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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A vida depois da ModaLisboa: o que é feito das promessas do design português?

Já foram novas promessas da moda nacional, mas o setor cansou-os, frustou-lhes as expectativas e fê-los tomar outros caminhos. Procurámos 5 designers para saber como é a vida depois da ModaLisboa.

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Há cerca de dez anos, foi-lhes atribuída uma responsabilidade. Um acordo tácito em que a moda portuguesa encarregou nomes como White Tent, V!tor, Ricardo Andrez, Lara Torres, aforestdesign e Os Burgueses de lhe trazer frescura, novidade e renovação. No LAB, espaço da ModaLisboa criado para esse segmento de marcas e criadores emergentes, construíram os seus nomes, divulgaram os seus talentos e singularidades, assinaram contratos, firmaram parcerias e deram largas à imaginação, com total liberdade criativa. Para um designer de moda, há poucos momentos (para não dizer nenhuns) comparáveis ao de um desfile. É um jogo de expectativa, adrenalina e descompressão que todos os que fazem ou já fizeram parte de um calendário como o da ModaLisboa já experimentaram.

Mas, conforme chagaram, saíram. Alguns puseram termo às próprias marcas, para desenvolverem outras, para desenhar moda para terceiros ou, simplesmente, para encontrar um caminho alternativo. Enquanto isso, erguer uma marca num mercado com a dimensão de Portugal foi e continua a ser uma tarefa hercúlea, nem sempre ao alcance das mentes criativas. Galgar fronteiras exige investimento, investir depende, quase sempre, de retorno. Um ciclo extenuante que acaba, muita vezes, com uma desistência. Fomos procurar cinco designers portugueses. Alguns chegaram a dar cartas lá fora, outros deram aso a enchentes na sala de desfiles. Depois da ModaLisboa, ficaram as memórias, mas sobretudo a experiência, agora aplicada a novos projetos.

Os Burgueses e a frescura do sangue novo

Há precisamente oito anos, a ModaLisboa chegava à 36ª edição. O LAB, passerelle secundária reservada às linguagens e ao experimentalismos de novos designers e marcas, crescia com duas novas entradas no calendário. Valentim Quaresma, o joalheiro fantástico, e Os Burgueses, dupla composta por Pedro Eleutério e por Mia Lourenço, amigos e ex-colegas do curso de Design de Moda, da Faculdade de Arquitetura de Lisboa. Os lugares já estavam aquecidos. Sara Lamúrias, Lara Torres, Vítor Bastos e Ricardo Andrez eram, então, os benjamins da moda nacional, numa altura em que nomes como Ana Salazar, Maria Gambina e Luís Buchinho ainda engrossavam o programa do fashion weekend lisboeta.

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Mia Lourenço © João Porfírio/Observador

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Os Burgueses chegaram e apresentaram “Nuclear Winter”, o inverno de 2011. No MUDE, o espaço não foi suficiente para toda a gente. Ficou gente na rua, impedida de entrar pela lotação da sala. Pedro e Mia já tinham apresentado outras coleções por conta própria, já tinham caído nas boas graças da imprensa, já tinham um nome. A capacidade de conectar referências artísticas pluridisciplinares com um guarda-roupa real e vestível condenaram-nos, logo aí, ao sucesso certo, ou quase certo. A saga de coleções inspirada no caso Jane Doe chegava ao fim e a atriz Maria Madalena abria o desfile com cinco minutos de performance. Recordando essa tarde, de 13 de março, é fácil entender o fenómeno.

“Na altura em que aparecemos, a moda portuguesa estava a precisar de um refresh. Havia uma necessidade de ver coisas novas. Logo quando aparecemos, na primeira coleção, houve um buzz muito grande. Mesmo assim, quando apresentámos na ModaLisboa, não estávamos a contar com aquilo — tínhamos pessoas à porta. Foi bom, mas, ao mesmo tempo, foi muito assustador. Hoje, acho que o nosso crescimento foi muito repentino”, admite Mia Lourenço, à conversa com o Observador. Pedro Eleutério recorda esse mesmo dia, mas de forma diferente. No vídeo do desfile, mais tarde publicado pela ModaLisboa, a parte da performance tinha sido cortada. “Perguntei-lhes porquê e a resposta foi: ‘As pessoas querem ver roupa, não querem ver performance'”, relembra Pedro. “Foi sempre uma batalha integrar esse lado mais artístico”, conclui.

