Índice

    Índice

O estado da indústria cinematográfica em 2023 assemelha-se, poderá dizer-se, a uma célebre frase de Mark Twain: “Os relatos da minha morte foram manifestamente exagerados”. Com efeito, aqueles que vinham vaticinando a morte das salas num mundo pós-Covid, pós-TikTok, de entretenimentos caseiros e concentração reduzida, terão tido razões de surpresa nos primeiros nove meses de um ano que se tem vindo a revelar de alguma transformação para a indústria.

Vejamos: uma irreverente comédia de ficção científica (Tudo em Todo o Lado ao Mesmo Tempo) dominou os Óscares no início do ano. Antes, João Canijo conquistou um Urso de Prata para Portugal com o seu díptico Mal Viver/Viver Mal. Os valores de bilheteira começam, gradualmente, a aproximar-se dos níveis pré-pandemia, com subidas de espectadores em vários países, Portugal incluído. Crucialmente, o fenómeno não se deve (apenas) à cada vez mais gasta “bolha” dos super-heróis mas a fenómenos como Barbie e Oppenheimer, cujas campanhas virais e natureza de filme-evento levaram milhões de pessoas a acorrer às salas. A produção nacional, com maiores ou menores desafios, também vai conquistando prémios internacionais de relevo e produzindo novas obras com frequência.

Não quer isto dizer que tudo corra de vento em popa. Em Hollywood, a greve dos atores e argumentistas parou a indústria e expôs as desigualdades entre estúdios e plataformas de streaming transformadas em produtoras e distribuidoras, agora comportadas com a ascensão das novas tecnologias de inteligência artificial, que ameaçam alterar radicalmente a forma de fazer cinema.

O que significa tudo isto? Que o cinema não morreu, mas que está a mudar. Sinal de progresso (“as coisas existem no seu tempo”, dizia há pouco tempo o produtor Paulo Branco ao Observador) ou de declínio? No olho da tempestade, raramente é possível saber. Certo é que continuam a existir muitos e bons filmes para ver. Dos grandes estúdios norte-americanos aos independentes, de grandes cineastas franceses, italianos, portugueses ao cinema asiático, dos filmes de animação aos documentários, de grandes nomes a ilustres desconhecidos – a lista que se segue reflete a variedade de filmes para ver em sala (a de cinema ou a de estar), que prometem fazer do fim de 2023 um período vibrante.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“O Sol do Futuro”

De Nanni Moretti (28 de setembro)

Estreada em competição no último Festival de Cannes, a mais recente comédia dramática do multifacetado cineasta italiano encontra-o novamente no papel principal. A arte imita a vida num filme em que Moretti é Giovanni, um realizador de cinema que planeia uma adaptação de um conto de John Cheever, ao mesmo tempo que tenta gerir as tensões conjugais com a mulher, que é também sua produtora. Uma obra metatextual do vencedor da Palma de Ouro (em 2001, com O Quarto do Filho), para ver nas salas portuguesas no final deste mês.

“O Criador”

De Gareth Edwards (28 de setembro)

Um dos mais distintivos realizadores de blockbusters contemporâneos, Gareth Edwards assina aqui o seu primeiro filme desde 2016. O Criador encontra John David Washington numa sociedade futurista e devastada por uma guerra entre humanos e robôs. Quando o protagonista recebe uma missão que pode pôr fim à guerra, é confrontado com uma verdade inesperada que o faz questionar a verdadeira natureza do que é ser-se humano. Uma ficção científica que bebe diretamente de clássicos do género como Blade Runner e Matrix, acrescentando-lhes o cunho visual do realizador britânico.

“Orlando, a minha biografia política”

De Paul B. Preciado (3 de outubro)

Filósofo, escritor, ativista trans, curador de arte. Paul B. Preciado é muitas coisas – e agora, pela mão da BoCA (Bienal de Artes Contemporâneas) é também realizador. Partindo do fundacional Orlando, de Virginia Woolf, Preciado reúne mais de duas dezenas de pessoas trans e não-binárias numa espécie de carta à autora, dando-lhe conta de que a sua personagem, que muda de sexo no romance de 1928, é bem real e iluminando a existência destes “Orlandos contemporâneos”. A sessão de estreia, no âmbito da BoCA, é a 3 de outubro, no Cinema São Jorge.

