A Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) impôs esta quarta-feira uma “medida cautelar” que obriga à suspensão da atividade da Worldcoin. Em comunicado, a AEPD informa que o projeto, detido pela Tools for Humanity Corporation, deve “parar com a recolha e tratamento de dados pessoais que está a realizar em Espanha” e ainda “bloquear” os dados que já foram recolhidos. A Worldcoin, que também está presente em Portugal, digitaliza a íris em troca de uma recompensa em criptomoeda.

O plano da Worldcoin para as autenticações do futuro através da leitura da íris e com moeda virtual à mistura. CNPD já fez fiscalização

A AEPD diz ter recebido “várias reclamações contra esta empresa”. Entre as denúncias conta-se a falta de informação dada a quem participa no projeto, a recolha de dados de menores ou o impedimento aos participantes de retirar o consentimento dado.

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A entidade sublinha que o tratamento de dados biométricos implica “riscos elevados aos direitos das pessoas, tendo em conta a sua natureza sensível”, justificando a decisão de suspender a Worldcoin com “circunstâncias excecionais”. O objetivo é “prevenir a possível cedência a terceiros” e salvaguardar o “direito fundamental” à proteção de dados pessoais.

A nota refere ainda que a ação é tomada no âmbito do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) europeu, já que a empresa que detém a Worldcoin tem sede na Alemanha, e que uma medida destas é adotada quando se considera “urgente intervir para proteger os direitos e liberdades das pessoas”, tendo um carácter provisório e não pode ser superior a três meses.

“Neste contexto, a Agência entende que a adoção de medidas urgentes de proibição temporária das atividades” da Worldcoin “é justificada para evitar danos possivelmente irreparáveis”, e não fazer nada “privaria as pessoas da proteção a que têm direito segundo o RGPD”.

Em Portugal, a Worldcoin já terá recolhido os dados biométricos de cerca de 300 mil pessoas, segundo avançou o Expresso na semana passada. A empresa está presente em locais como a estação do Oriente, em Lisboa, onde todos os dias se formam filas para a recolha dos dados em troca de tokens. Em agosto do ano passado, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) disse ao Observador “não ter recebido qualquer queixa” sobre a atividade da empresa, mas nessa altura já tinha realizado uma “ação de fiscalização ao projeto”.

No fim de janeiro, o Observador questionou novamente a CNPD sobre a ação de fiscalização à Worldcoin, com a entidade a indicar que o processo se mantém em investigação. “Foram realizadas várias diligências posteriores à fiscalização no âmbito do Projeto Worldcoin e que envolve mais do que uma empresa, incluindo empresas subcontratadas, e estão a ser mantidos contactos e troca de informação com os nossos colegas alemães, uma vez que uma das empresas envolvidas tem apenas estabelecimento na Alemanha”, indicou fonte da CNPD, que dizia não haver na altura “novidades que possam ser tornadas públicas”.

Ao Expresso, na semana passada, a CNPD indicou que está ainda em curso um “processo de averiguação” à atividade da empresa.

A empresa já reagiu à decisão da AEPD, através de Jannick Preiwisch, responsável de proteção de dados da Worldcoin. “A autoridade espanhola de proteção de dados está a evitar a legislação da União Europeia com as suas ações de hoje, que se limitam a Espanha e não à UE no geral, e a divulgar informações imprecisas e enganosas sobre a nossa tecnologia a nível mundial”, cita o El País.

A empresa indica que os “esforços para colaborar com a AEPD e oferecer uma visão precisa da Worldcoin e da World ID [a criptomoeda que é atribuída] ficou sem resposta durante meses”.

A propósito desta decisão em Espanha, o Observador tentou perceber se existe algum contacto da Worldcoin com a CNPD. A empresa indica que “está em contacto com a CNPD” desde que foi iniciada “a operação no mercado português” e diz que estão “disponíveis para qualquer esclarecimento ou informação adicional” que seja necessário.

A Worldcoin foi criada em 2019 por Sam Altman, fundador da OpenAI do ChatGPT, e por Alex Blania, um físico de 29 anos. É conhecida pelas esferas metálicas que são usadas para digitalizar a íris e que parecem retiradas de um episódio da série “Black Mirror”. 

A empresa defende a criação de uma solução de preservação da identidade digital, chamada World ID, e trabalha também num ativo digital, chamado Worldcoin (WLD), que se recebe em troca da digitalização da íris. A ideia é que prove “simplesmente que se é humano”, explicaram os fundadores.

(Atualizada às 14h35 de 7 de março)