Pedro vive, atualmente, em Londres. Mudou-se há três anos, em primeiro lugar com o objetivo de estudar. Fez três cursos: nas áreas de direção artística, design de figurinos e cenografia. Desde o início que quis contar histórias, mas o peso financeiro e logístico de ter uma marca, aliado à agenda sazonal da criação de moda para o mercado, nem sempre abonam a favor das mentes criativas. “Aqui sim, posso contar histórias”, exclama. Hoje, é assistente de guarda-roupa no Her Majesty’s Theatre, palco do musical O Fantasma de Ópera. Em cena há 33 anos, tantos como Pedro tem de vida, é o único espetáculo da capital britânica com confeção dentro do próprio teatro, uma sorte acrescida para o designer que começou por vender programas e gelados na mesma sala.

Da esquerda para a direita: imagens de desfiles d'Os Burqueses na ModaLisboa, outono-inverno 2011/12, outono-inverno 2012/13 e primavera-verão 2014 © Rui Vasco/ModaLisboa

“Tenho uma sorte gigante, fazemos tudo. Somos 13 e, durante o espetáculo, há uma espécie de bailado para vestir os atores”, explica Pedro. Como assistente de guarda-roupa, está no meio de duas equipas: a de figurinistas e a de aderecistas. “O desafio começa no simples facto de os tecidos de há 30 anos já não existirem. Temos de perceber como é que criamos o mesmo ambiente, para manter o espetáculo fiel ao original. Também desenvolvemos estruturas mais leves para os atores, trabalho especialmente importante se pensarmos que há figurinos com 11 quilos”, conta ao Observador.

Na semana passada, fez cinco anos que a marca terminou. A data está bem presente para Pedro Eleutério e para Mia Lourenço que, a partir daí, iniciaram percursos separados. A exaustão parece ter levado a dupla à rutura. Mia refere também uma falta de aptidão para montar e manter a estrutura vital à existência de uma marca. O sucesso, como disse, terá sido demasiado repentino, o trabalho de bastidores exigente. Antes de ingressarem no calendário da ModaLisboa, a marca Os Burgueses já era vendida em lojas em Espanha, apesar das poucas compras efetivas. A maioria eram consignações, essa pedra no sapato dos criadores independentes. A isso, juntou-se a crise económica.

“Houve uma desilusão precisamente porque tentámos mudar as coisas. Também pensámos que, indo para a ModaLisboa, as coisas iam melhorar e não melhoraram. Não por falha da ModaLisboa, mas porque a exposição foi maior enquanto o mercado continuou a não ser fácil. E, de repente, tinhas duas pessoas sozinhas a desenhar uma coleção, a fazer a modelagem, a arranjar fornecedores e, ao mesmo tempo, a fazer comercialização, divulgação, marketing, tudo. Éramos os dois a fazer tudo sozinhos”, recorda Mia. “Mas acho que isso tem a ver com um erro de formação. Formares-te em Design de Moda não é formares-te só para ser criador de moda. Quando queres ser um criador de moda independente, precisas de ter um backup comercial e empresarial”, acrescenta a designer.

Os Burgueses existiram e criaram durante cinco anos. Durante esse tempo, passaram por três ateliers, todos em Lisboa. Do cubículo de Alcântara, foram para o espaço ARTinPARK, na Avenida da República. Era uma associação de artistas e designers e foi lá que apresentaram as primeiras coleções, em formato de desfile e noutros. Os últimos tempos foram passados no terceiro e último atelier, em Benfica. Em outubro de 2013, apresentaram a coleção “002 License to Go Bananas” na ModaLisboa. Pedro e Mia ainda não sabiam, mas essa seria a última coleção da marca.

