794kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

Michaela Jaé Rodriguez foi considerada Melhor Atriz numa série dramática graças à sua interpretação de Blanca Evangelista em “Pose” (que em Portugal faz parte do catálogo da HBO)
i

Michaela Jaé Rodriguez foi considerada Melhor Atriz numa série dramática graças à sua interpretação de Blanca Evangelista em “Pose” (que em Portugal faz parte do catálogo da HBO)

Michaela Jaé Rodriguez foi considerada Melhor Atriz numa série dramática graças à sua interpretação de Blanca Evangelista em “Pose” (que em Portugal faz parte do catálogo da HBO)

"A porta está aberta, agora alcancem as estrelas”: quem é Michaela Jaé Rodriguez, a primeira atriz trans a ganhar um Globo de Ouro

Nasceu rapaz e aos sete anos rezava para ser rapariga. Nessa altura, não imaginava que seria a primeira mulher transgénero a vencer o Globo de Ouro de Melhor Atriz. Esta é a sua história.

Não houve desfile de vestidos na passadeira vermelha e muito menos transmissão na televisão, não houve lágrimas nem vencedores incrédulos à beira de um enfarte, não houve discursos. A cerimónia dos Globos de Ouro (que foram entregues na madrugada de domingo para segunda) passou ao lado de muita gente, foi uma espécie de passagem de ano sem fogo de artifício, um jardim sem sombras ou uma bola de Berlim sem creme. Ainda assim, mesmo que não haja memórias da noite, 9 de janeiro de 2022 será sempre um marco importante no universo do cinema e da televisão. Pela primeira vez, uma mulher transgénero venceu um Globo de Ouro. Michaela Jaé Rodriguez foi considerada Melhor Atriz numa série dramática graças à sua interpretação de Blanca Evangelista em “Pose” (que em Portugal faz parte do catálogo da HBO).

Por não ter acontecido a cerimónia habitual — que costumava, até ao ano passado, ser transmitida em direto no mundo inteiro — Rodriguez não subiu a nenhum palco e não viu o que seria provável: uma plateia levantada a aplaudi-la. Restou-lhe o Instagram para registar o feito histórico.

A publicação de Michaela Jaé Rodriguez no Instagram, depois de ter sido distinguida com um Globo de Ouro

“Ó MEU DEUS! @goldenglobes wow! Estamos a falar de um presente de aniversário incrível [fez 31 anos dois dias antes, a 7 de janeiro]. Obrigada! Esta é a porta que vai abrir a porta para muito mais jovens com muito talento. Vão ver que é mais do que possível. […] Para os meus bebés LGBTQAI ESTAMOS AQUI, a porta está aberta, agora alcancem as estrelas”, escreveu na rede social.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A vitória tem ainda mais impacto se olharmos para as restantes nomeadas na mesma categoria. Jennifer Aniston (“The Morning Show”), Elisabeth Moss (“The Handmaid’s Tale”), Christine Baranski (“The Good Fight”) e Uzo Aduba (“In Treatment”). Apesar de várias nomeações, este é o primeiro Globo de Ouro para “Pose” — primeiro e último, uma vez que a série chegou ao fim em junho de 2021 após três temporadas. No ano passado também foi possível ver Rodriguez no filme “Tick, Tick… Boom!”. Segue-se uma série da Apple TV+ e uma carreira na música que está a descolar. Isso é o futuro. No entanto, interessa também perceber o passado desta mulher transgénero, precursora em inúmeras frentes.

Rezava para ser mulher

Nasceu em 1991, em Newark, Nova Jérsia (EUA), de uma mãe afro-americana e um pai metade porto-riquenho e metade afro-americano. Na ficha da maternidade estava identificada como rapaz, mas aos sete anos rezava para ser uma mulher, embora tenha tentado retrair esse sentimento durante muito tempo. “Cheguei a um ponto em que tentava contentar-me com a pessoa que estava a trair”, recordou numa entrevista de 2016.

“As pessoas estão finalmente a ver a Michaela Jaé como ela realmente é. A MJ amadureceu muito. Transformou-se numa mulher afro-latina forte que continua a lutar contra a corrente para que muitas mulheres trans não sejam rotuladas ou colocadas nesta caixa de como é suposto que atuem, quer seja no mundo ou num ecrã de televisão.”

Aos 14 disse aos pais que era bissexual e o apoio que lhe deram de imediato não mudou desde então. Envolveu-se no mundo da dança da comunidade LGBTQ+ latina e afro-americana, conhecida como ball culture ou drag ball culture. Inscreveu-se numa faculdade em Boston e quando teve de decidir que nome artístico queria usar, escolheu as iniciais MJ. Primeiro porque foi buscá-las a Michaela e a Jaé (Michaela Antonia Jaé Rodriguez); segundo, porque adorava bandas desenhadas e universos de super-heróis e ficou fascinada com a personagem Mary Jane “MJ” Watson, nos comics da Marvel.

