O governo de António Costa não cumpriu nenhuma das seis recomendações feitas pelo Tribunal de Contas (TdC) relativas à monitorização e combate ao abandono escolar precoce, um fenómeno que cresceu em Portugal nos últimos anos, revela um relatório do TdC, divulgado esta terça-feira. Entre as recomendações não seguidas está a implementação de uma estratégia de combate ao abandono escolar, o mapeamento regional do fenómeno ou a fiscalização do cumprimento da escolaridade obrigatória.

Num tom crítico, o tribunal sublinha que não foram resolvidas as insuficiências e deficiências identificadas por um auditoria que o próprio TdC realizou em 2020, sobre este tema. Na altura, os juízes fizeram seis recomendações ao governo, que, diz agora o TdC, não foram cumpridas, ou porque não foram tomadas medidas ou porque as medidas tomadas não surtiram efeito.

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Há quatro anos, o Tribunal de Contas propôs uma estratégia global para o combate ao abandono, que integrasse uma estrutura de monitorização e avaliação do fenómeno. Os juízes admitem que o governo preparou a estratégia pedida, denominada “Estratégia de Combate ao Abandono Escolar”, a implementar entre os anos de 2021 e 2023. Contudo, diz o TdC, não foi obtida “qualquer evidência da sua aprovação e lançamento efetivo até ao final de 2023”.

O governo também não definiu os conceitos de abandono e de risco de abandono, como tinha sugerido o TdC, nem os indicadores para a medição destes fenómenos. Os juízes dizem que a falta de uniformização dos conceitos gera “desconformidades de registo pelas escolas nos sistemas de informação”, o que compromete a fiabilidade dos dados.

Outra recomendação não seguida foi a do mapeamento do abandono escolar a nível nacional, regional e local. O TdC assinala que o Ministério da Educação tem em curso projetos “suscetíveis de mapear o Abandono e sinalizar os alunos em risco”, mas adverte, por outro lado, que ainda não é possível proceder “à sistematização e mapeamento do Abandono e das suas razões”.

Também falhou a interoperabilidade dos sistemas de informação para a recolha de dados de alunos. O tribunal, liderado por José Tavares, critica a ausência de um sistema de gestão escolar que concentre a informação dos alunos — o que existe hoje, lembram os juízes, é uma multiplicidade de sistemas de informação, “sem interoperabilidade e sem melhorias” e que evidenciam fragilidades.

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O Tribunal de Contas alerta também que não foram implementados sistemas de controlo eficazes para o cumprimento dos deveres de matrícula e de frequência na escolaridade obrigatória, como tinha sido recomendado na auditoria de 2020. Quatro anos depois, “as escolas continuam sem os elementos necessários para o controlo de matrícula”; para além disso, o controlo de frequência também não é eficaz, porque está “fragilizado por insuficiências dos sistemas de informação e por procedimentos não automáticos”.

Por fim, os juízes sublinham que o Programa Orçamental não detalha o montante afeto ao combate ao Abandono. Ou seja, nos últimos quatro anos, não se registou uma melhoria na transparência a este nível.

Recorde-se que os dados da taxa de abandono escolar precoce em Portugal, recolhidos pelo Instituto Nacional da Estatística (INE), mostraram um aumento para 8% deste fenómeno em 2023. Os TdC sublinha que esta evolução interrompeu a “trajetória decrescente registada há décadas”.

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João Costa diz que TdC ignorou explicações do Ministério

Contactado pelo Observador, o ex-ministro João Costa critica o relatório do TdC de Contas, sublinhando que aquela entidade “entendeu ignorar as explicações fornecidas pelo Ministério da Educação” durante as reuniões entre as duas partes.

João Costa frisa que, nessas reuniões, foi explicada a metodologia de apuramento do Abandono Escolar Precoce, adotada pelo Eurostat, e que era, diz o agora ex-ministro, “comum a todos os países da UE e que não se confunde com o registo de matrículas de alunos”. O ex-governante socialista acrescenta que foram ainda “apresentadas as estatísticas oficiais do Ministério da Educação sobre conclusão de percursos em tempo esperado e taxas de sucesso e transição, utilizadas para apuramento do abandono e que são utilizadas a nível local e regional nos Planos Integrados e Inovadores de Combate ao Insucesso Escolar”.

Numa resposta escrita, João Costa lembra que, “ao longo dos últimos anos, estes indicadores alimentaram o site InfoEscolas, tendo-se passado a poder consultar dados por escola, município e região, para além dos dados nacionais, ao contrário do que é sugerido pelo relatório”.