Pedro Eleutério © Chris Brown

Chris Brown

“Não foi pensado, aconteceu, acho que fruto da exaustão. Ao mesmo tempo que entrámos numa altura em que a moda estava a precisar de qualquer coisa nova, também levámos com uma crise logo a seguir. Isso não ajudou. E claro, a exaustão. Apesar de sermos amigos, passávamos quase 24 horas por dia juntos e isso acaba por ser cansativo. Ao mesmo tempo, tínhamos uma empresa para gerir, tínhamos de fazer dinheiro e de pagar contas numa altura em que o dinheiro não entrava. Foi muita coisa ao mesmo tempo. Mas o projeto inicial era dele, foi ele que me convidou. Fazia todo o sentido o Pedro continuar com a marca. Mas disse-me que não, que Os Burgueses éramos nós os dois. Para mim, não dava mais”, recorda Mia Lourenço.

Pedro ainda se refere ao fim da marca como “um choque muito grande”. Na altura, vislumbrou a mesma hipótese sugerida por Mia. Mas muito ao longe. Houve amigos e familiares que tentaram que desse esse passo. Mas, mais uma vez, a questão financeira. “Não estava preparado para começar tudo outra vez. A pressão para fazer uma marca nova era tanta, que não estava a ter espaço para fazer esse luto. Comecei a questionar o sentido da moda na minha vida. Sempre soube que a roupa era para vender, mas percebi que podia fazer com que não fosse só um pedaço de tecido num cabide, que fosse uma forma de passar uma mensagem”, assinala Pedro, que, aos 12 anos, já redesenhava o guarda-roupa de personagens de televisão.

Pedro Eleutério seguiu outro caminho, Mia fez o mesmo. Em 2014, foi convidada para fazer o guarda-roupa de um filme. Não era um território estranho, uma vez que Os Burgueses já tinham assinado duas longas-metragens portuguesas — RPG e Os Gatos Não Têm Vertigens. O convite veio da mesma produtora e, a partir desse, nunca mais parou. Desde então que se divide entre filmes, séries, publicidade e videoclipes. No ano passado, a produção Soldado Milhões levou ao Museu Militar, a pesquisar imagens e tecidos, a recriar fardas militares da Primeira Guerra Mundial de mais de cerca de quatro nacionalidades e a, acima de tudo, a recordar os velhos tempos ao regressar à confeção. Sem saudades dos bastidores de um desfile, Mia soma produções em várias áreas. Construir uma personagem através da roupa é o que lhe dá gozo. “Sempre gostei de fazer cinema, só não sabia. Hoje, sei dizer o que gosto de fazer em moda e não é ter uma marca de roupa”, conclui.

aforestdesign, uma marca em mutação

Ao contrário de todas as marcas e criadores que entraram e saíram do calendário da ModaLisboa, esta continua viva e pelas mesmas mãos que, em 2003, a registaram como aforestdesign (assim, tudo junto). A criativa em questão é Sara Lamúrias, a quem bastou organizar um desfile, ainda na escola secundária, para perceber que a moda era mesmo o caminho mais viável. Concluiu o curso na Faculdade de Arquitetura de Lisboa e voou para Berlim para estagiar na Bless. No regresso a Lisboa, criou a própria marca. Um caso de sucesso, com vendas para vários países da Europa e para o Japão. Só em Portugal é que o fenómeno foi comercialmente mais tímido.

“Desinteressei-me muito cedo de vender em Portugal”, admite Sara ao Observador. O sistema de consignação era um constante contratempo. “Deixava-me numa situação muito precária, os pagamentos demoravam e, muitas vezes, a roupa envelhecia nas lojas”, completa. Em 2005, o telefone tocou. Era Eduarda Abbondanza, presidente da Associação ModaLisboa, a convidar Sara para integrar a plataforma LAB. Mas primeiro, quis ver o que a designer tinha em mente para a estação seguinte. “Era uma edição de camisolas tricotadas e eu ainda só tinha seis desenhadas”, conta. Foi na mesma e mostrou o que tinha. “Tens de ter 15 coordenados”, ouviu. A aforestdesign ficou a meio caminho e estreou-se numa passerelle, três semanas depois, com nove looks.

