Dois navios de grande envergadura cheios de imigrantes ilegais deixados sem tripulação à deriva no Mediterrâneo em direção à costa italiana. A guarda costeira forçada a intervir e a tomar o controlo dos barcos para impedir duas tragédias, salvando a vida a milhares de pessoas. Em apenas quatro dias, dois casos semelhantes levantaram uma suspeita: Estaremos a assistir a uma nova técnica usada pelos traficantes de imigrantes que querem chegar à Europa?

Na terça-feira, cerca de 1.000 imigrantes ilegais, segundo o Independent (o Guardian e a BBC falam em 796 ou 800), foram resgatados do cargueiro moldavo Blue Sky M, deixado sem tripulação e à deriva perto da ilha grega de Corfu. A guarda costeira italiana assumiu o controlo do cargueiro e conduziu-o para o porto de Galipoli, na costa italiana, evitando assim um desastre que esteve iminente, uma vez que, como escreveu o Guardian, o navio esteve a cinco milhas de embater contra a costa rochosa.

Durante a noite de quinta-feira, as autoridades italianas entraram no Ezadeen, um navio com bandeira da Serra Leoa que transportava 450 imigrantes e que também terá sido abandonado pela tripulação. Acredita-se que a maior parte dos imigrantes – entre os quais haverá crianças e mulheres grávidas – seja de origem síria.

Normalmente, os barcos utilizados para estas travessias são pequenas embarcações, por vezes, mesmo botes insufláveis. Nos dois casos registados esta semana foram utilizados navios de mercadorias de grandes dimensões.

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Ewa Moncure, porta-voz da agência da União Europeia para a vigilância de fronteiras, Frontex, estabeleceu um paralelo entre os dois casos, dizendo que os traficantes parecem ter usado o mesmo método, recorrendo a navios desativados, segundo a CNN. Ewa Moncure disse ainda que cada imigrante ilegal a bordo do Ezadeen terá pago 3.000 dólares (cerca de 2.500 euros) para fazer a viagem.

Floriana Segreto, porta-voz da guarda costeira italiana, disse à cadeia de televisão norte-americana que estes barcos são velhos navios de mercadorias que “já não deveriam navegar no Mediterrâneo”, mas saem de portos na Grécia ou na Turquia, levando a bordo centenas de imigrantes ilegais, que pagam cerca de 6.000 euros por um lugar. Quando chegam a águas italianas, a tripulação envia pedidos de auxílio por satélite, telefona para associações humanitárias ou contacta diretamente a guarda costeira. É nessa altura que os traficantes abandonam o navio, ou se misturam com os imigrantes. Neste último caso, só é possível identificá-los durante os interrogatórios, disse Floriana Segreto.

Na imprensa internacional já se escreve que esta parece ser uma forma de obrigar as autoridades europeias a resgatar as pessoas a bordo dos navios com destino ao continente, contornando assim as restrições da operação Tritão e testando a promessa comunitária, feita em novembro do ano passado, de que ninguém abandonaria imigrantes ilegais em barcos no Mediterrâneo, onde em 2014 morreram mais de 3.000 pessoas. Na altura, o ministro do interior italiano, Angelino Alfano, garantia: “Não voltaremos as costas aos nossos deveres de resgate”.

No fim de outubro, Itália anunciou o fim da operação Mare Nostrum, lançada em outubro de 2013 depois dos dois naufrágios que ocorreram perto de Lampedusa e que provocaram mais de 400 mortos. Esta operação custou ao Estado italiano cerca de 9 milhões de euros por mês e foi substituída, em novembro, pela iniciativa comunitária Tritão, conduzida pela Frontex. Mas a atuação da operação Tritão está limitada a uma área restrita, dispondo de fundos igualmente limitados. O orçamento é de apenas 2,9 milhões de euros, menos de um terço do que o do Mare Nostrum.

Citada pela CNN, Ewa Moncure disse que apesar de os navios desta agência se destinarem à patrulha fronteiriça são obrigados a intervir em situações de resgate.

A Comissão Europeia já reagiu aos dois casos, dizendo que está a acompanhar a situação. “Os resgates do Blue Sky M e do Ezadeen mostram que os traficantes estão a encontrar novas formas de entrar na União Europeia”, disse uma porta-voz da Comissão à AFP. “Para impedir estes acontecimentos e para proteger as vidas dos imigrantes, o combate ao tráfico continuará a ser uma prioridade para a agenda da migração da Comissão Europeia para 2015”, defendeu.

O deputado britânico do Parlamento Europeu Claude Moraes, presidente da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos, disse à BBC que “a operação Tritão não ajuda ninguém”, uma vez que, ao contrário da operação Mare Nostrum, não conta com um sistema judicial soberano. Por essa razão, defendeu, os traficantes não têm tanto receio de atuar.