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"The Gentlemen": o irresistível charme da nobreza criminosa

Guy Ritchie volta ao princípio de "The Gentlemen", filme de 2019, e estende-o para minissérie de 8 episódios. Mais um que cedeu aos encantos da televisão? Sim, e ainda bem. Para ver na Netflix.

Theo James, do franchise "Divergente" e da segunda temporada de "The White Lotus", interpreta a personagem principal da história, Eddie
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Theo James, do franchise "Divergente" e da segunda temporada de "The White Lotus", interpreta a personagem principal da história, Eddie

Theo James, do franchise "Divergente" e da segunda temporada de "The White Lotus", interpreta a personagem principal da história, Eddie

Quando Guy Ritchie surgiu no final dos 1990s existia uma brecha no mercado para voltar aos filmes de gangsters sujos. O que ainda não se sabia é que a sujidade viraria glamour, estética. A Inglaterra da britpop, de Tony Blair e do aburguesamento dos estádios de futebol prestava-se a isso. Era também o fim de um tempo, de uma reviravolta nas classes do país misturado com um otimismo exacerbado e, em simultâneo, o dinheiro que começava a entrar da Rússia trazia outro tipo de criminalidade para o país, sobretudo em Londres. O cinema inglês precisava de quem gourmetizasse essa ideia de conflito entre crime velho vs. novo e Guy Ritchie esteve à altura. Foi uma década divertida, Um Mal Nunca Vem Só (1998), Snatch (2000), Revólver (2005) e até RocknRolla: A Quadrilha (2008). As carreiras de Jason Statham, Vinnie Jones e Stephen Graham agradeceram. Nós também. Aquele mundo do crime era um bom sítio para se estar.

Desde então, o cinema de Guy Ritchie evoluiu pouco. Os artifícios mantiveram-se, o humor idem, a forma como as histórias se desenrolam, as ligações entre gangs que nunca mais acabam, as traições que aparecem a qualquer momento e a ideia de que pouco ou nada ficou resolvido têm permanecido no seu cinema. A pouca mudança não é sinónimo de aborrecimento, ou de um cinema cansado, a falta de novidade é apenas isso: falta de novidade. A novidade em The Gentlemen é ser a primeira série que o realizador concebe e produz — e realiza os dois primeiros episódios —, porque até a ideia de The Gentlemen é emprestada do filme homónimo de 2019. Crise de meia-idade? Longe disso. A série alimenta-se bem do estilo de Guy Ritchie e sente-se como qualquer coisa que está em falta: histórias do submundo do crime com graça.

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E na graça cabe tudo, seja um testículo de Hitler ou um produtor de erva tão desnutrido de relações sociais que é capaz de contar tudo à primeira mulher que lhe dá atenção. Por mais Ritchie-explícito que The Gentlemen seja, os oito episódios agarram, devoram-se num instante e só não pedimos mais porque a barriga fica bem cheia. É provável que a série encaixe nos mais vistos da Netflix durante uns tempos.

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[o trailer de “The Gentlemen”:]

Eis o que se passa. Eddie (Theo James, do franchise Divergente e da segunda temporada de The White Lotus) é o filho do meio de uma família nobre inglesa. A riqueza está na propriedade — uma casa com mais de 600 anos — e nos inúmeros bens que estão lá dentro, seja arte ou vinho que nunca mais acaba. Old money. Os negócios do pai deram em nada e, reza a história, estavam para lá das ruas da amargura. O pai morre e resolve deixar tudo isto a Eddie e não ao filho mais velho, Freddy (Daniel Ings), um cocainómano com vários problemas de autoestima.

A série arranca em grande com este momento. Não só pela situação que cria, mas como desvenda as más decisões que Freddy tem tomado e como isso possibilita tudo o que vai acontecer a partir daí. Freddy queria a herança não só pela primogenitura, mas porque levou demasiado a sério as sugestões de investimento de um amigo. Obviamente que os investimentos não correram bem — aliás, investiu com dinheiro que pediu emprestado à máfia. Agora, tem um problema. Vários, na verdade. O urgente é pagar os milhões que deve. E estava a contar vender a propriedade para o conseguir.

