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Gamma-Rapho via Getty Images

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A mistura explosiva de água e lava acordou um monstro nos Capelinhos. A ciência que explica a erupção de 1957 nos Açores

Começou com uma crise sísmica, só terminou mais de um ano depois. A erupção dos Capelinhos emitiu 170 milhões de metros cúbicos de lava e cinzas. O motivo esconde-se nas entranhas da Terra.

Mais de um ano depois de os Capelinhos entrarem em erupção, os mais de 170 milhões de metros cúbicos de material expelido pelo vulcão tinha deixado uma paisagem lunar em pleno Atlântico. A ilha do Faial tinha crescido em 2,4 quilómetros quadrados de cinzas escuras, altamente instáveis, que o mar foi destruindo até sobrarem apenas 0,5 quilómetros quadrados. Outras marcas ficaram para sempre: a queda de cinzas incandescentes aniquilaram quase todos os campos de cultivo, centenas de casas foram soterradas e metade da população abandonou a ilha para os Estados Unidos. Eram 30 mil, os habitantes do Faial. Sobraram 15 mil.

Tudo tinha começado às oito da manhã de 26 de setembro de 1957 quando, a um quilómetro da costa do Faial, uma erupção vulcânica se manifestou junto aos ilhéus dos Capelinhos, em quatro chaminés, todas alinhadas ao longo de 250 metros e a uma profundidade média de 60 metros. Primeiro, a erupção vulcânica manifestou-se apenas pelo borbulhar da água fria em contacto com a lava escaldante, pela emissão de vapor de água e de ácido clorídrico e pela mudança na cor do mar. Não tardou até que o vulcão acordasse de vez.

Os sinais de que as entranhas do planeta se estavam a aproximar da superfície tinham começado doze dias antes, quando uma crise sísmica abalou a ilha do Faial e fez dela o epicentro de mais de 200 abalos com fraca intensidade, nenhum deles avaliados num grau superior a cinco na escala de Mercalli. Os abalos cessaram a 26 de setembro, uma sexta-feira, mas foram substituídos por um tremor contínuo, um rosnar vindo do manto da Terra que viria para ficar durante mais de um ano.

Pouco depois de se ter testemunhado a emissão de vapor de água, dióxido de carbono, sulfatos e dióxido de enxofre, o novo vulcão começou a emitir grandes piroclastos — cinzas vulcânicas misturadas com areia, pó e lapili, assim como pedra-pomes feita de basalto — em jatos pontiagudos com 1.400 metros de altura, compostos por bolbos negros por causa da solidificação da lava; e outros brancos à conta do vapor de água.

Não eram fenómenos estranhos para os Açores, cujo território não só é fruto de erupções vulcânicas como esta como está cravado de cicatrizes destes fenómenos naturais. O arquipélago está assente numa região de interação entre três placas tectónicas, peças da superfície terrestre que flutuam ao sabor do manto: a oeste da Dorsal Mesoatlântica, uma enorme cordilheira que atravessa o Oceano Atlântico de norte a sul, está a placa americana; e a leste dela estão as placas euroasiática (a norte) e núbia, uma secção da placa africana (a sul). Quem o explica é José Carlos Kullberg, presidente da Sociedade Portuguesa de Geologia e professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa.

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Cratera do vulcão dos Capelinhos, que entrou em erupção entre 1957 e 1958.

LightRocket via Getty Images

Ora, enquanto a placa americana se está a afastar das outras duas, a interação entre a euroasiática e a núbia é mais complexa: elas chocam uma na outra junto à costa portuguesa, dando origem ao banco de Gorringe, a cordilheira submarina em que teve origem o terramoto de 1755, mas deslizam ao longo da Falha da Glória quase até chegar aos Açores. Quase porque, a certa altura, a falha sofre um desvio, desdobra-se e abre alas a um planalto triangular na crosta terrestre, precisamente onde ficam os Açores. No meio dessa plataforma, há um rasgão que permite a ascensão de magma — o rifte da Terceira. E, debaixo dela, há uma pluma que vem do manto, empurra os Açores para cima e força a subida do magma através das profundas fissuras abertas no solo.

