A presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Central (que inclui o São José), Teresa Sustelo, afirmou, esta terça-feira, ter “a certeza” que o médico que recebeu o jovem David Duarte, no dia 11 de dezembro, e que optou por não o transferir, nem ligar para nenhum outro hospital, nem chamar profissionais para o operar, “tomou a decisão certa”. A ainda administradora do centro hospitalar insistiu que as normas internacionais seguidas nestes casos foram respeitadas e disse desconhecer qualquer outra situação semelhante à de David.

“Não foi feito nenhum telefonema para o Santa Maria nem para outro hospital porque o doente não deveria ser transferido. O que se mediu aqui foi o risco-benefício, para o doente,de não se mexer. E a opção foi não se mexer“, explicou Teresa Sustelo, na Comissão de Saúde, acrescentando que esta “foi a atitude correta”, tendo em conta as orientações internacionais que mandam “que o doente estivesse monitorizado e estabilizado e que se mexesse o menos possível até que tivesse uma equipa que pudesse intervir”.

Além disso, as mesmas normas internacionais referem que um doente na situação de David Duarte (aneurisma roto) deve ser intervencionado num período de 72 horas. “O período de janela é de 72 horas e, se é, é porque é possível. Não quer dizer que não haja exceções”, acrescentou, rematando que “foi este o raciocínio que o médico que estava de serviço fez”. “Tudo foi feito para que o doente não morresse.” 

Mais tarde, já à margem da audição na Comissão de Saúde, Teresa Sustelo voltou a dizer aos jornalistas que “não há nenhum médico que queira deixar morrer um doente” e que “o médico em causa esteve absolutamente convencido que o doente conseguia superar e sobreviver até ter as equipas prontas na segunda-feira. Nada levava a supor o contrário”.

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Mesmo não havendo uma equipa de prevenção, se o médico tivesse entendido que o paciente estava em risco de vida e chamasse profissionais estes não podiam recusar ir ao hospital, garantiu a responsável. “Deontologicamente se houver risco de vida devemos chamá-los e aí ninguém se pode recusar. E eu não me lembro de nunca acontecer”, rematou.

Teresa Sustelo referiu ainda que David Duarte “teve um agravamento rapidíssimo do estado neurológico e entrou em morte cerebral, infelizmente”, não chegando ao fim do período de janela, “o que acontece numa percentagem de casos”.

Questionada sobre o motivo pelo qual não chamaram profissionais de outros hospitais para operar aquele doente, a administradora que a 22 de dezembro pôs o lugar à disposição, na sequência da morte do jovem de 29 anos, garantiu que “ninguém ia fazer isto”. “É preciso conhecer muito bem o bloco, os equipamentos, conhecer muito bem os sítios onde estão os materiais. Ninguém aceitaria ir fazer isto.”

E porque é que o São José aceitou receber o doente, vindo de Santarém, se não tinha equipa de prevenção? “O centro hospitalar não tem por hábito recusar doentes de lado nenhum. Somos o único hospital do país que tem todas as especialidades, todas as valências, faz todos os transplantes”, começou por dizer Teresa Sustelo, adiantando que só “quando o doente chega a São José é feito um exame – angio TC – e é diagnosticado um aneurismo roto”. Além disso, se o doente estivesse em risco de vida, o hospital conseguiria sempre dar resposta, garantiu.

O Centro Hospitalar Lisboa Central estava sem equipa de prevenção de neurorradiologia de intervenção desde 2013 e sem equipa de prevenção de neurocirurgia vascular desde 2014 porque houve um grupo de profissionais que se recusou a trabalhar pelo valor pago. A administração tentou corrigir esta falha, apresentando uma proposta ao Ministério da Saúde, no início do ano passado, que consistia em ter profissionais de neurocirurgia vascular 24 sobre 24 horas, todos os dias da semana, uns em presença física e outros em prevenção, e a ganharem de forma diferente. Mas, explicou Teresa Sustelo, embora a proposta tenha sido aceite pela Administração Regional de Saúde e pelo Ministério da Saúde, “bateu na cláusula travão que existe no orçamento” e o Ministério das Finanças devolveu-a ao da Saúde que ainda reformulou a proposta.

“A ARS não tem competências em questões financeiras”

O presidente demissionário da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Luís Cunha Ribeiro, confirmou que foi informado desta proposta do Centro Hospitalar de Lisboa Central, mas que “a ARS não tem competências em questões financeiras” e portanto essa era uma questão que o ultrapassava. E disse ainda que só soube que o problema das equipas residia nos enfermeiros, que se recusaram a trabalhar pelo valor pago, no dia 22 de dezembro, dia em que apresentou a sua demissão.