Fosse outro que não Guy Ritchie, talvez a resolução passasse por Freddy virar-se contra Eddie e tentar recuperar aquilo que acha que é seu por direito. Só que numa série de Ritchie, as coisas são feitas à moda de Ritchie: Freddy é um cobarde e a sua história será sempre mais útil se se mantiver como tal (e será sempre um, como se irá ver ao longo dos episódios). Por isso, toca de esmiuçar o que poderá haver aqui. Como é que Eddie safa os milhões num curtíssimo prazo de tempo para salvar o couro ao irmão? Vender a arte, o vinho da adega? São soluções sim, mas nunca conseguiria o dinheiro que precisa a tempo.

Já vimos esta história contada de N maneiras por Guy Ritchie. "The Gentlemen" prolonga o método e a euforia ao longo de quase oito horas

Vender a casa? Há alguém muito interessado e disposto a pagar muito, já. E esse seria o caminho se… entre uma conversa e o fechar do negócio não se intrometesse Susie Glass (Kaya Scodelario) com revelações bombásticas: a sua família tem um negócio muito rentável de erva e a erva é cultivada na propriedade de Eddie. Os Glass tinham um acordo de anos com o pai, o pai tirava uns milhões por ano disso (“ah, era daí que vinha o dinheiro“) e não se pode fechar a torneira assim, sem mais nem menos.

Susie oferece-se para ajudar na resolução do problema com os outros gangsters. Eddie aceita, mas estabelece uma janela de tempo para os Glass tirarem a produção de erva dali. Aqui poderia virar um sucedâneo de Breaking Bad, mas como saiu da cabeça de Guy Ritchie, vira — já adivinhou, não é? — uma corrida frenética orquestrada por — nem mais — Guy Ritchie.

A escala daquilo que acontece em The Gentlemen aumenta de episódio para episódio e, também de episódio para episódio, vão sendo criadas ligações entre todas as personagens que irão surgindo: por exemplo, aquele interessado em comprar a propriedade por muito dinheiro tem motivações para lá daquelas que estão à vista e, só lá para o final, é que vão ser compreendidas inteiramente. Theo James agarra bem a personagem, a educação old money mistura-se com facilidade com a necessidade, e não vontade, de ser um gangster em ascensão. Eddie quer tão pouco isso que, por vezes, é cómico.

A escala daquilo que acontece em "The Gentlemen" aumenta de episódio para episódio e, também de episódio para episódio, vão sendo criadas ligações entre todas as personagens que irão surgindo

Momentos de humor não faltam, seja o tal momento do testículo do Hitler, ou quando tem de roubar um Lamborghini verde para salvar a cara por causa de um pequeno incidente. Nisto tudo, e apesar do muito tempo que começa a passar com Susie Glass, nunca se imagina um momento em que os dois se beijem (ou algo mais). O mero utilitarismo que existe naquela relação espalha-se por toda a série, e Ritchie explora bem a decadência do tal old money, de como esta nobreza já não consegue existir para lá do que tem (a não ser que façam coisas ilícitas).

Há uma crítica social em The Gentlemen que se mistura com a funcionalidade da história. Guy Ritchie mostra um lado obsoleto da nobreza nos dias de hoje a partir do que têm mais valioso: o imobiliário. E todo o tipo de negócios ilícitos podem prosperar nesse campeonato, porque ninguém quer saber, ninguém irá desconfiar. Aliás, a restante nobreza até é capaz de elogiar a ideia, por estar a lidar com os mesmos problemas de irrelevância e falta de soluções. Theo James dispõe-se a isso, credível, sem ser ridículo (como o irmão Freddy), pronto para meter os dois pés no mundo do crime se tal for necessário para sobreviver. Já vimos esta história contada de N maneiras por Guy Ritchie. The Gentlemen prolonga o método e a euforia ao longo de quase oito horas. Filme longo? Nah, bom entretenimento saído da cabeça do realizador britânico, onde o “mais do mesmo” e o fator duração resvalam para o lado positivo.

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