A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) afirma, no relatório sobre o caso do alegado favorecimento às gémeas luso-brasileiras, que a Presidência da República “condicionou a direção da instrução” ao se ter recusado a ceder aos inspetores a documentação relativa ao caso. No entanto, a IGAS admite que o atraso no acesso a esses documentos não teve impactos na elaboração das conclusões do relatório — documento que aponta para um favorecimento no acesso das crianças ao medicamento Zolgensma pelo ex-secretário de Estado Adjunto e da Saúde, Lacerda Sales, pelo Hospital de Santa Maria e pelo Infarmed.

No capítulo “Condicionantes na Execução da Inspeção”, a IGAS revela que pediu, a 21 de dezembro de 2023, à Casa Civil do Presidente da República informação “quanto à natureza e as datas dos contactos mantidos, a identificação do(s) interlocutor(es) no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, E.P.E., com remessa da documentação eventualmente trocada” no caso das gémeas. A IGAS acrescenta que essa informação foi pedida na “sequência do comunicado do Presidente da República, em que foi referido que a Assessora Assuntos Sociais, Sociedade e Comunidade, a Dra. Maria João Ruela teria desenvolvido contactos junto” do Hospital de Santa Maria.

Lacerda Sales, Santa Maria e Infarmed beneficiaram gémeas luso-brasileiras. Três pontos essenciais do relatório da IGAS

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A 27 de dezembro, o chefe da Casa Civil da Presidência da República, Fernando Frutuoso de Melo, informou a IGAS de que toda a documentação sobre o caso das gémeas tinha sido enviada ao Ministério Público e se encontrava sob segredo de Justiça. Assim, não foi “remetida a informação solicitada por esta Inspeção-Geral”, escrevem os inspetores.

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No entanto, a Presidência da República acabaria por enviar a documentação pedida à IGAS, quase um mês depois, a 23 de janeiro deste ano. Isto porque os documentos foram cedidos a uma jornalista, na sequência de um pedido junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. “Apenas em 23 de janeiro de 2024 a referida documentação foi remetida a esta Inspeção-Geral, com indicação de que, no seguimento de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, tinha sido dado acesso à mesma a um jornalista”, detalha a IGAS.

Segundo os inspetores, o atraso no acesso à documentação condicionou a realização de uma nova audição a duas figuras centrais do caso e que foram referidas na documentação da Presidência da República: Teresa Moreno (a neuropediatra que tratou as crianças) e José Pedro Vieira, diretor do serviço de Neurologia Pediátrica do Hospital Dona Estefânia e que foi contactado diretamente por uma pessoa próxima da família das crianças antes de o Hospital de Santa Maria ter sido envolvido no caso. Isto porque, sublinha a IGAS, a documentação “não corresponde ao relatado nos depoimentos efetuados por aqueles profissionais no âmbito do presente processo”.

No entanto, e apesar do atraso no acesso à documentação provocado pela Presidência da República, a IGAS considera que esse facto não teve impacto nas conclusões do relatório de inspeção ao caso. “Não obstante a falta desta informação ter condicionado a direção da instrução, concentrando o apuramento dos factos no CHULN, E.P.E., não se verificou ter impacto nas conclusões do processo”, pode ler-se na página 13 do referido relatório.