As duas principais empresas de energia com sede em Portugal, a EDP e a Galp, admitem participar no leilão de potência eólica no mar que o Governo quer lançar até ao final deste ano, mas deixam recados ao Executivo sobre o preço da eletricidade produzida, que deve ser superior ao do mercado.

No rescaldo do fracasso do leilão lançado pelo Reino Unido, que ficou deserto devido ao preço demasiado baixo fixado para a venda da eletricidade, o Governo aguarda a proposta do grupo de trabalho criado para o offshore eólico para definir o modelo do concurso a lançar ainda em 2023. Portugal quer adjudicar nesta primeira fase três lotes com uma potência de 3 Gigawatts. E as grandes empresas de energia estão de olho neste concurso até porque, frisaram os presidentes executivos da EDP e da Galp, é preciso muito mais potência renovável do que aquela que está a ser implementada para cumprir as agendas nacionais e empresariais de descarbonização.

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A CNN Portugal Summit, dedicada ao tema “green is the new energy”, e realizada com o patrocínio das duas empresas, foi notícia logo no arranque quando o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, foi alvo de um protesto de ativistas ambientais que o obrigou a mudar de roupa. Os ativistas não terão ficado para ouvir os presidentes da Galp e a EDP explicarem os respetivos planos para reduzir o uso de combustíveis fósseis.

Um dos planos do Governo para este ano é o lançamento do concurso para atribuir os primeiros lotes de potência eólica ao largo da costa continental na Figueira da Foz, Leixões e Viana do Castelo, tal como referiu Duarte Cordeiro na sua intervenção.

Mas este processo está a ser preparado num quadro de incerteza sobre o retorno do investimento a preços sem subsídios. Terá sido essa a principal causa para que o leilão inglês realizado este mês tenha ficado deserto, uma vez que o preço máximo fixado para a venda da energia já não era suficiente para garantir o retorno do investimento devido à inflação que fez subir de forma transversal os custos de toda a cadeia de abastecimento dos equipamentos.

E em Portugal o cenário ainda pode ser mais complicado porque, como referiram os dois gestores, as turbinas terão de ser instaladas em plataformas flutuantes, uma tecnologia “bem mais cara” — diz Filipe Silva — e ainda numa fase embrionária — sublinha Stilwell de Andrade.

A EDP até foi pioneira no desenvolvimento do eólico flutuante, num projeto piloto ao largo de Viana do Castelo, e está envolvida noutros fora de Portugal. No eólico offshore a tecnologia madura é que está fixa ao fundo do mar. A flutuante está mais embrionária. “É possível, mas é preciso ter em atenção o custo porque é uma tecnologia mais cara sobretudo no início. É bom haver alguma evolução progressiva e não acelerar demasiado ao início”, afirmou o CEO da elétrica.

Um exemplo do difícil equilíbrio entre a maturidade da tecnologia e os preços é a energia solar. Portugal lançou a partir de 2019 dois leilões solares, arrancando mais tarde que outros países, mas aproveitando a redução dos custos da tecnologia para conseguir preços que foram notícia por serem muito esmagados.

Já Filipe Silva, da Galp, assinala que “Portugal não tem vantagens comparativas evidentes porque a nossa costa fica muito profunda rapidamente. Estamos a falar de offshore floating que é bem mais cara”.

Tal como a EDP, que remete também uma eventual decisão de concorrer ao leilão para o parceiro desta área (a francesa Engie), a Galp tem muito interesse nessa eletricidade verde porque vai precisar de muito mais do que tem em carteira para conseguir transformar a refinaria de Sines e para fazer combustíveis mais verdes com recurso à eletrólise.

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O preço fixado pelo Governo britânico como máximo a cobrar pela eletricidade produzida no alto mar não dava retorno face ao custo do investimento — o leilão inglês incluía várias tecnologias. O “Governo português vai ter de estar atento a isso se quer muitos candidatos”. Vai ter de ser dada alguma garantia de que o preço será mais caro do que hoje temos no mercado aberto. “A questão que se coloca é a de quem vai pagar essa diferença” porque, avisa Filipe Silva, “carregar ainda mais no défice tarifário em Portugal não é bom para o consumidor nem para o contribuinte. O que está a ser analisado é quanto será a remuneração esperada e qual é o preço que o Governo vai fixar”.

Também o CEO da EDP alerta: “O concurso no Reino Unido ficou deserto porque meteram um preço para a venda de eletricidade muito baixo e os investidores são racionais”.

Mas para Stilwell de Andrade, o grande problema no processo de descarbonização não é a tecnologia, nem sequer o capital. “Só conseguimos descarbonizar, aumentando a escala das renováveis, mas o que nos falta é escala. Devíamos estar a construir duas ou três vezes mais renováveis do que estamos e não é um tema da tecnologia ou do capital (falta dele)”. É o tempo demorado de execução que arrasta os projetos durante quatro a seis anos antes da execução.

O presidente da EDP refere o licenciamento, mas aponta para outros entraves, como as interligações dos centros de produção à rede, a autorização para o uso dos terrenos e a contestação local em vários casos. Portugal, diz, nem sequer é dos piores, dando como exemplo de demora no licenciamento a Alemanha.

O gestor da Galp destaca que o poder central em Portugal tem feito um grande esforço para reduzir estes tempos e dá como exemplo um parque fotovoltaico em Alcoutim que a empresa vai inaugurar esta semana, mas que começou a ser trabalhado em 2015. “Não é culpa de ninguém. Há muitos interlocutores” — o ambiente, a energia, as autoridades regionais e municipais. A Europa, diz Filipe Silva, é mais complicada que os Estados Unidos em parte porque é mais densamente povoada (do que o território do interior). O presidente da EDP saúda as propostas da Comissão Europeia para acelerar a execução dos projetos e defende que o “interesse público” deve prevalecer sobre outros interesses