Quanto ao facto de no Santa Maria estas equipas serem pagas como produção adicional (e não prevenção), Cunha Ribeiro apenas referiu que não tem conhecimento disso “mas também não tinha que ter porque não há nada na lei que diga que o hospital tem de comunicar à ARS o modelo de pagamento. É da estrita responsailidade do hospital.” Mas levantou dúvidas quanto à legalidade do pagamento destas equipas através do SIGIC (um programa específico destinado à redução das listas de espera para cirurgia).

Cunha Ribeiro, que foi igualmente chamado pelo Partido Comunista ao Parlamento, na sequência da morte de David Duarte, a 14 de dezembro, defendeu que “não é justo nem aceitável que se ponha em causa a confiança num hospital [como o São José] por uma situação destas”.

O responsável revelou ainda o conteúdo de um relatório interno assinado pelo diretor de serviço de neurocirurgia do São José que vem confirmar o que Teresa Sustelo disse horas antes: “o doente não tinha condições, segundo o diretor de serviço para ser transferido”. Lê-se ainda nesse relatório, segundo o responsável, que “mesmo que fosse transferido, naquele momento, não havia condições para tratar aquele doente”. E isto não bate certo com a realidade testemunhada pela manhã por Carlos Martins, do Centro Hospitalar Lisboa Norte.

“O sistema no Santa Maria nunca falhou”, garante presidente do conselho de administração

Também ouvido no Parlamento, o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar Lisboa Norte (Santa Maria e Pulido Valente) garantiu que o sistema montado naquela instituição para dar resposta a casos de rutura de aneurismas nunca falhou. Carlos Neves Martins voltou ainda a sublinhar que o hospital não foi contactado pelo Hospital de São José no caso de David Duarte, o jovem de 29 anos que morreu na madrugada de 14 de dezembro, depois de um fim de semana à espera para ser operado a um aneurisma roto.

“Até prova em contrário, o sistema montado desde 2008 sempre funcionou. Exatamente igual ao do São João ou do Centro Hospitalar Universitário de Coimbra (CHUC) ou outras instituições. Não conheço nenhum hospital que tenha em presença física especialistas para esta situação em concreto. Por isso temos as prevenções para a resposta quando necessário”, atestou Carlos Martins, numa audição que está a decorrer, esta manhã, no Parlamento, a pedido do PCP, sobre “a morte de doente relacionada com atraso na assistência clínica”.

É uma escala voluntária composta por seis enfermeiros, três médicos, três ou quatro anestesistas. “As pessoas sabem que podem ser chamadas e recebem de acordo com um pagamento detalhado”, sob a forma de produção adicional, que ficou estabelecico no acordo de 2008 e cujos valores vão sendo atualizados ao ano. “Esses valores são semelhantes aos de prevenção. A prevenção de fim de semana para uma equipa de seis pessoas — um neurocirurgião com capacidade para este tipo de intervenção, um anestesista, três enfermeiros e um assistente operacional — anda sensivelmente nos 2.000 euros. E os valores que eu vi, pela casusística que tivemos, se tivessemos optado pela prevenção os valores eram semelhantes”, garantiu Carlos Martins mais tarde, à margem da audição.

De acordo com o relatório que solicitei, feito pelos médicos de neurocirurgia, não temos nenhum registo de falhas durante este período de tempo. Não há nenhum registo de nenhuma morte nem de recusa de nenhum profissional.”

E precisamente por “nunca ter falhado” o sistema montado, “nunca fizemos proposta a quem quer que fosse” para mudar algo. O que houve, sim, foi, no ano passado, “uma reflexão para incluir a neurocirurgia e a neurorradiologia na urgência metropolitana”, acrescentou o administrador, detalhando que o CHLN tratou nos últimos seis anos 40 a 50 casos por ano, ou seja, um caso em cada sete dias, “a maior parte dos casos nas primeiras 24 horas”. “Desses, um terço têm sido casos de sucesso.”

Carlos Martins foi questionado por todos os grupos parlamentares sobre o motivo que o levou a apresentar a sua demissão, no dia 22 de dezembro, à semelhança do que fizeram Cunha Ribeiro, presidente da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, e Teresa Sustelo, do Centro Hospitalar Lisboa Central (que inclui o Hospital de São José).

O administrador explicou que no final da tarde do dia 22, “os dados disponíveis eram que Santa Maria tinha sido acionado e não tinha respondido” e, por isso, pôs “o lugar à disposição”. “Não me demiti.” Só depois de ter comunicado a sua decisão, recebeu a informação de que afinal o Santa Maria “não tinha sido acionado”, mas nessa altura “a decisao já tinha sido anunciada”, esclareceu. Agora, explica, aguardará tranquilamente pelo final das investigações para perceber que decisão tomará o ministro da saúde.

(Texto atualizado pela última vez às 19h00 com declarações do presidente demissionário da ARS LVT)