Desde 2021 que pede que usem o seu nome completo, Michaela Jaé Rodriguez. “Chamam-me MJ desde criança, por causa do ‘Homem-Aranha’, mas nesta fase da minha vida, ao tornar-me uma mulher adulta, preciso que as pessoas vejam quem está por detrás da Mj”, disse na edição de 17 de novembro da revista The Hollywood Reporter.

Em maio do mesmo ano já tinha explicado a uma publicação de Nova Jérsia, a NJ, que os seus objetivos iam muito além de um reconhecimento pessoal. “As pessoas estão finalmente a ver a Michaela Jaé como ela realmente é. A MJ amadureceu muito. Transformou-se numa mulher afro-latina forte que continua a lutar contra a corrente para que muitas mulheres trans não sejam rotuladas ou colocadas nesta caixa de como é suposto que atuem, quer seja no mundo ou num ecrã de televisão.”

Da transição à explosão com “Pose”

Enquanto estava na faculdade, conseguiu o papel de Angel Dumott no musical “Rent”, um desejo que tinha desde que vira o filme de 2005. A prestação valeu-lhe um prémio em 2011, o Clive Barnes (criado em homenagem ao crítico de teatro inglês com o mesmo nome). O reconhecimento estava lá mas, pessoalmente, Michaela sabia que estava incompleta.

[o trailer de “Pose”:]

“Todas as vezes em que saía pela porta do palco, sentia que faltava uma parte de mim. Desejava que eles [a produção] me vissem como a personagem que estava naquele palco. O cabelo dela [e as roupas]… apenas a viver. E eu não conseguia. Não estou a dizer que a companhia me fez sentir assim. Eu é que me retraía porque sentia que precisava de me encaixar num molde que as pessoas queriam ver”, recordou à revista Playbill em 2016.

Um ano depois, em 2012, quando a produção chegou ao fim, decidiu começar a transição para se tornar mulher. O processo foi longo e durante esse período afastou-se das redes sociais e apenas aceitou pequenas participações em televisão, nas séries “Nurse Jackie”, “The Carrie Diaries” e “Luke Cage”. Nesta última, uma produção da Netflix, já se mostrava como uma atriz transgénero e, em 2016, disse aos seus agentes que não voltaria a fazer audições para papéis masculinos.

“Sempre me senti a mesma pessoa. […] Nunca houve realmente nenhuma mudança, havia apenas uma evolução que tinha de acontecer. Havia um aprimoramento que tinha de acontecer — aprimoramento mental, aprimoramento físico, essas coisas — mas era especificamente para mim, precisava de tempo para mim. Não podia mostrar isso ao público ainda”, contou à revista Playbill.

Depois de mais de seis meses de castings para encontrarem a Blanca Rodriguez perfeita, os produtores de “Pose” (Ryan Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals) viram a interpretação de MJ Rodriguez e não tiveram dúvidas. A atriz juntou-se assim a mais quatro mulheres transgénero em papéis principais, uma decisão inédita numa série.

Quando se sentiu preparada para se assumir publicamente como transgénero, publicou um vídeo no Facebook a cantar o tema “Satisfied”, do musical “Hamilton”. A partilha chegou aos produtores do espetáculo da Broadway, Nova Iorque, e valeu-lhe uma audição para ser Peggy Schuyler/Maria Reynolds.

Seguiram-se várias produções de teatro e um filme independente em 2017. “Saturday Church” e a personagem Ebony garantiram-lhe a nomeação para Melhor Atriz no Festival de Cinema de Tribeca.

No mesmo ano, depois de mais de seis meses de castings para encontrarem a Blanca Rodriguez perfeita, os produtores de “Pose” (Ryan Murphy, Brad Falchuk e Steven Canals) viram a interpretação de MJ Rodriguez e não tiveram dúvidas. A atriz juntou-se assim a mais quatro mulheres transgénero em papéis principais, uma decisão inédita numa série.

A história passa-se em Nova Iorque, na década de 80, e acompanha um grupo de pessoas, sobretudo mulheres transgénero, envolvidas na ball culture, o cenário de dança que já era familiar a Rodriguez desde a adolescência. As críticas à série e à sua personagem foram positivas desde o primeiro episódio. Blanca é HIV positiva e gere uma casa onde acolhe jovens queer abandonados.

A precursora em quase tudo

Foi abrindo caminho em muitas frentes. Em 2019 foi a primeira mulher transgénero nomeada para Melhor Atriz numa série nos Imagen Awards. Em 2021 fez parte de uma campanha da H&M com personalidades trans, foi igualmente a primeira nomeada para um Emmy e foi escolhida pela Advocate como personalidade do ano. Em entrevista à revista, garantiu que perder o Emmy para Olivia Colman (“The Crown”) não foi nenhuma derrota. “Quando lá cheguei e pus os pés na passadeira vermelha, senti que estava finalmente no local onde devia estar. Senti que era desejada e não interessava se vencia ou não. Já tinha ganhado por estar ali.”

