Miedo. Que é isso? É ter receio do que aí vem e temer o que possa vir a acontecer. Não ajuda em nada. O medo alimenta-se de tudo e o seu prato preferido é a atenção — quanto mais se pensar nele, mais ele cresce. Agora imagine. Tem um império com três capitais (Viena, Joanesburgo e Kiev), que durante seis anos o sentou no topo do mundo e agora sente que está tudo prestes a ruir. Isto chega para ter medo. Ou não? Se não o fez tremer, junte este pormenor: imagine-se como um jogador da seleção espanhola nesta Copa do Mundo.

E pronto. Talvez fique com o cenário que 11 espanhóis tinham na cabeça quando entraram no Maracanã. Afinal, era o tudo ou nada. Tinha que ganar, ganar e ganar. Ponto. A derrota com a Holanda (o tal maldito 5-1) e a vitória do Chile (3-1) frente à Austrália obrigavam a Espanha a vencer para não deixar fugir os oitavos de final. Afinal, tudo era possível, sobretudo com esta La Roja, a do tiki-taka, a melhor amiga da bola, a devoradora de recordes, a que sufocava tudo e todos desde 2008, quando venceu o Europeu na Áustria e na Suíça.

Só havia um problema — os chilenos não tinham medo. Nunca tiveram. Inspirados ou não pelos ‘seus’ mineiros, a outra La Roja (as seleções, curiosamente, partilham a alcunha) entrou acelerada no Maracanã. Desde o primeiro minuto que os chilenos correram, sprintaram e chateavam qualquer espanhol que tivesse a bola. Vidal fez questão que Xabi Alonso fosse mal educado e se mantivesse de costas para a baliza chilena quando tinha a bola. Díaz tapava David Silva e a bola nunca o via. E Sánchez era tão chato que Ramos e Martínez, os centrais espanhóis, tinham de mandar chutões para a frente.

Os chilenos nem estavam muito organizados, mas pressionavam como uns loucos, sedentos para verem um espanhol perder a bola. Às vezes exageravam, como aos 15 minutos, quando tanta pressão abriu tanto espaço que a bola chegou a Diego Costa. O tal hispano-brasileiro que deixou que um defesa bloqueasse o seu remate e alimentou os ‘búúús’ vindos da bancada. Aos 19’, porém, la présion resultava. Xabi Alonso era desarmado por Sánchez — o espanhol perderia dez bolas até ao intervalo –, que usou a bola para tabelar com Vidal antes de lançar Aránguiz pela direita da área espanhola. De lá o médio cruzou para Eduardo Vargas, que, antes de rematar, se lembrou de dominar a bola e deitar Casillas na relva.

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1-0, e já havia razões para ter medo. Em 119 minutos de Mundial, Iker Casillas ia pela sexta vez buscar uma bola ao fundo da baliza. Era a fiesta chilena. E do Maracanã também — a televisão mostrava adeptos brasileiros, à mistura com chilenos, a celebrarem o golo de Vargas. Culpa de um Diego Costa traidor? Talvez.

No relvado, porém, a sua presença teimava em fazer com que os espanhóis não fossem os espanhóis de sempre. Não havia as dezenas de passes curtos sucessivos, de trocas de posição e não se via o carrossel a girar. O que se notava eram bolas pelo ar, à procura de Diego Costa, o corpo estranho que Vicente del Bosque não conseguiu que se entranhasse nesta Espanha. A torneira do tiki-taka não fluía e a Espanha só reagiria aos 27’, por Diego Costa (vá lá), que rematou a bola à malha lateral da baliza de Claudio Bravo, após um cruzamento de David Silva. Depois, foi sempre a emperrar. Até que o motor pifou quando lhe saltou a peça que, em corridas anteriores, tantas vezes o tinha aguentado — Iker Casillas voltava a errar.

Foi aos 43’, quando o Chile teve um livre à entrada da área. Sánchez, o craque chileno, remata à baliza e o guardião espanhol chega lá. Parecia fácil. Mas Casillas opta por dar um soco na bola e atirá-la para a frente, onde estava Aránguiz, que se despachou a rematar para a baliza. ‘San Iker’, a santidade que tantas vezes justificara a alcunha, cometia o terceiro erro neste Mundial e oferecia o 2-0 aos chilenos. Era o sétimo golo sofrido pela Espanha em 13 remates que os adversários fizeram à sua baliza. Medo, agora sim.

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Intervalo, tempo para pensar. Ou desesperar. A Espanha voltava ao relvado sem Alonso mas com Koke, umas pernas mais jovens. Nada muda. Muita bola pelo ar, desorganização e até passes falhados. Mas que Espanha era esta? Não era a fúria que acabou com um jejum de 44 anos em 2008, quando venceu o Europeu (e o revalidou, em 2012), ou a glutona de passes que não deu hipóteses em 2010, no Mundial da África Sul. Não, nem uma amostra era. E o Chile provava-o. Pressionava, recuperava bolas e abusava da velocidade de Alexis Sánchez no ataque para pregar sustos aos europeus, aos 65’, 68’ e 71 minutos. Os sul-americanos não abrandavam.

Em todos os entretantos da segunda parte, só aos 53’ a Espanha esteve perto, bem perto, de marcar. Mas Sergio Busquets, mais habituado a roubar bolas do que a tranformá-las em golos, rematou ao lado quando estava a meros dois metros da baliza chilena, após um cruzamento (de bicicleta) de Diego Costa. Jogo feito, nada mais. Para os espanhóis, claro. Porque os chilenos não descansaram enquanto o árbitro não soltou o último apito. Quando o fez, el adiós.

E uma série de confirmações. Pela primeira vez a Espanha perde os dois primeiros jogos de um Mundial. Após o Mundial de França, em 1998, volta a ser eliminada da fase de grupos. E até consegue ser imitadora — tal como os gauleses, em 2002, e os italianos, em 2010, o campeão mundial em título despede-se da Copa na primeira fase. Desde 2006 que a La Roja não perdia dois encontros consecutivos.

Há mais. A seleção espanhola antecipou-se a Juan Carlos, o ainda Rei de Espanha que assina a abdicação do trono espanhol para o seu filho Filipe, esta quinta-feira. A La Roja assinou hoje a sua abdicação, o seu adiós, a sua despedida deste Mundial e a interrupção de uma vaga conquistadora que começara em 2008. Só há uma diferença — apenas conhecerá o sucessor no trono da Copa a 13 de julho. E o Chile, com esta equipa, ameaça fazer boa figura quando o Mundial entrar na fase a eliminar. Arturo Vidal já tinha avisado: “Não viemos para meter a Espanha fora, mas para sermos campeões do Mundo.” Ok, mas, para já, conseguiram fazer a primeira parte.

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