O diretor-geral de Energia e Geologia enviou um apelo aos funcionários da entidade pública para contribuírem para uma subscrição do tipo crowdfunding, com o objetivo de angariar fundos para ajudar a comprar um automóvel a integrar na futura frota da DGEG (Direção-Geral de Energia e Geologia). A iniciativa, “inédita” no Estado assumiu João Bernardo, foi justificada com a demora no concurso para renovação da frota automóvel cuja antiguidade e avarias tem levado a entidade a recorrer aos carros dos funcionários para cumprir as suas funções de fiscalização, licenciamento nas áreas da energia e das minas.

Ao Observador, João Bernardo confirma a comunicação interna aos colegas que remeteu na passada sexta-feira à noite, mas acrescenta que a mesma foi uma “ironia” em relação à situação que se vive na Direção-Geral. “Foi necessário esclarecer os colegas que, fundamentadamente, começam a colocar questões sobre a utilização de viatura própria ou com a impossibilidade de cumprir os serviços externos que a lei obriga, seja ele uma fiscalização, uma vistoria, um acompanhamento de projeto, a ligação de uma instalação de consumo ou uma simples reunião de uma comissão”.

Ministério do Ambiente diz que problemas devem ser corrigidos com contratação dos meios que “está em curso”

Antes do esclarecimento do diretor-geral de Energia, fonte oficial do Ministério do Ambiente e Ação Climática que tutela a DGEG afirmou ao Observador que desconhecia esta iniciativa da DGEG — só teve conhecimento já depois de ter sido lançada quando foi questionado sobre a mesma. E “não se reconhece nela, entendendo que não se resolvem assim os constrangimentos dos serviços da Administração Pública. Os problemas terão de ser resolvidos com a contratação dos meios adequados e que está em curso”.

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No email do diretor-geral enviado aos colegas, a que o Observador teve acesso, o pedido de fundos começaria pelo Algarve que, segundo o diretor-geral, não tem qualquer viatura, e até é indicado um número de uma conta bancária na Caixa Geral de Depósitos para o qual o donativo deveria ser feito e que teria, nessa data, um saldo de pouco mais de 100 euros. O objetivo inicial seria o de obter entre 2.000 e 3.500 euros, prometendo-se partilhar toda a informação sobre as contribuições recebidas.

“Não é preciso gastar muito dinheiro e nestas circunstâncias podemos optar por uma viatura usada em boas condições. Por cerca de 3 mil euros já se arranja um carro com 15 anos e capaz de não envergonhar ninguém e fazer o serviço”.

O diretor-geral de Energia afirma, no entanto, no esclarecimento remetido na noite de segunda-feira ao Observador, que a “campanha não se encontra a decorrer, facto que já foi esclarecido junto de todos os colegas, dado que alguns também exprimiram essa dúvida”. E adianta que o “lançamento de campanhas de crowdfunding tem de ser feito em plataformas especializadas e ser devidamente autorizadas. A DGEG, enquanto organismo da Administração Central do Estado, não pode adquirir viaturas porque não tem património próprio”.

O problema não é só da DGEG cuja última viatura foi comprada em 1999

Na mesma resposta ao Observador em que apelidou a mensagem interna de “ironia”, João Bernardo assinala contudo que o “problema não é exclusivo da DGEG, como é do conhecimento geral, e agravou-se nos últimos tempos com o aumento substancial do preço dos AOV (aluguer operacional de viaturas) relativamente à tabela base que serve de referência aos contratos de aquisição centralizada, deixando frequentemente os concursos de fornecimento vazios.”

Diretor-Geral de Energia afastado após entrada em funções de João Galamba

O diretor-geral, que está em funções desde novembro de 2018, nomeado por João Galamba assim que chegou à secretaria de Estado da Energia, diz que no caso da “DGEG a situação é mais grave, porque a última viatura adquirida foi em 1999, apresentando o restante parque automóvel maior antiguidade. Em 2014-2015, quando se fundiram alguns serviços das antigas direções regionais da economia, a DGEG chegou a ter 44 viaturas, grande parte vindas dessas estruturas, mas todas elas já na altura com uma antiguidade superior a 15 anos e quase metade com problemas de funcionamento.”

E confirma a informação remetida aos colaboradores, segundo a qual a Direção-Geral de Energia e Geologia tem “uma frota muito precária, com uma baixa taxa de operacionalidade e despesas de manutenção muito elevadas, situação que considero crítica face à responsabilidade que a DGEG tem nos setores energético e dos recursos geológicos, em especial na transição energética”.

