Novembro de 2014. José Sócrates é detido e presente ao juiz Carlos Alexandre para primeiro interrogatório judicial. É suspeito dos crimes de corrupção, frade fiscal e branqueamento de capitais. O juiz pergunta-lhe quais as suas relações com o Grupo Lena e ele desvaloriza por completo. Responde “não serem mais do que um entre outros grupos económicos”. Esquece-se de um pormenor: um telefonema que o Ministério Público (MP) escutou e em que o ex-primeiro-ministro tenta marcar um encontro entre os administradores do Grupo e um responsável político de Angola. Argumento, ouve-se, eles (administradores do Grupo Lena) são “velhos amigos”, a quem deve “atenções”.

Assim que o juiz o confrontou com esta informação, José Sócrates afirmou que Joaquim Barroca e Antonio Barroca o tinham acompanhado, de facto, numa deslocação a Nova Iorque para aí se encontrarem com o referido responsável político de Angola (leia-se Manuel Domingos Vicente). Essa foi, também, uma das informações que constou numa carta que Sócrates divulgou já depois de estar preso, argumentando que a empresa de Leiria queria entrar no mercado angolano e que apenas fez um telefonam para o ajudar.

Só não conseguiu explicar como é que o seu amigo e empresário Santos Silva, que até 2009 foi administrador do Grupo Lena, construiu um grande acervo financeiro em contas que tinha na Suíça. O empresário viu agora as medidas de coação serem revistas e passou de prisão preventiva a prisão domiciliária com pulseira eletrónica. Parte desse dinheiro foi transferido pelos administradores do Grupo Lena, Joaquim e António Barroca, e os investigadores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal acreditam que terão, depois, ido parar às mãos de Sócrates. Ou seja, terão sido pagamentos de “luvas” em troca de contratos públicos para o Grupo Lena.

Segundo informações enviadas ao Tribunal da Relação, quando este tinha em mãos a decisão sobre Sócrates continuar, ou não, em prisão preventiva, entre 2007 e 2010 (governo de Sócrates) o Grupo Lena conseguiu contratos públicos que lhes renderam mais de 200 milhões de euros. E são esses contratos que estão a ser alvo da investigação que coloca como suspeitos de corrupção o primeiro-ministro, o empresário Santos Silva com ligações ao Grupo Lena e um dos administradores deste grupo de Leiria.

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“Não dispunha a investigação, na data dos interrogatórios, de informação sobre os actos concretos de adjudicação, vantajosos para o dito Grupo Lena, que tenham sido venalmente decididos, mas foi possível identificar e quantificar a sua existência no global, sendo imputada a realização de obra para o Estado, no referido período de 2007 a 2010, superior a 200 milhões de euros – projetos da “Parque Escolar”, do TGV e das parcerias rodoviárias, por exemplo”, lê-se no acórdão da Relação que decidiu manter José Sócrates em prisão preventiva.

O Ministério Público acredita que “tal proximidade” entre Sócrates e o Grupo Lena “veio a gerar reflexos na dimensão dos contratos celebrados por empresas daquele Grupo com o Estado Português”. Ainda assim, logo após a detenção do ex-administrador, Santos Silva, (um dia antes de Sócrates), o Grupo Lena desmentiu em comunicado qualquer ligação.

“O Eng.º Carlos Santos Silva é responsável executivo da empresa XMI – Management & Investments S.A., que não pertence ao Grupo Lena, não havendo qualquer relação jurídica entre as duas empresas. A XMI – Management & Investments S.A. é uma empresa que presta serviços ao Grupo Lena, na área de procurement, essencialmente internacional, que tem acionistas comuns ao Grupo Lena, mas que, reitera-se, não pertence ao Grupo, não tendo este qualquer participação no capital. O Eng.º Carlos Santos Silva não é, deste modo, responsável ou colaborador do Grupo Lena”, dizia então o comunicado do Grupo Lena.

O Grupo Lena, através das construtoras Abrantina e Manuel Rodrigues Gouveia (MRG), foi dos que mais beneficiou com as obras da Parque Escolar – foram 137 milhões de euros. As obras realizadas em várias escolas públicas nas zonas de Portalegre, Felgueiras, Lisboa e Marina Grande, representam quase dois terços dos contratos conseguidos pelo grupo Lena. Também sob mira das autoridades está a concessão  do Baixo Tejo, uma das oito Parcerias Público Privadas (PPP) Rodoviárias lançadas por José Sócrates — ganha por um consórcio liderado pela Brisa, mas do qual o Lena fazia parte.

A empresa participou ainda no agrupamento que venceu a concessão Litoral Oeste, que corresponde às zonas de Leiria, Batalha, Tomar e Alcobaça. De acordo com uma auditoria do Tribunal de Contas, esta foi a PPP que mais lucro gerou às construtoras (13,1%, mais 3% do que a média das restantes PPP).

O MP está ainda a investigar as ligações de Sócrates a uma construtora brasileira – a Odebrecht – ligada ao ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, presente no lançamento do livro de Sócrates. A empresa brasileira Odebrecht detém a Bento Pedroso Construções, que integrou uma série de consórcios que venceram obras públicas durante o governo socialista de Sócrates. Entre essas obras está a construção do TGV entre Poceirão e Caia. Do consórcio fazia também parte o Grupo Lena. As obras acabaram abortadas por Passos Coelho.

De salientar ainda que Manuel Vicente, para quem Sócrates ligou para interceder pelo Grupo Lena, foi presidente da Sonangol – a empresa angolana que juntamente com a brasileira Odebrecht integra a Companhia de Bioenergia de Angola (Biocom).

Outro contrato na mira das autoridades foi o celebrado com o Governo da Venezuela — depois de José Sócrates o ter desbloqueado junto de Hugo Chávez em 2010, durante uma visita oficial com vários empresários e jornalistas. Um dos negócios era o fornecimento de 520 mil computadores Magalhães ao Estado venezuelano. O outro era um acordo de princípio celebrado já há dois anos entre o Governo de Hugo Chávez e o Grupo Lena, mas longe da concretização. Tratava-se da construção de 12 512 casas e duas fábricas de lajes de betão por mais de 998 milhões de euros, uma tábua de salvação na empresa que passou por algumas dificuldades.

Num dos comunicados do Grupo Lena, a construtora negou ter pagado qualquer valor a Santos Silva ou a José Sócrates em troca de favores. O grupo admitiu apenas o pagamento cerca de 3,2 milhões de euros a várias empresas detidas por Santos Silva por serviços prestados, entre 2005 e 2010.

O Observador perguntou ao Grupo, já depois de o administrador Joaquim Barroca ser constituído arguido, se reiterava esta afirmação, se os pagamentos detetados na Suíça tinham sido feitos pela empresa ou a título individual pelos seus administradores e qual a posição do grupo relativamente a Joaquim Barroca, e não obteve qualquer esclarecimento.