ELLE's 27th Annual Women In Hollywood Celebration Presented By Ralph Lauren And Lexus - Inside

Michaela Jaé Rodriguez na gala da Elle dedicada às mulheres de Hollywood, em outubro de 2021

Getty Images for ELLE

A 9 de janeiro de 2022 uma nomeação transformou-se em consagração ao ser considerada Melhor Atriz numa série dramática naqueles que, apesar das recentes polémicas (que incluem dúvidas sobre a legitimidade júri e a reduzida diversidade dos nomeados e vencedores), são os prémios mais importantes da televisão, a par dos Emmys: os Globos de Ouro. “Pose” chegou ao fim após três temporadas, mas a atriz já tem a agenda preenchida para os próximos tempos: uma série da Apple TV+ com Maya Rudolph.

“Succession”, “O Poder do Cão” e a primeira atriz transgénero a ganhar: os vencedores de uns Globos de Ouro que “ninguém” viu

Música, a primeira paixão

Em junho de 2021 editou “Something to Say”, o primeiro single de um álbum de originais que será lançado entretanto. Apesar de a carreira na música estar agora a começar, essa era, na realidade, a grande paixão inicial. A mãe e o tio foram os grandes impulsionadores.

[“Something to Say”, canção de Michaela Jaé Rodriguez:]

“Tocavam música à minha volta a toda a hora, desde Chaka Khan a Luther Vandross, passando por Phyllis Hyman e Gladys Knight — uma série de artistas R&B que ouvia com regularidade”, contou à revista People em agosto de 2021.

Aos cinco anos descobriu Michael Jackson. “Ainda hoje continuo viciada, mas estava tão, tão encantada por ele, não só pela filantropia, mas também pela forma como trabalhava e como vivia a música no palco.” Juntou-lhe depois Tina Turner e Beyoncé. “Comecei a criar uma persona literalmente entre os cinco e os 16 anos. Embora fosse nova e não tivesse realmente espaço para mergulhar na indústria da música, continuei a construir-me e a certificar-me de que conhecia o meu ofício.”

Na escola católica que frequentava, a Queen of Angels Catholic School, começou por representar aos sete anos. A mãe viu talento e vontade e inscreveu-a no New Jersey Performing Arts Center. Entrou aos 11 anos já com o bichinho da música e foi nisso que se concentrou nos sete anos seguintes: canto clássico e R&B. Conseguiu uma bolsa para uma faculdade em Boston, a Berklee College of Music. “Formei-me em composição e especializei-me em performance. Aprendi muito sobre a área da música, conhecendo todos os meandros da indústria.” Só que, entretanto, surgiu “Rent” e a carreira de cantora ficou adiada durante dez anos.

"Durante tanto tempo pensei que não era merecedora de dar amor por ser trans. E agora isso não é uma barreira, não é um bloqueio. As pessoas estão a ver a minha existência, o meu lado humano. O que me dá alegria é o amor que estou a receber por causa do amor que estou a dar."

Não se sentia “merecedora de dar amor”

Michaela Jaé Rodriguez pode agora dedicar-se à música e aos outros projetos que tem em mente. O ciclo de “Pose” ficou fechado com a atribuição do Globo de Ouro (ainda pode ganhar também um Critics’ Choice Award), mas despedir-se desse papel e seguir em frente não foi fácil.

Na última cena que gravou, Blanca e a enfermeira Judy (Sandra Bernhard) conversam e observam vários bebés que esta última ajudou a nascer. “Que linda maneira de sair, a olhar por um vidro para vidas que foram trazidas ao mundo. É o exemplo perfeito do que esta série tem feito a muitas vidas em tempo real”, disse à revista Harper’s Bazaar em junho de 2021.

“Fui-me abaixo. Eles [produção e realizador] fizeram um discurso. Disseram-me para fazer um discurso e eu estava um caco. Era difícil perceber as minhas palavras”, confessou. De novo a chorar ao recordar o projeto, acrescentou: “Durante tanto tempo pensei que não era merecedora de dar amor por ser trans. E agora isso não é uma barreira, não é um bloqueio. As pessoas estão a ver a minha existência, o meu lado humano. O que me dá alegria é o amor que estou a receber por causa do amor que estou a dar”.

Assine o Observador a partir de 0,18€/ dia

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Vivemos tempos interessantes e importantes

Se 1% dos nossos leitores assinasse o Observador, conseguiríamos aumentar ainda mais o nosso investimento no escrutínio dos poderes públicos e na capacidade de explicarmos todas as crises – as nacionais e as internacionais. Hoje como nunca é essencial apoiar o jornalismo independente para estar bem informado. Torne-se assinante a partir de 0,18€/ dia.

Ver planos