“Golpe de Sorte”

De Woody Allen (5 de outubro)

O primeiro filme de produção francesa do polémico cineasta norte-americano (que esteve recentemente em Portugal), Golpe de Sorte estreou-se este mês em Veneza e valeu a Woody Allen as melhores críticas em largos anos. Melvil Poupard, Lou de Laâge e Niels Schneider formam um triângulo amoroso neste drama matrimonial, tema habitualmente fértil para as ruminações de Allen sobre a vida e as relações. Chega às salas portuguesas no início de outubro.

“A Sibila”

De Eduardo Brito (12 de outubro)

Um ano depois do centenário de Agustina Bessa Luís, chega-nos esta adaptação do romance da autora, um dos grandes clássicos da literatura portuguesa do século XX. Maria João Pinho é a sibila do título e Joana Ribeiro interpreta a sua sobrinha — duas mulheres de traços vincados e que personificam as divisões geracionais de uma família e, através dela, da sociedade portuguesa de meados do século XX. Eduardo Brito assina a adaptação do livro, com estreia marcada para 12 de outubro.

“Assassinos da Lua das Flores”

De Martin Scorsese (19 de outubro)

Tido por muitos como o maior cineasta vivo, Martin Scorsese regressa em outubro com este neo-western em tons de épico clássico. Juntando pela primeira vez as suas duas grandes musas – Robert De Niro e Leonardo DiCaprio – Scorsese adapta ao cinema o aclamado livro de investigação do jornalista David Graan (editado em Portugal pela Qetzal), expondo uma série de assassinatos sistemáticos, quase genocidas, do povo indígena Osage, herdeiros de terrenos cheios de petróleo, por parte das elites brancas dos Estados Unidos para lhes ficarem com as terras e com o dinheiro. Apontado como um dos principais candidatos aos Óscares, esta história sobre manipulação, morte e a ganância humana do realizador de Taxi Driver, Tudo Bons Rapazes e O Lobo de Wall Street, estreia primeiro nos cinemas nacionais antes de chegar ao serviço de streaming da Apple (que produz o filme).

“Pátria”

De Bruno Gascon (19 de outubro)

Há um contínuo nos filmes de Bruno Gascon. Depois de abordar o tema do tráfico humano em Carga e de recontar a história do desaparecimento de Rui Pedro em Sombra, o realizador e argumentista continua a explorar os dramas sociais do Portugal contemporâneo com Pátria. Tomás Alves (Salgueiro Maia — O Implicado) protagoniza esta “distopia realista”, que imagina um futuro próximo em que Portugal é governado por uma ditadura de extrema-direita, confrontando questões como a xenofobia e a liberdade de expressão.

“Não Sou Nada — The Nothingness Club”

De Edgar Pêra (26 de outubro)

Ao longo de mais de três décadas, Edgar Pêra tem trilhado um caminho singular no cinema nacional. Alheio a convenções, os seus filmes frequentemente tocam o experimentalismo e a abstração, tendência mais uma vez seguida por Não Sou Nada. Esta história surrealista passa-se dentro da cabeça de Fernando Pessoa (Miguel Borges), à medida que este lida com os desafios dos seus muitos heterónimos e com a entrada em cena de uma manifestação da sua amada Ofélia (Victoria Guerra).

“Jeanne du Barry”

De Maïwenn (1 de novembro)

O filme de abertura do Festival de Cannes deste ano chega às salas de cinema portuguesas no primeiro dia do mês de novembro. A cineasta franco-argelina Maïwenn escreve, dirige, produz e fz parte do elenco deste filme de época, que retrata a ascensão de Jeanne, uma rapariga comum, na corte do rei Luís XV (um regressado Johnny Depp), de quem se viria a tornar amante, provocando à época um escândalo social quando se mudou para o Palácio de Versalhes.

“As Marvels”

De Nia DaCosta (9 de novembro)

Se filmes como Guardiões da Galáxia Volume 3 e Homem-Aranha: Através do Aranhaverso podem ser considerados sucessos de bilheteira, a verdade é que o entusiasmo em torno das produções da Marvel tem esmorecido, dando azo à especulação de que o fenómeno dos filmes de super-heróis pode estar em declínio. Para tentar inverter a tendência, a grande aposta do estúdio para o final do ano é a sequela de Captain Marvel. Brie Larson regressa ao papel da super-heroína e, desta vez, tem a seu lado duas personagens do universo das séries da Disney+: Monica Rambeau, intrepertada por Teyonah Parris, e Iman Vellani, que protagonizou Ms. Marvel no serviço de streaming. Ação e aventura em mais um filme da Fase Cinco do universo Marvel, com Nia DaCosta (Candyman) ao volante.

