Os veículos eléctricos alimentados por bateria têm protagonizado uma guerra de preços particularmente violenta, como aliás não há memória nas últimas décadas da indústria automóvel. Perante uma sucessão de descontos, que os clientes acolhem de braços abertos porque que lhes reduz o esforço no momento da compra, alguns construtores abanam a cabeça, com receio que o corte no preço belisque a margem de lucro. Vem isto a propósito da recente apresentação da plataforma STLA Large da Stellantis, a segunda depois da STLA Medium, também ela destinada a veículos eléctricos, evento em que o CEO Carlos Tavares aproveitou para partilhar as suas preocupações com as consequências decorrentes da guerra de preços entre os veículos eléctricos.

De acordo com a Reuters, o CEO português da Stellantis avisou que “quando cortamos no preço, sem ter em atenção os custos, acabamos por provocar um banho de sangue”. E para se perceber exactamente a quem se estava a referir, sem contudo apontar nomes, Tavares concretizou um pouco mais: “Existe um construtor que está a cortar os preços brutalmente e a sua margem de lucro também caiu brutalmente.”

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Estas afirmações foram vistas como uma “ferroada” à Tesla, sobretudo por terem lugar nos EUA, mas a realidade é que o homem forte da Stellantis poderia ter um segundo alvo em mente. Por exemplo, a Renault (antiga empresa do quadro português) cortou nas últimas semanas o preço do Mégane E-Tech eléctrico em mais de 5300€, o que o coloca bem abaixo das propostas da Stellantis no segmento C.

Preço-canhão: Mégane eléctrico proposto por (só) 32.990€

As críticas da Stellantis em relação à redução de preços dos Tesla, bem como dos restantes construtores que baixaram o valor dos seus modelos (e foram muitos), acabam por não fazer muito sentido. Carlos Tavares alega que a redução brutal dos preços, sem olhar aos custos, motivou uma diminuição igualmente brutal dos lucros, mas analisando os resultados de 2022 – os de 2023 ainda não estão disponíveis –, a Tesla vendeu 1,3 milhões de veículos, o que lhe assegurou 11,5 mil milhões de euros de lucro líquido e um aumento de 127,8% face a 2021. Enquanto isto, a Stellantis comercializou no mesmo ano 6 milhões de veículos através das suas 14 marcas e conseguiu um net profit de 16,8 mil milhões de euros, o que representou um incremento de 26% face a 2021. Ora, isto aponta para uma margem de lucro líquido por veículo três vezes superior para a marca norte-americana, bem como um ritmo de crescimento praticamente cinco vezes superior.

O que importa aqui reter é que os veículos eléctricos já conseguiram um equilíbrio de preços nos segmentos mais caros e envolvendo veículos de maiores dimensões e potências mais elevadas, ou seja, nos segmentos D e E. Mas nos segmentos mais populares (B e C), com veículos mais pequenos e acessíveis, os carros a bateria ainda estão demasiado caros. A baixa de preços na Tesla ajudou a conseguir equilíbrio no segmento D, ao passo que a redução do Mégane deu bons sinais no segmento C, mas o preço destes modelos ainda tem que cair muito mais. Até porque com a chegada, este ano, dos utilitários do segmento B por valores a partir de 25.000€, o salto para os 37.000€ do Mégane – considerando a versão com autonomia de 470 km (mais de 400 km pode ser considerado a média deste segmento), uma vez que existe uma outra versão mais acessível, à venda por 32 mil euros, limitada a 300 km –, é demasiado elevado, pelo que as reduções do preço deverão continuar.