A plataforma de comércio eletrónico de luxo Farfetch está a ser visada numa ação coletiva nos Estados Unidos (EUA), que deu entrada no tribunal de Maryland ainda em outubro. Com o nome “Ragan v. Farfetch Limited”, argumenta-se que foram feitas “afirmações falsas” e que foram “camufladas” informações sobre o negócio da companhia. A partir desta teoria, vários escritórios de advogados tentam reunir investidores queixosos da Farfetch, para encontrar quem se sinta penalizado pelo desempenho em bolsa da empresa.

Ao longo dos últimos dias, especialmente a partir da notícia do Telegraph sobre a possibilidade da saída da bolsa de valores de Nova Iorque, começaram a intensificar-se os comunicados de escritórios de advogados especializados em ações coletivas. Um dos comunicados mais recentes foi divulgado esta terça-feira pela companhia nova-iorquina Levi & Korsinsky, especializada neste tipo de processos na área de investimentos.

“O processo procura recuperar as perdas em nome dos investidores da Farfetch que foram afetados de forma adversa pela alegada fraude de ‘securities’ entre 9 de março e 17 de agosto de 2023”, é possível ler na nota divulgada.

Este é o prazo especificado no processo apresentado nos EUA, onde as ações coletivas são uma prática bastante comum. Nos detalhes da queixa, que é citada pelo site The Fashion Law, é alegado que a companhia terá feito “afirmações falsas e/ou camuflado” algumas questões, como o facto de “estar a sentir um abrandamento significativo no crescimento nos EUA e na China” ou “os desafios de integração que afetaram o lançamento da parceria da Reebok”. A ligação entre a Farfetch e a Authentic Brands, a empresa que comprou a Reebok à Adidas, foi anunciada em maio deste ano, detalhando que os sites da marca desportiva passariam a usar as soluções da Farfetch e que a New Guards Group (NGG), uma das áreas de negócio da empresa luso-britânica, ia explorar a licença da marca desportiva.

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Já a sociedade Gross Law Firm explica que, alegadamente, outro dos desafios da Farfetch poderá ter passado por “sobrestimar a sua capacidade para gerir a sua cadeia de fornecimento e inventário”. Desta forma, a Gross Law Firm considera que “os comunicados públicos da empresa foram materialmente falsos e enganadores em todos os momentos relevantes”.

A queixa Ragan v Farfetch Limited foi formalizada junto do tribunal do Maryland a 20 de outubro. Nesse processo são mencionados diretamente José Neves, o fundador e CEO da empresa, Elliot Jordan, ex-diretor financeiro da companhia, e Stephanie Phair, a presidente do grupo Farfetch e ‘chair’ da New Guards Group (NGG).

Na queixa, a alegação de que foram feitas “afirmações falsas e/ou enganadoras” é imputada diretamente à empresa e a estes três responsáveis. É ainda dito que “possuíam o poder e autoridade para controlar os conteúdos das notificações da Farfetch à SEC [o regulador da bolsa dos EUA, onde a empresa é cotada], comunicados de imprensa e outras comunicações ao mercado”.

A queixa considera que o preço de mercado das ações da Farfetch terá sido “inflacionado artificialmente” entre 9 de março e 17 de agosto, para depois “cair significativamente” em agosto, quando saíram os resultados financeiros do segundo trimestre. Nessa altura, a Farfetch anunciou um prejuízo de 281,3 milhões de dólares, que contrastou com os lucros de 67,7 milhões no mesmo período de 2022. A empresa criada por José Neves anunciou resultados a 17 de agosto e, no dia seguinte, as ações fecharam a cair 45,17%, nos 2,61 dólares.

Durante os resultados e na conferência com analistas que se seguiu, a Farfetch já relatou “um decréscimo contínuo nas vendas brutas digitais nos EUA e na China”, os seus dois mercados mais relevantes.

Os investidores que se sintam penalizados pelo desempenho da empresa podem juntar-se à ação coletiva desde que tenham comprado títulos durante o período definido pela queixa. As diferentes sociedades de advogados que estão à procura de investidores queixoso pedem algumas informações, como a data de compra ou o número de ações.

O Observador contactou a Farfetch para obter um comentário sobre a ação coletiva e os vários comunicados de escritórios de advogados, mas a empresa remeteu apenas para a página de comunicados recentes da companhia. O último comunicado disponível data de 28 de novembro, onde foi anunciado o cancelamento da divulgação de resultados do terceiro trimestre, que chegou a estar marcada para 29 de novembro.

Até ao momento, as várias sociedades de advogados contactadas pelo Observador não responderam a questões sobre quantos investidores é que já manifestaram interesse em estar envolvidos nesta ação coletiva.

Uma aventura atribulada na bolsa de Nova Iorque

A Farfetch é uma empresa cotada na bolsa de Nova Iorque desde setembro de 2018. Estreou-se com uma oferta pública inicial com um valor de 20 dólares por ação. Em fevereiro de 2021, amparada pelo ‘boom’ do comércio eletrónico devido à pandemia e consequentes confinamentos, as ações alcançaram um máximo histórico de 73,35 dólares.

Mas, desde então, os títulos da Farfetch têm estado afastados dessa fasquia. A 29 de novembro, na sequência da notícia do Telegraph sobre a saída de bolsa e do comunicado da Richemont, que disse estar a acompanhar “cuidadosamente” a situação na Farfetch, a empresa fechou pela primeira vez abaixo de um dólar por ação. A queda de 53,74% levou a empresa a encerrar a sessão nesse dia a cotar nos 0,97 dólares.

Até agora, a Farfetch mantém-se em silêncio em relação às notícias em que tem estado envolvida. A SEC, a polícia da bolsa dos EUA, continua sem responder a pedidos de comentário sobre a situação da empresa luso-britânica.

Silêncio da Farfetch sobre possível saída de bolsa e divulgação de resultados leva analistas a antecipar más notícias