Poucos dias antes do Natal do ano passado, Cristina Criddle, jornalista de tecnologia do Financial Times, terá recebido um telefonema de uma diretora do TikTok com um pedido: que lesse um artigo do The New York Times, no qual era avançado que quatro trabalhadores da ByteDance, dois nos EUA e dois na China, tinham obtido acesso a dados de utilizadores norte-americanos da rede social, incluindo dois jornalistas. “A diretora de relações públicas do TikTok confirmou que eu era uma das jornalistas vigiadas”, denuncia.

É no artigo “O TikTok espiou-me. Porquê?”, publicado esta sexta-feira no Financial Times, que Cristina Criddle explica que terá sido após escrever um texto (no verão de 2022) acerca de um “conflito entre os proprietários chineses do TikTok e alguns dos seus funcionários em Londres” que, alegadamente, começou a ser vigiada. O objetivo da empresa seria descobrir quem eram as suas fontes, responsáveis por fugas de informação no Reino Unido.

Foi realmente assustador e horrível e, pessoalmente, bastante violento”, conta a jornalista, que acrescenta que a conta que criou no TikTok para “testar os recursos da aplicação” estava em nome da sua gata, Buffy. Por isso, “tecnicamente, foi à conta da Buffy que os funcionários do TikTok acederam”.

De acordo com as declarações que Cristina Criddle deu à BBC, o TikTok confirmou que membros do seu departamento de auditoria interna tiveram acesso à localização do seu endereço de IP. De seguida, tê-lo-ão comparado com endereços de IP de funcionários da própria rede social para tentar estabelecer uma ligação e descobrir quais eram os trabalhadores que mantinham encontros secretos com a imprensa. Após ter, supostamente, a confirmação de que tinha sido vigiada, a jornalista enviou à ByteDance um documento com 15 perguntas.

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“Solicitei as datas e horas específicas em que a monitorização ocorreu; exatamente que dados foram obtidos e o que foi feito com eles; que consultas de localização foram feitas; e como é que isto foi possível quando o TikTok sempre afirmou que o acesso aos dados do utilizador por parte da equipa da China era altamente restrito”, indica. Cristina Criddle garante ainda que a “empresa nunca respondeu totalmente” às suas questões, não revelando a quais prestou esclarecimentos.

Além disso, diz não saber por quanto tempo ou com que frequência terá sido vigiada: “Se a minha localização foi monitorizada 24 horas por dia, 7 dias por semana, isso não se limita apenas às minhas ações no trabalho — o que não seria correto mesmo se assim fosse — mas também à minha vida pessoal.” No artigo, que foi esta sexta-feira publicado no Financial Times, a jornalista relata que as consequências da alegada espionagem ainda se fazem sentir, uma vez que ficou com “dificuldades em dormir” porque pensa “no que os funcionários da ByteDance podem ter descoberto” sobre si.

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Atualmente, a conta de Cristina Criddle no TikTok (ou melhor, a da sua gata) mantém-se ativa pois ainda precisa de utilizar a rede social para trabalhar. Porém, adotou “precauções extra” com a ajuda da equipa de cibersegurança do Financial Times. O telemóvel que utilizava passou a ser um “telemóvel burro, apenas usado para aceder ao TikTok para o trabalho”.

Em fevereiro deste ano, ao ligar esse telemóvel, relata, recebeu um “código de verificação” que não tinha solicitado. “Muitas vezes, é enviado quando se faz login num novo dispositivo. Olhei para os dispositivos logados na minha conta e, curiosamente, vi um iPhone que não é meu”. No entender da jornalista, isto mostra que um aparelho alheio “estava naquele momento” conectado à sua conta de TikTok sem o seu “conhecimento” e “possivelmente a monitorizar” a sua atividade. A plataforma, propriedade da chinesa ByteDance, “não conseguiu explicar porque é que outro dispositivo estava conectado à minha conta na altura, mas disse que ‘não identificou [qualquer] acesso inapropriado em janeiro e fevereiro'”, alerta.

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