Foi isso que aconteceu entre 1957 e 1958, num evento descrito em detalhe pelo engenheiro açoriano Frederico Machado, pela equipa do professor Orlando Ribeiro (que protagonizou a primeira missão científica que teve lugar logo nos primeiros dias da erupção) e pelos geólogos ​​George Zbyszwski e Octávio da Veiga Ferreira, que trabalhavam nos antigos Serviços Geológicos de Portugal (hoje, Laboratório Nacional de Energia e Geologia).

É graças às suas descrições, que sobreviveram mais de 60 anos até aos dias de hoje, que se conhece tudo o que aconteceu nos Capelinhos passo a passo. Este foi mesmo o primeiro vulcão submarino a ser estudado por equipas de cientistas, mas uns anos mais tarde, em 1963, outro precisamente com as mesmas características surgiu na Islândia — o Surtsey. Os islandeses patentearam o nome atribuído a este tipo de vulcões primeiro que os portugueses e só por isso é que as erupções como a que existiu nos Capelinhos se chamam surtseyanas, não capelinianas.

Apesar da comparação entre estes dois, o vulcão dos Capelinhos é muito diferente do que está neste momento em erupção na ilha de La Palma. O Cumbre Vieja não surgiu por estar assente no limite entre placas, como os Açores, mas por as ilhas Canárias estarem por cima de um hotspot — uma anomalia no manto terrestre que facilita a ascensão de uma bolsa de magma até muito perto da superfície. Nestes casos, o magma sobe pela câmara magmática de um vulcão central e pode criar fissuras com novas fonte de lava.

Numa das ocasiões, no entanto, ela tomou características diferentes: como o vulcão já estava à superfície, e a água do mar não tinha contacto direto com a fonte de lava, ela começou a escoar pelos flancos. Foi o que aconteceu no dia 16 de dezembro, às 22h30, quando a luz emitida pela lava incadescente pincelou as nuvens com um clarão rosado.

Nos Açores, pouco depois de se ter testemunhado a emissão de vapor de água, dióxido de carbono, sulfatos e dióxido de enxofre, o novo vulcão começou a emitir grandes piroclastos — cinzas vulcânicas misturadas com areia, pó e lapili, assim como pedra-pomes feita de basalto — em jatos pontiagudos com 1.400 metros de altura, compostos por bolbos negros por causa da solidificação da lava; e outros brancos, à conta do vapor de água, que chegava a ultrapassar os quatro quilómetros de altitude. A emissão dessas cinzas era tão abundante que a 10 de outubro, cerca de duas semanas após o início da atividade vulcânica, já se tinha formado uma ilhota com 800 metros de diâmetro, 99 de altura e uma cratera aberta para o mar. Naquele mesmo local, antes da erupção, a profundidade do oceano era de 70 metros.

Estas explosões de cinza aconteceram por causa do contacto da água muito fria com a lava escaldante, descreveu ao Observador o vulcanólogo José Pacheco, diretor do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos. Foi a mistura perfeita: uma quantidade de água entrou em contacto com a mesma quantidade de lava, o magma pulverizou-se a altas velocidades, dando origem a grandes volumes de cinzas. Impregnadas com cloreto de sódio, resultantes desta reação química, as explosões espalharam-se pelo ar e condensaram-se, aumentando as chuvas de cinzas que cobriram o Faial. As culturas ficaram danificadas, algumas povoações tiveram de ser evacuadas e o cone do novo vulcão foi-se erguendo rapidamente à vista dos açorianos.

Até que, no fim de outubro, voltou o sossego ao Faial. O cone do vulcão, feito de material muito instável, sofreu desabamentos parciais e a ilhota em torno da boca por onde saíam os piroclastos voltou a ficar submersa. Mas foi por pouco tempo: no início do mês seguinte, a erupção reativou-se a ponto de criar uma nova ilha a cerca de 100 metros da primeira. O seu crescimento prosseguiu até se formar um istmo que ligava a ilha recém-formada ao Faial, com uma laguna que era alimentada com materiais arrastados pelo mar ou pela areia atirada pelo vulcão. Em dezembro, o istmo tinha 600 metros de largura e a fase explosiva dos Capelinhos, cujo vulcão era constantemente alimentado pela combinação da água do mar com a lava, atingiu um máximo no início desse mesmo mês.