“Não Abras”

De Bishal Dutta (9 de novembro)

Logo depois do Halloween, chega a Portugal esta co-produção da Neon, estúdio responsável por Infinity Pool, de Brandon Cronenberg, que foi o grande destaque da edição deste ano do MotelX. As raízes do projeto remontam à memória da mitologia hindu e da infância do estreante realizador, que emigrou em criança para os Estados Unidos. Megan Suri lidera o elenco de uma assustadora história de demónios e possessões que esconde no seu interior uma alegoria para a assimilação cultural e as heranças familiares dos emigrantes de segunda geração.

“O Assassino”

De David Fincher (10 de novembro)

Depois do desvio familiar que foi o seu Mank, realizado a partir de um guião escrito pelo pai, David Fincher volta a pisar o chão que conhece melhor, em mais um olhar clínico sobre o lado obscuro da natureza e da mente humana. Michael Fassbender é o assassino profissional do título, frio, metódico e calculista, que se vê forçado a confrontar o mundo amoral em que se move quando um dos seus trabalhos corre mal. A produção da Netflix, com quem Fincher mantém há anos uma relação e para quem já realizou, além de Mank, a série criminal Mindhunter, estreia-se em todo o mundo na plataforma a 10 de novembro.

“Master Gardener”

De Paul Schrader (16 de novembro)

Críticos de Paul Schrader ironizam que o cineasta se limita a refazer o mesmo filme uma e outra vez; Admiradores do argumentista de Taxi Driver e Touro Enraivecido e realizador de American Gigolo e No Coração da Escuridão admiram a sua capacidade para dar vida a personagens tão complexas quanto ambíguas. Aqui, Schrader retoma a sua obsessão de sempre, explorando os abismos da mente masculina através de Narvel Roth, um meticuloso jardineiro que tenta lidar com um passado violento em busca da redenção pessoal. Para ver nos cinemas.

“Napoleão”

De Ridley Scott (23 de novembro)

A vida de Napoleão continua a captar a imaginação do cinema, quer pela envergadura do tema, quer pelas famosas dificuldades em adaptá-lo ao grande ecrã. Abel Gance deixou o seu épico do cinema mudo inacabado; Stanley Kubrick também tentou dar vida ao general, falhando. Agora — e numa altura em que Steven Spielberg prepara uma adaptação da versão de Kubrick em formato de série para a Apple TV+ — Ridley Scott, um veterano de épicos de grande escala (está neste momento a rodar a sequela do seu Gladiador) junta-se a Joaquin Phoenix, um dos atores mais aclamados da última década, para trazer ao grande ecrã um retrato biográfico do imperador francês e da sua relação com a mulher, Josephine, aqui interpretada por Vanessa Kirby.

“Wish: O Poder dos Desejos”

Chris Buck e Fawn Veerasunthorn (23 de novembro)

A assinalar 100 anos de existência, a Disney lança a produção inspirada na sua história e sobre esse tão clássico elemento narrativo: desejos que se tornam realidade. Ariana DeBose (Hamilton, West Side Story) empresta a voz no original a Asha, princesa de um reino parcialmente inspirado na Península Ibérica, num filme que mistura o estilo moderno de animação 3D com as técnicas de aguarela dos clássicos do estúdio, naquela que é a grande aposta da Disney para o período natalício.

“Onde Fica Esta Rua? ou Sem Antes Nem Depois”

De João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata (30 de novembro)

Exatamente 60 anos depois da estreia de Os Verdes Anos, a dupla João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata assinam uma obra algures entre o documentário e o filme-ensaio, partindo, apropriadamente, da varanda dos realizadores, de onde se pode ver uma das ruas retratadas no filme de Paulo Rocha. Visitando os diferentes lugares onde esse marco do Novo Cinema Português foi rodado, faz-se uma reflexão sobre a passagem do tempo e as mudanças na paisagem urbana de Lisboa, personagem tão central em Os Verdes Anos, num projeto que conta com a participação de Isabel Ruth, a Ilda do original.

“May December”

De Todd Haynes (30 de novembro)

Todd Haynes realiza e Julianne Moore e Natalie Portman protagonizam este filme, parcialmente baseado no caso verídico de Mary Kay Letourneau — uma professora do ensino básico que na década de 1990 escandalizou a América ao manter um caso amoroso com Vili Fualaau, um aluno seu que na altura tinha apenas 12 anos; mais tarde, os dois viriam a casar e a ter filhos. No filme, Portman é uma atriz que se prepara para interpretar Gracie (versão ficcionada de Letourneau, a cargo de Moore) mas, à medida que a vai estudando, as linhas entre ficção e realidade, entre atriz e sujeito retratado começam a confundir-se e a desvanecer-se. Um filme sobre a natureza da representação e as transgressões e preconceitos societais, que terá estreia em sala em novembro, antes de chegar ao streaming da Netflix.