Desfile de aforestdesign primavera-verão 2011 © Rui Vasco/ModaLisboa

Luis Manuel Neves / Global Imagens

Voltou a Berlim e viajou até Barcelona para apresentar coleções na Bread & Butter, uma importante feira do setor. Os anos passaram, a aforestdesign fez sucesso, mas algo começou a fraquejar. A capacidade de investimento não foi proporcional e a estrutura da marca, ou seja, Sara e as fábricas com que trabalhava, cedeu. Em 2011, decidiu parar, mas não fechar a marca. Um ano antes, tinha iniciado uma parceria com a Burel e foi aí que começou a perceber qual era, de facto, a sua praia: o slow design, as matérias-primas regionais e a manufatura. Uma das muitas peças que desenvolveu, a Hoodie Backpack, continua a ser vendida nos quatro cantos do mundo.

“O bichinho ficou cá, basta ir ver um desfile. Mas está resolvido e bem resolvido”, explica. Em 2014, um novo projeto: o Capelista. Através deste estúdio de design, criado em dupla com Pedro Noronha-Feio, começou a desenhar coleções de vestuário e de acessórios para outras marcas, fardas e a dar apoio a produções de pequena e média escala. A família cresceu e, há dois anos, o casal deitou mãos a outra empreitada. A Pecegueiro & Filhos foi uma entrada a pés juntos no universo da moda infantil. Com toda a produção em Portugal e sem depender de exportações, o negócio de família já tem duas lojas em Lisboa, uma em Campo de Ourique, outra no Príncipe Real. Mais do que uma passerelle, para Sara, o importante é ver a roupa na rua. Razão pela qual a aforestdesign está apenas adormecida. E, como tudo o que dorme, pode sempre acordar um dia.

White Tent: a história que começou e acabou em casamento

As histórias de Sara e de Pedro, designer do trio (e mais tarde duo) White Tent, cruzam-se no LAB. À conta deste encontro feliz, ambos brincam até hoje com o termo “casamenteira” quando se referem à presidente da ModaLisboa, Eduarda Abbondanza. Em outubro de 2007, o coletivo teve a sua estreia, curiosamente naquela que foi a primeira edição da semana da moda lisboeta na Cidadela de Cascais. “Não nos ligámos nenhuma”, admite Pedro, ao referir-se à primeira reunião em que se cruzaram, ainda nesse ano. Foi preciso esperar até 2009, para ver a empatia a crescer. Na altura, a plataforma LAB quis afirmar-se dentro do evento e, para isso, criou um jornal. Participaram os White Tent e a aforestdesign, mas também Lara Torres, Vítor Bastos e Ricardo Andrez.

Sara Lamúrias e Pedro Noronha-Feio na loja da Pecegueiro & Filhos, no Príncipe Real, em Lisboa © João Porfírio/Observador

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

As duas histórias passaram a ser uma só a partir de 2013, ano em que Pedro Noronha-Feio deixa a White Tent, ficando a marca na posse de Evgenia Tabakova, sócia e cunhada do criador. A separação marcaria o último desfile de uma marca que, em 2009, tinha atraído as atenções de um investidor português. Nesse momento, o negócio ganhou pujança e internacionalizou-se, chegando mesmo a estar representado num showroom em Londres e a chegar a plataformas como a Asos.

