Cartas trocadas com amigos. Foi este o acervo documental que permitiu ao New York Times (NYT) traçar um retrato de como foram os últimos meses de Alexei Navalny, primeiro numa prisão de alta segurança a vários quilómetros de Moscovo e, mais recentemente, na prisão “Lobo Polar”, na Sibéria.

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Navalny, cuja morte foi anunciada na passada sexta-feira, dizia aos amigos que encontrou conforto na literatura, inclusive em livros de memórias, que costumava “desprezar”. “Mas na realidade são incríveis”, disse numa carta em abril dirigida a Ilya Krasilshchik, um empreendedor russo que está exilado em Berlim e que cedeu cartas ao NYT.

Noutra missiva enviada ao empreendedor, chegou a admitir que até apreciava as audiências em tribunal, que começaram a ser mais frequentes à medida que Moscovo apresentou sucessivos casos criminais. “Distraem e ajudam a passar o tempo mais depressa”, escreveu. “Além disso, são uma fonte de algum entusiasmo e geram alguma coisa para tentar perseguir.”

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Também era nessas audiências que Navalny aproveitava para expressar o seu desprezo para com o sistema judicial russo – em julho de 2023, disse que o juiz era “louco” – e aproveitava para trocar algumas informações com a sua equipa.

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De forma irónica, Nalvany chegou a protestar não contra as condições das celas pouco ventiladas e húmidas, mas sim contra a regra de cada prisioneiro só poder ter um livro na cela. “Quero ter dez livros na minha cela”. De acordo com o NYT, era frequente que, nas cartas, Navalny discutisse livros e pedisse recomendações de mais obras. Na prisão, leu 44 livros em inglês num ano.

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Uma das recomendações de livros terá sido uma biografia sobre Robert F. Kennedy, assassinado em 1968. Navalny trocou cartas com Kerry Kennedy, ativista e filha de Robert Kennedy. Segundo o jornal, Navalny terá dito que “chorou duas e três vezes” ao ler o livro sobre a vida de Kennedy.

Nas cartas, Navalny chegou a falar com Evgeny Feldman, o fotógrafo russo que está exilado por ter fotografado a campanha presidencial do opositor russo. Trocavam opiniões sobre comida, mas também sobre assuntos internacionais, como a saúde de Joe Biden, o possível regresso de Trump, que Navalny dizia parecer “muito assustador”, ou a situação na Faixa de Gaza.

Não havia apenas questões políticas nas cartas. Até a morte de Matthew Perry, o ator que morreu em outubro, foi mencionada nas últimas missivas de Navalny para Feldman. Apesar de nunca ter visto a série “Friends”, onde Perry era um dos protagonistas, o russo contou ao amigo que ficou “comovido” com o obituário sobre o ator que leu na revista The Economist.

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De acordo com a equipa de Navalny, o russo ainda respondeu a algumas cartas mais recentes dos amigos, que deverão estar a passar pelo habitual processo de censura antes de chegarem ao exterior.