“Wonka”

De Paul King (14 de dezembro)

Sem a sequela de Dune, a grande produção do ano da Warner Bros. chega aos cinemas portugueses em dezembro, pouco antes do Natal. Tendo como ponto de partida o clássico conto infantil de Roald Dahl, Wonka ignora a adaptação de Tim Burton e Johnny Depp, servindo antes como uma “prequela espiritual” aos eventos do filme original de 1971, com Gene Wilder. Desta feita, é Timothée Chalamet quem dá vida ao excêntrico Willy Wonka, num filme que conta a história dos seus primeiros anos e de como este se tornou num chocolateiro mundialmente conhecido, antes ainda de ter a sua famosa fábrica de chocolate, num filme da equipa criativa por trás dos filmes do urso Paddington.

“Perfect Days”

De Wim Wenders (14 de dezembro)

Um dos mais conceituados cineastas europeus, Wenders assina esta produção japonesa sobre as pequenas belezas do quotidiano, centrado na figura de um empregado de limpeza (Koji Yakusho) das casas de banho públicas de Tóquio. A sua vida, estruturada em torno do trabalho e de prazeres simples – ler, ouvir música, fotografar árvores – dá lugar a encontros inesperados que revelam, pouco a pouco, o seu passado. O filme estreou-se em competição em Cannes e foi escolhido como o representante japonês na categoria de Melhor Filme Internacional nos Óscares do próximo ano.

“A Fuga das Galinhas: Estamos Fritas”

De Sam Fell (15 de dezembro)

Dos estúdios de animação da Aardman, responsáveis por clássicos stop-motion como Wallace e Gromit ou A Ovelha Choné, chega, 23 anos depois, a continuação da história de Ginger, Rocky e amigos. Tendo conseguido escapar da quinta do filme original, o grupo de animais descobre que uma antiga ameaça persiste, e vê-se forçado a ir ao seu encontro, numa nova aventura que deverá chegar à Netflix mesmo antes do final do ano.

“Maestro”

De Bradley Cooper (20 de dezembro)

É uma das grandes apostas da Netflix para o final do ano. Bradley Cooper é o mais recente nome de peso a ser recrutado pela gigante do streaming, que continua a apostar em grandes produções que lhe permitam sonhar com essa baleia branca — o Óscar de Melhor Filme. Cooper, à frente e atrás da câmara, interpreta o célebre músico Leonard Bernstein, um dos mais importantes compositores norte-americanos do século XX, num drama que explora ao longo de décadas a relação deste com a mulher (interpretada por Carey Mulligan) e que poderá muito bem ser um dos principais candidatos às estatuetas douradas no início do próximo ano.

“Em Nome da Terra”

De DK e Hugh Welchman (21 de dezembro)

Seis anos depois do pioneiro A Paixão de Van Gogh, o primeiro filme inteiramente pintado à mão, a dupla polaca DK e Hugh Welchman regressa com mais uma sumptuosa e minuciosa produção animada, baseada no romance de Władysław Reymont, vencedor do Nobel da Literatura em 1924. A história de uma jovem camponesa numa pacata aldeia polaca em finais do século XIX, apanhada entre o amor da sua vida e as regras e padrões sociais da comunidade em que vive, a produção necessitou de mais de 200 mil horas para trazer à vida as pinturas. Para ver nas salas portuguesas em dezembro.

“Aquaman e o Reino Perdido”

De James Wan (21 de dezembro)

A fechar o ano, mais uma aventura da banda desenhada, desta vez da Warner Bros. e da DC Comics. James Wan (n (de franchises como Saw e Velocidade Furiosa) volta a ocupar a cadeira de realizador, e Jason Momoa regressa ao papel do herói aquático, rei da Atlântida, que terá de proteger o seu povo da nova ameaça representada por Black Manta (Yahya Abdul-Mateen II). Esta sequela do filme de 2018 é o último fôlego do universo cinematográfico da DC Comics antes de este voltar à “estaca-zero”, agora com James Gunn – realizador responsável pelos filmes dos Guardiões da Galáxia, para a Marvel – ao comando. Um novo Super-Homem já está na calha para 2025, deixando incerto o futuro do Aquaman de Momoa.