Pedro era, já na altura, um designer com uma experiência vasta. Depois de se licenciar no London College of Fashion, voltou para Portugal e estagiou durante dois anos no atelier de Lidija Kolovrat. Desbravou os bastidores da ModaLisboa assim. Sem hesitar, avançou para a casa seguinte: a indústria. Durante anos, desenhou para a Lanidor, mesmo quando já tinha a própria marca em marcha. “Eram coleções desenhadas em horário pós-laboral”, brinca, ao referir-se ao trabalho para a White Tent. Aí, o ambiente era qualquer coisa de familiar. O terceiro elemento era Ei Ei Kyaw, mulher de Pedro na altura. Com a sua saída, o trio passou a duo.

Primavera-verão 2014, o último desfile da White Tent na ModaLisboa © Rui Vasco/ModaLisboa

Rui Vasco ModaLisboa

“Começar pequeno é fundamental para as marcas perceberem qual é o seu caminho de sustentabilidade. Senão, vão ser uma prisão”, reflete Pedro. Um desfile é, por natureza, o grande momento de gáudio de um designer de moda. Ainda assim, quando falamos de marcas independentes, o foco não pode estar aí. “Não podes trabalhar só para aquilo. Por detrás disso, tens de trabalhar nas vendas”, conclui. Pedro e Sara estiveram bem cientes disso quando, há precisamente dois anos, criaram a Pecegueiro & Filhos. Ambos tinham experiência a lidar com a indústria e ambos sabiam que não tinham de espalhar uma marca pelos quatro cantos do mundo para a fazer vingar. Casaram, tiveram filhos e isso também lhes abriu os horizontes para outros campos da moda e do vestuário. Abrandaram, mas não esqueceram o que é estar nos bastidores de uma passerelle. “Não vale a pena tentar falar com um designer antes do desfile, eu não ouvia nada. Só descomprimes quando entra a primeira manequim. Aí sim, é o melhor momento”, recorda Pedro.

Vítor, o experimentalista

Dizer que Vítor Bastos conseguiu um lugar no calendário da ModaLisboa pela via da insistência seria injusto. Injusto, mas com um quê de verdade. Aos 18 anos, veio do Brasil para Portugal e começou logo aí ambientar-se aos meandros da moda nacional. Trabalhou na Eusébio Rodrigues, empresa ligada à produção da ModaLisboa, mas também do Portugal Fashion, foi aderecista, estudou no antigo Citex (agora Modatex) e enviou um extenso rol de e-mails a Eduarda Abbondanza. O bombardeamento sortiu efeito em 2009 e Vítor foi convidado a integrar as performances da Workstation, programa paralelo ao calendário de desfiles. O formato foi, no mínimo, diferente. “Levei um frigorífico do Porto para Lisboa e enchi-o de garrafas de cerveja. Os rótulos diziam “Filho Bastardo”. Chamei amigos com bandas para tocarem no final de cada desfile e eles é que vestiam as minhas peças. Estavas na Cidadela de Cascais, mesmo ao lado de uns escritório. Queriam matar-me”, recorda hoje.

Vítor Bastos © Emilie Jensen

Emilie Jensen

Vítor fez barulho e foi convidado, na edição seguinte, para fazer um desfile. Aí, converteu o seu próprio nome em marca e, já sob a identidade de V!tor, deu continuidade ao trabalho iniciado na estação anterior. É que nem as garrafas de cerveja faltaram. “Foi caótico. Havia pedaços da minha cara estampados nas peças, cocktails molotov em tricot e um casaco, usado pelo Luís Borges no desfile, todo feito de garrafas de vidro. Tudo porque tinha lido um artigo no The Guardian sobre o início da crise na Grécia — eu era muito político na altura. Então, a coleção, que se chamava “Watch the Greek”, era uma chamada de atenção para Portugal. Aliás, depois acabou por chegar cá também”, explica.

