Não há duas sem três. Depois de ter apresentado o livro Identidade e Família e depois da entrevista a Maria João Avillez, no Observador, Pedro Passos Coelho fez uma nova aparição, desta vez no clube Rotário Parque das Nações. Motivo: falar sobre “O resgate do Estado português em 2011: causas e consequências”. Desta vez, no entanto, a intervenção do antigo primeiro-ministro é descrita como tendo sido mais “cautelosa” e mais histórica do que política. Ainda assim, quem assistiu à palestra não ficou com grandes dúvidas: “Está efetivamente em campanha”. Para quê e quando ninguém arrisca dizer.

Passos sobre ontem: “Os anos da troika? Perderíamos tudo se não corresse bem”. Sobre hoje: “Tenho uma relação descomplexada com o PSD”

À chegada ao evento, que decorreu à porta fechada na noite desta segunda-feira, o antigo primeiro-ministro foi recebido por uma equipa de reportagem da CNN, mas limitou-se a contextualizar a sua entrevista ao podcast de Maria João Avillez no Observador, uma forma de assinalar os 50 anos do 25 de Abril e os vários momentos da vida política do país, e garantiu que não estava a tentar fazer um “ajuste de contas” com ninguém — uma forma de responder àqueles que, no PSD e no CDS, vão dizendo que procurou atacar Luís Montenegro e Paulo Portas, um dos grandes promotores da Aliança Democrática e da estratégia que a coligação tem seguido em relação ao Chega.

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Mas a verdade é que as palavras do antigo primeiro-ministro, intencionais ou não, causaram impacto e lançaram de novo o debate sobre o futuro político do ex-presidente do PSD. Como explicava aqui o Observador, são mais os cenários que se fazem sobre as intenções de Pedro Passos Coelho do que os sinais que o próprio está a dar aos seus mais próximos. E nada do que disse neste evento apontou num ou noutro sentido, apesar dos desejos pouco disfarçados de quem o ouviu.

Direita não compreende plano de Passos

Seja como for, segundo apurou o Observador junto de pessoas que assistiram à intervenção do antigo primeiro-ministro, houve uma ideia que transpareceu: quando as coisas estavam efetivamente a melhorar, Passos foi impedido de continuar a governar pela ‘geringonça’ de António Costa e o projeto que tinha para o país ficou inacabado. “Nota-se uma mágoa muito grande por não ter conseguido ir até ao fim”, comenta uma das pessoas que assistiu ao discurso.

Desta vez, garante-se, Passos não fez grandes considerações sobre o momento político atual ou sobre Paulo Portas e o CDS. Fez uma longa reflexão sobre as dificuldades estruturais da economia portuguesa antes e depois da entrada no euro, as decisões políticas que levaram o país até à intervenção da troika, os desafios do Estado social, sobre o seu papel enquanto executor do memorando de ajustamento, o que se poderia ter seguido se tivesse efetivamente conseguido governar depois de 2015.

Nessa reflexão, terá reconhecido o mérito do governo de António Costa em manter o equilíbrio orçamental, embora tivesse criticado a pouca transparência do seu sucessor em relação aos custos que essa estratégia de contenção teve para o país. Mesmo sem ter alimentado qualquer tipo de saudosismo, Passos terá ainda lamentado o facto de não ter havido qualquer esforço de transformação estrutural na economia portuguesa. Foi precisamente essa ideia que plantou em quem assistiu à palestra a sensação de que ficou um projeto por concluir. “Quis mostrar que sabia até onde podia ir e para onde devia ir, e que o presente lhe deu razão”, comenta quem assistiu à intervenção de Pedro Passos Coelho.

Mas, nem mesmo quem assistiu à sessão do Rotário Parque das Nações, parte de uma associação com presença em vários pontos do país e do mundo que se dedica, entre outras coisas de cariz solidário e humanitário, a promover tertúlias, ficou sem certezas sobre o que quer realmente Pedro Passos Coelho. “Parece que vai querer mais qualquer coisa e que está efetivamente em campanha. Cumprimentou toda a gente, esteve sempre muito sereno e as pessoas gostaram muito de ouvir”, nota a mesma fonte ao Observador.

Tal como confessou em entrevista a Maria João Avillez, Pedro Passos Coelho não escondeu que nem sempre soube comunicar da melhor forma as decisões que tomou. Mas o antigo primeiro-ministro assumiu outra coisa: que “teve muito tempo para refletir”. Até onde o levará essa reflexão – se é que há um verdadeiro plano para regressar à política – é uma pergunta que só o próprio saberá responder.

*Artigo atualizado com mais dados sobre a intervenção de Passos

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