A ideia de que a Arábia Saudita está a procurar expandir o próprio portefólio desportivo já é uma evidência. Entre a entrada forte no golfe com o LIV Golf, o assalto ao futebol europeu no verão passado com diversas contratações sonantes e a já confirmada organização do Mundial 2034, o país tem conquistado um poder superlativo em várias modalidades. E quer fazer o mesmo com o ténis.

De acordo com o jornal The Telegraph, o Fundo Público de Investimento da Arábia Saudita fez uma proposta de mil milhões de dólares para juntar os circuitos ATP e WTA, masculino e feminino, e investir em todos os torneios excluindo os quarto Grand Slam, que ficariam de fora do acordo. A notícia explica que os sauditas deram 90 dias à ATP para formular uma resposta, com a proposta a ser retirada quando expirado esse tempo.

A notícia caiu como uma bomba nas últimas horas em Indian Wells, já que o presidente da ATP terá aproveitado uma reunião com os representantes de todos os Masters e dos quatro Grand Slam para, quando saíram os nomes fortes de Open da Austrália, Roland Garros, Wimbledon e US Open, pedir aos restantes que ficassem na sala. Aí, abordou a proposta e deixou a principal condição imposta pela Arábia Saudita: a existência de um Masters 1000 no país na primeira semana da temporada.

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A ideia não é uma total novidade e tem sido muito respaldada precisamente por Andrea Gaudenzi, o presidente da ATP. Do outro lado tem estado Craig Tiley, o presidente da Tennis Australia, que colocou a United Cup precisamente nessa vaga do calendário — uma animosidade que chegou a pontos extremos no último Open da Austrália, com Gaudenzi a falhar o Grand Slam para se reunir com representantes do Fundo de Público de Investimento saudita em Riade.

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Na altura, essas conversações serviram para fechar um acordo de cinco anos que prevê o patrocínio do ranking ATP — e que agora parece simplesmente o início de um caminho longo e prolongado. De recordar que a unificação do circuito masculino e do circuito feminino não é uma proposta original e até tem sido discutida recentemente através da eventual criação do chamado Premium Tour, a incluir os Masters 1000 e os quatro Grand Slam. Ao que parece, porém, Andrea Gaudenzi (que seria o CEO do novo Tour) tem o seu próprio modelo de unificação em andamento.

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No golfe e em 2019, a Golf Saudi, uma divisão do Fundo Público de Investimento da Arábia Saudita, anunciou a intenção de fundar um novo circuito internacional de golfe para competir com o histórico e estabelecido PGA Tour, que existe desde os anos 70. Na altura, o diretor do PGA Tour indicou desde logo que qualquer golfista que participasse nos eventos do novo LIV Golf seria suspenso — uma promessa que cumpriu em junho do ano passado, quando afastou 17 jogadores que estiveram no torneio inaugural do recém-fundado circuito.

O problema? O LIV Golf conseguiu atrair verdadeiros campeões da modalidade, como Brooks Koepka, Patrick Reed e Phil Mickelson, e ameaçava continuar a desviar os principais golfistas através de prémios milionários e quantias que em nada poderiam ser comparadas às do PGA Tour. Com muitos dos eventos a acontecerem em propriedades de Donald Trump, o antigo (e novamente candidato) presidente dos Estados Unidos que é um conhecido aficionado do desporto, o novo circuito parecia estar a ser bem sucedido na missão de dividir o golfe e organizar uma liga separada onde reinava o dinheiro. Até que aconteceu o impensável.

No início de junho do ano passado, o PGA Tour, o PGA European Tour e o LIV Golf anunciaram que tinham chegado a acordo para a criação de um único circuito. O Fundo Público de Investimento da Arábia Saudita ficou como investidor exclusivo numa fase inicial, reservando o direito de rejeitar futuros investimentos, enquanto que o PGA Tour ficou com a capacidade de nomear a maioria dos membros da direção. Ou seja? A Arábia Saudita (e o dinheiro aparentemente ilimitado que traz na bagagem) conseguiu levar o conflito até ao ponto em que o status quo pré-existente cedeu e aceitou ser controlado pelo país. Resta saber se o mesmo irá acontecer com o ténis.

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