O storytelling sempre fez parte do processo criativo de Vítor Bastos, visto, de alguma forma, como o mais artístico dos designers do LAB de há dez anos. “A ModaLisboa concede-te um lugar com base na tua criatividade e isso é brilhante. São poucas as fashion weeks que te pagam as modelos e o espaço”, reconhece hoje. Da criatividade à flor da pele, Vítor partiu para a construção de um modelo de negócio, embora este não estivesse propriamente ligado à sua marca. Com o encerramento de muitas fábricas, sobretudo no Norte do país, surgiram, um pouco por toda a região, confeções de garagem. O designer detetou a oportunidade e começou a fazer a ponte entre algumas delas e marcas sediadas em Paris e em Berlim. “Durou duas ou três estações, não dava para segurar duas empresas”, admite hoje.

A partir daí, a atitude comercial ficou lá. Começou a colaborar com a Adidas, fez uma coleção com a Bic. No fundo, Vítor testava possibilidades e explorava vários registos. Outono-inverno 2013/14 foi a sua última coleção na ModaLisboa, que entretanto já tinha regressado ao Pátio da Galé. “Era um one man show e isso, em Portugal, não funciona”, afirma. Refere a falta de competências para erguer e gerir a estrutura financeira que uma marca precisa, embora tenha sido a inquietude própria de um designer nómada a motivar a saída da ModaLisboa (e de Portugal) e o fim da marca. Como o próprio diz: “Canso-me dos ciclos”. “Estava cansado e essa ligação ao trabalho pelo prazer é muito legal, mas só no início dos 20”, afirma.

Atualmente, Vítor Bastos vive em Portland, nos Estados Unidos, mas até lá chegar já deu muitas voltas. Em 2013, rumou a Barcelona. Esteve numa empresa de design de interiores, desenhou móveis, trabalhou como designer gráfico e até deu aulas de tricot a mulheres árabes recém-chegadas ao país. Esteve lá dois anos e, aos 28, voltou para o Brasil. “Descobri que não era nenhuma rockstar porque estava vivo. Se fosse, tinha morrido aos 27. Fui procurar um emprego normal, normal na minha perspetiva de se ser maduro. Comecei a trabalhar para a Adidas e foi a melhor coisa que me aconteceu. Era ter quase a liberdade total, como tinha na minha marca, mas com mais dinheiro”, relembra.

Da esquerda para a direita: imagens de desfiles de V!tor na ModaLisboa, primavera-verão 2010, primavera verão 2012 e outono-inverno 2013/14 © Rui Vasco/ModaLisboa

Rui Vasco ModaLisboa

“Mas a economia brasileira deixou de ser a estrelinha da América Latina”, refere. Após os Jogos Olímpicos de 2016, a multinacional seguiu o caminho de muitas outras e deixou o país. Aí, Vítor ficou com duas opções — Alemanha ou Estados Unidos. Em agosto de 2017, mudou-se para Portland e percebeu a verdadeira dimensão da máquina Adidas. Diz que viu outro lado da indústria, uma estrutura “velha” numa era marcada pela preocupação com o lifestyle e o bem-estar. “Além disso, se estudaste fora dos Estados Unidos, não conta”, adiciona. Conseguiu uma bolsa e fixou-se na cidade, mas para estudar design de sistemas e design colaborativo. “Quero ficar um tempo aqui, ainda não alcancei o que vim fazer: afetar o sistema e preparar as grandes empresas para o futuro”.

Vítor preteriu o produto para abraçar o processo, daí que hoje se imagine, a longo prazo, a ter uma escola e não uma nova marca. Fala desse trajeto como um caminho sem retorno e no qual a ModaLisboa teve a sua responsabilidade. “O facto de, hoje, ser incapaz de trabalhar só para fazer produto é porque a ModaLisboa me ensinou a trabalhar em 360 graus. Isso reflete-se em mim até agora. Deixaram-me brincar muito, foi essencial porque era a altura para isso”, completa. Sinceridade acima de tudo: Vítor nunca foi muito bom a acompanhar semanas da moda à distância e a portuguesa não é exceção. Guarda lembranças dos colegas — Lara Torres, Ricardo Andrez e da dupla Marques’Almeida — e diz que gosta muito do trabalho de David Ferreira. A comida também entra na equação. Em Portland, até já fez bacalhau à brás.

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