Uma divisão previsível e em duas partes: de um lado a esquerda, do outro a direita. Foi assim que os partidos se arrumaram nas reações ao anúncio de que Maria Luís Albuquerque será indicada pelo Governo para assumir a função de comissária europeia, com a esquerda a agitar em força o papão da troika e a direita a elogiar, ainda que com diferentes graus de entusiasmo, a escolha.

À esquerda, não houve partido que não puxasse ao máximo pela memória da austeridade e da troika para reagir, com cada partido a escolher momentos específicos da governação de Maria Luís Albuquerque — cortes de salários, de pensões, etc — para considerar esta “uma das piores representações da governação em Portugal”.

Desde logo, pelo PS o deputado Pedro Delgado Alves atirou-se diretamente à recordação dos tempos da troika para dizer que esta “não é necessariamente uma boa notícia, ou uma boa memória”. Porquê? Porque a ex-ministra “foi responsável direta por medidas muito gravosas” para fatias da população como os pensionistas ou funcionários públicos, explicou — faixas de eleitorado pelas quais PS e PSD estão ativamente a combater — e “em muitos aspetos ia até para lá do que a UE defendia”, podendo “representar um regresso ao passado nas instituições”.

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Do lado de PCP e Bloco de Esquerda, as reações foram ainda mais violentas. O líder parlamentar bloquista, Fabian Figueiredo, não demorou a classificar Maria Luís Albuquerque como “uma das piores representações da governação em Portugal”, “uma agente da troika no Governo português” ou “uma das principais autoras de uma política de destruição social” que empobreceu a população e “forçou milhares à imigração”. No caso do Bloco, as críticas estenderam-se ainda à comissão de inquérito dos Swaps — que, para o partido, provou que a ex-ministra é uma “má gestora de fundos públicos” — e ao facto de ter ido trabalhar para a Arrow Global enquanto era deputada.

Pelos comunistas, a líder parlamentar, Paula Santos, também puxou pela “má memória” da austeridade: “Já conhecemos Maria Luís Albuquerque. Foi membro do Governo no período da troika, de má memória para os trabalhadores e o povo. Teve responsabilidades sérias no corte de salários e pensões”, atirou, descrevendo o estado de espírito do PCP como “preocupado” e “inquieto”.

As avaliações foram semelhantes no Livre — com o deputado Jorge Pinto a frisar que Albuquerque estará “sempre associada a um dos piores momentos da história da UE” por ter defendido a austeridade “acerrimamente” — e no PAN — Inês Sousa Real classificou a escolha como “sinónimo da política conservadora do PSD” e Albuquerque como “sinónimo de austeridade, dos tempos da troika que os portugueses não esqueceram”.

Uma escolha “excelente” que ajudou a recuperar da bancarrota

À direita, as reações foram maioritariamente positivas, as referências à troika poucas — e em parte feitas para agradecer à ex-ministra pelo trabalho como ex-ministra numa “das alturas mais difíceis” que o país atravessou.

André Ventura foi comedido na reação: o líder do Chega elogiou o “currículo sólido” da antiga governante e rejeitou leituras sobre a questão da troika, frisando que “já passou muito tempo sobre isso” e que “as pessoas podem revelar-se noutros cargos”.

E se para a esquerda o passado de governação em tempos de austeridade foi cadastro, para o CDS foi currículo: o líder parlamentar, Paulo Núncio, que foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nesse Governo, lembrou a experiência a trabalhar ao lado de uma ministra “extremamente profissional, competente e com enorme sentido de Estado”, e que na sua opinião deve ser lembrada como uma “governante que ajudou Portugal a recuperar de uma bancarrota deixada pela esquerda”.

O CDS considera, assim, “excelente” a escolha de Maria Luís Albuquerque, onze anos depois de Paulo Portas ter anunciado a sua demissão “irrevogável” (que acabaria por revogar) desse Governo por discordar precisamente da escolha de Albuquerque como ministra. Longe vão esses tempos — o CDS está alinhado com o parceiro de coligação e esses são “temas passados”, garantiu Núncio. Já a Iniciativa Liberal teve uma reação mais neutra: a líder parlamentar, Mariana Leitão, considerou que Albuquerque “aparenta” ter as competências necessárias para o cargo, embora pouco depois João Cotrim Figueiredo dissesse ao Observador que existiam outros nomes com perfil mais europeísta e que a ex-ministra será “uma incógnita” no cargo.

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Críticas por processo não ter sido consensualizado. Pedro Nuno soube minutos antes

Fora a análise do nome em si, um ponto que gerou algumas críticas à esquerda e à direita foi o processo de escolha e de anúncio público de Luís Montenegro (que chegou a estar previsto para a Universidade de Verão do PSD, que está a decorrer esta semana em Castelo de Vide e onde Albuquerque ainda falará, mas acabou por ser alterado para um anúncio mais formal em São Bento).

O PS queixou-se de não ter sido ouvido. Pedro Delgado Alves veio frisar que, embora a escolha seja da responsabilidade do Governo, o Executivo podia ter ouvido os outros partidos, em particular o PS, e que os socialistas o fizeram nos processos anteriores, tendo inclusivamente reconduzido Durão Barroso. “Teria sido democraticamente mais saudável e desejável”. Para mais, Pedro Nuno Santos só foi informado “minutos antes” do anúncio público da escolha, assegurou o deputado.

E acrescentou que foi “prudente” o “recuo” de Montenegro, tendo anunciado o nome em São Bento e não na Universidade de Verão do PSD, como estava previsto, para dar alguma “dignidade” ao processo.

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O Chega concordou com parte da crítica: “Lamento que o Governo não tenha querido consensualizar o nome de Maria Luís Albuquerque”, afirmou André Ventura. “A boa prática é que o comissário europeu, porque nos representa a todos, seja um nome consensualizado o mais possível entre os partidos”.

Mais à esquerda, a mesma leitura. Tanto o Livre como o PAN consideraram desde logo necessário que a ex-ministra seja ouvida no Parlamento para que se perceba a leitura que faz das suas novas funções, tendo o partido de Sousa Real já apresentado um requerimento na Assembleia da República para corrigir o que disse ser uma falta de transparência “grave”. Já o Livre registou com “tristeza” que o Governo perdeu uma oportunidade de “aproximar” os portugueses do processo de escolha da nova comissária europeia. “Preferiu fazê-lo com recato e orgulha-se de o ter feito com recato, quando o que se deveria ter feito era um debate alargado, plural e democrático sobre os perfis que poderiam representar Portugal”, criticou o deputado Jorge Pinto.