Foi sempre por entre curtos intervalos de acalmia que a erupção prosseguiu até 1958. Numa das ocasiões, no entanto, ela tomou características diferentes: como o vulcão já estava à superfície, e a água do mar não tinha contacto direto com a fonte de lava, ela começou a escoar pelos flancos. Foi o que aconteceu no dia 16 de dezembro, às 22h30, quando a luz emitida pela lava incandescente iluminou as nuvens num clarão rosado. Na região leste do vulcão, abriu-se uma fratura que deu origem a sete repuxos de lava que subiam de 10 a 15 metros de altura. Foi deles que partiu a lava que havia de chegar ao mar.

No final, o cone elevava-se a cerca de 200 metros de altura e já tinha expelido mais de 170 milhões de metros cúbicos de material. Ao longo de todo esse período, a erupção formou um prolongamento da ilha do Faial que chegou a ter 2,4 quilómetros quadrados de área. Atualmente, só sobram 0,5 quilómetros quadrados — o resto foi facilmente erodido e engolido pelas vagas do Atlântico.

No momento em que a lava entrou em contacto com a água do Atlântico, o exterior dos rios incandescentes arrefeceu de forma muito branca e emitiu gases como o vapor de água — o mais abundante de todos, embora também houvesse monóxido de carbono e enxofre. O choque térmico fez com que a lava estalasse, como quando se coloca um copo muito quente em água muito fria, desfragmentando o material e formando cinzas e pequenos piroclastos de vidro. Mas, como a rocha vulcânica tem uma capacidade de isolamento térmico muito grande, o interior continuou quente e fluido e a lava continuou a fluir no seu interior — são as chamadas pillow-lava, escoadas de lava, que no caso dos Capelinhos tinham a mesma morfologia que a pasta de dentes quando extraída do tubo.

Depósitos de enxofre depositados nas rochas junto ao vulcão dos Capelinhos.

Universal Images Group via Getty Images

Até 24 de outubro de 1958, as erupções no vulcão dos Capelinhos foram intercalando entre um estado e outro: embora nunca mais tenha estado completamente submersa, a boca por onde saía a lava entrava de vez em quando em contacto direto com a água do mar, tornando as erupções mais explosivas. Quando a acumulação de cinzas impedia esse contacto, a lava escorria com normalidade do interior do vulcão até ao mar — e então a erupção era sobretudo efusiva; e as explosões aconteciam principalmente quando os rios chegavam à água. A última corrente de lava foi observada a 21 de outubro e, três dias depois, o vulcão emitiu o último jato de fragmentos incandescentes.

E o fim dessa erupção anunciou-se tal como ela havia começado: com uma crise sísmica que durou cerca de 24 horas, ao longo das quais se registaram mais de 450 sismos. Foram 580 até junho. Os abalos provocaram reestruturações na morfologia do cone e atiraram o vulcão para mais uma fase explosiva, com momentos de grande agitação intercalados com intervalos de acalmia. A lava continuou a escoar, mas o vulcão cuspia também piroclastos — incluindo bombas vulcânicas, algumas das maiores estruturas expelidas por um vulcão — que chegavam a atingir velocidades na ordem dos 190 metros por segundo e altitudes de 500 metros. Alguns vieram mesmo a cair a mais de um quilómetro de distância, junto ao farol, enterrando-se depois na areia.

Farol no Faial envolvido pela chuva de cinzas durante a erupção de 1957-1958

Gamma-Rapho via Getty Images

No final, o cone elevava-se a cerca de 200 metros de altura e já tinha expelido mais de 170 milhões de metros cúbicos de material. Ao longo de todo esse período, a erupção formou um prolongamento da ilha do Faial que chegou a ter 2,4 quilómetros quadrados de área. Atualmente, só sobram 0,5 quilómetros quadrados — o resto foi facilmente erodido e engolido pelo mar. A cratera por onde os rios de lava escorriam e as rochas eram cuspidas continua junto às praias do Faial, um testemunho do que aconteceu entre 1957 e 1958.

Dali nunca mais sairá novamente uma nova erupção, garantem os cientistas. Mas alguma surgirá um dia, praticamente sem aviso, noutro canto qualquer dos Açores. A natureza tem deixado claro que a Terra continua viva debaixo dos pés dos açorianos: no fim de 2019, uma crise sísmica voltou a sacudir o Faial, apenas um ano depois de outra ter sido registada em São Miguel. As furnas e fumarolas continuam acordadas — tanto que continuam a servir de fonte de calor para os famosos cozidos açorianos — e são um lembrete do que um dia vai acontecer. Só ninguém sabe quando.

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