Sublinha ao Observador que a tutela tem dado apoio “no encaminhamento dos nossos pedidos e na tentativa de resolução deste constrangimento. No entanto, a pouca flexibilidade do sistema de aquisições e a sua complexidade, provavelmente adequada quando foi constituído, há cerca de 15 anos, não nos parece conseguir dar resposta às exigências de uma administração pública mais simplificada, flexível e ajustada às necessidades das empresas e dos cidadãos”.

Na mensagem de 30 de junho aos colegas, João Correia Bernardo começou por elencar as muitas atividades da direção-geral que obrigam a recorrer a viaturas automóveis, e sublinhou que desde 2015 a entidade já entregou para abate mais de 30 viaturas antigas, esperando, tal como a lei prevê, que lhe fosse dada autorização para renovar metade da frota.

A DGEG tem cerca de 250 funcionários e um orçamento que em 2023 era da ordem dos 27 milhões de euros.  Tal como outros organismos do Estado está sujeita a cativações na despesa cuja mobilização tem de ser autorizada pelas Finanças.

“Falta de viaturas é recorrente e transversal a vários organismos da administração pública”

Ouça aqui o diagnóstico feito à Rádio Observador pelo secretário geral da FESAP e do SINTAP. José Abraão diz que falta de viaturas é recorrente e alerta para a falta de condições dos veículos: “há carros que ficam parados no meio da estrada”.

O concurso para compra de viaturas que primeiro foi reduzido e depois não aconteceu

No início de 2019, a DGEG procurou promover o lançamento de um concurso para a aquisição de carros, que seguiu para a ESPAP (Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública), a entidade que gere a frota do Estado, e que deveria ter proposto o respetivo concurso ao Ministério das Finanças. Mas, desde então, João Bernardo diz no email que “perdeu o rasto ao processo”, referindo ainda que o concurso inicialmente pedido foi sendo reduzido no número de viaturas.

Nos esclarecimentos avançados ao Observador, o diretor-geral de Energia realça que os seus antecessores “resolveram e bem abater parte dessa frota, num total de 32 viaturas que, de acordo com a lei, corresponderiam à autorização de aquisição de 16 viaturas novas”. Mas, tal como conta no email,  “as 16 viaturas nunca vieram, nem mesmo as oito, pedidas posteriormente, numa versão minimalista, para que os serviços pudessem garantir, minimamente, a capacidade de resposta no âmbito da sua missão, competências e atribuições.”

Na mensagem aos colaboradores, João Bernardo afirmou que a DGEG se encontra numa situação “caricata” porque passado quatro anos do pedido de renovação da frota, os carros disponíveis têm 30 anos ou mais e estão na sua maioria avariados, o diretor-geral decidiu avançar para uma iniciativa que assumiu como “inédita” no Estado, mas, acrescentou, “bastante comum na sociedade civil” — anunciava, então, o lançamento de uma campanha de recolha de donativos para financiar a aquisição de uma viatura que depois seria doada à DGEG e integrada na frota de automóvel desta entidade e do Estado.

Neste longo mail, João Bernardo indicou que o serviço público prestado pela DGEG tem sido assegurado pelo recurso aos automóveis postos à disposição pelos próprios funcionários (cujas despesas são reembolsadas), sem os quais a missão da DGEG ficaria comprometida. E referiu ainda não existir com recurso ao orçamento da entidade outra forma de adquirir ou alugar os carros necessários para o trabalho que vai desde a fiscalização e ligação de instalações elétricas e de combustíveis, passando por monitorizar a execução de projetos, pedidos de licenciamento, matérias de segurança e qualidade, ou simples reuniões. A DGEG tem a seu cargo várias funções nos setores da energia, minas e pedreiras — a segurança das pedreiras foi aliás um dos temas que saltou para o espaço público quando desabou uma estrada em Borba.

A mensagem indicou igualmente que o pedido inicial de concurso para a renovação da frota foi reduzido de 15 para oito viaturas, por iniciativa do Ministério do Ambiente, dadas as previstas dificuldades em conseguir um concurso dessa dimensão. Também foram dadas indicações de que a renovação seria feita com carros elétricos, quando estariam pedidos SUV e veículos todo o terreno (a gasóleo ou gasolina) que com mais facilidade permitem deslocações em locais de acesso mais difícil como pedreiras, estaleiros, hídricas, eólicas.

É ainda referido que mesmo não tendo sido dada autorização, o limite para a aquisição foi reduzido para 20 mil euros, o que permitirá apenas comprar duas ou três viaturas.