal, se opôs à sugestão de Gandhi de fazer de Jinnah o primeiro-ministro da Índia”, garantiu. O também Chefe de Estado acabaria, dias mais tarde, por emitir um pedido de desculpa pelas suas declarações.

“A Europa pertence aos europeus”

Dalai Lama fugiu do seu país natal para a Índia em 1959, depois de o exército chinês ter invadido o território e declarado o Tibete como região autónoma da China. Refugiado há várias década na cidade de Dharamshala, é precisamente sobre tema que Dalai Lama tem sido autor de diversas polémicas ao longo dos anos.

Em 2016, numa entrevista ao jornal alemão FAZ, o líder afirmou que existem demasiados refugiados na Europa, não descartando, contudo, a responsabilidade das nações europeias em ajudar essas mesmas pessoas.  “A Europa, e por exemplo a Alemanha, não se pode tornar num país árabe“, afirmou na altura o líder espiritual. “E em termos morais, acho que os refugiados podem apenas ser acolhidos de forma temporária. O objetivo devia ser mandá-los de volta e ajudá-los a reconstruir os seus próprios países.”

Quando visitou a cidade de Malmo, na Suécia, em 2018, o líder budista disse que a Europa é “moralmente responsável por ajudar um refugiado que enfrente realmente perigo na sua vida”. Na altura, o monge tibetano, segundo o jornal sueco The Local, defendeu que “a Europa pertence aos europeus” e que devia ficar claro para os refugiados que estes deveriam reconstruir os seus próprios países.

Em 2019, na mesma entrevista à BBC onde abordou a sucessão feminina, Dalai Lama também falou sobre migrantes e refugiados. “Os países europeus deveriam acolher estes refugiados e dar-lhes educação e treino e o objetivo devia ser que estes voltassem para as suas terras com determinadas capacidades“, disse o Dalai Lama.

Quando questionado sobre o que devia acontecer aos refugiados que preferissem ficar no país de acolhimento, o líder tibetano defendeu que apenas um número reduzido permanecesse no país para o qual imigrou. “Um número limitado é ok, mas a Europa toda irá eventualmente tornar-se num país muçulmano ou num país africano… é impossível“, afirmou.