“Acordei às 6h da manhã e não consegui dormir mais, andei às voltas na cama até às 8h, estou muito ansiosa”, confessa Sara Dias, professora do primeiro ciclo, ao sair de sua casa, na Maia. Apanha boleia do Observador até à Escola Básica António Aroso, no Porto, local onde irá tomar a primeira dose da vacina AstraZeneca contra a Covid-19, pelas 11h15.
Nos 15 minutos de caminho, a professora de 28 anos conta que sempre quis trabalhar com crianças. “Queria ser professora ou médica pediátrica, algo ligado com os mais pequenos. Acho que o facto de ter uma irmã mais nova 9 anos aguçou essa vontade e adorava o papel dos monitores nos campos de férias que fazia.”
Tirou o curso no Porto e especializou-se no ensino especial, um aspeto que a tem diferenciado e valorizado. “Comecei por trabalhar em centros de estudos e em lojas de roupa, depois fui professora em colégios privados, mas sempre em regime de substituição de outras colegas.”
Em setembro de 2020, já em plena pandemia, Sara Dias chegou ao Colégio O Chupetão, no Porto, e atualmente coordena uma turma de 16 crianças no primeiro ano, onde uma é autista. “No início foi estranho porque eles não me conheciam sem a máscara, a primeira vez que me afastei e a tirei a reação deles foi muito engraçada, disseram que nunca tinha visto uma professora tão bonita.”
Dois meses depois, uma aluna testou positivo e todos foram para casa em isolamento profilático, obrigando-a a experimentar pela primeira vez o ensino online. “Foi um desafio, mas correu melhor do que eu esperava. Baseei-me muito em jogos e utilizei a dança para os manter concentrados, mas nada substitui o toque e as aulas presenciais.”
O contacto físico parece ser mesmo o mais difícil de gerir nesta fase. “Não vou dizer que não dou abraços, porque lhes dou. Estamos a falar de crianças com cinco e seis anos, que precisam desse colo e desse carinho. Por vezes estou a corrigir trabalhos, dou-lhes liberdade para eles se levantarem e veem logo ter comigo, dão-me a mão, abraçam-se às minhas pernas e falam bastante da família e da falta que lhes fazem os avós.”
Em janeiro, voltou a dar aulas à distância, por imposição do novo confinamento, e deparou-se com a turma mais cansada e a sentir mais dificuldades na aprendizagem, ainda assim, garante que espera por dias melhores. “Até hoje não tivemos muitos sustos no colégio, mas já tive que fazer uns seis testes.”
A professora primária confessa já ter tido “mais medo do vírus”, recorda que em março tinha mais cuidados e até chegou a enviar uma reclamação para o Metro do Porto. “Desinfetava as compras e tirava a roupa toda quando acabava as aulas, neste momento, sou sincera, não tenho tantas preocupações, mas continuo atenta. Ando de metro diariamente e em março do ano passado sentia que as carruagens eram poucas e estavam sempre cheias. Enviei uma reclamação para o Metro do Porto a pedir mais veículos e mais frequência entre eles.”
A vacina que ponderou não tomar, o receio das alergias e o medo das agulhas
Há duas semanas, Sara Dias soube pela direção do Colégio que iria ser vacinada, algo que gostaria que tivesse acontecido mais cedo. “Já devíamos ter sido há mais tempo, parecendo que não, estamos todos os dias com mais de 40 famílias, pois sabemos que os miúdos estão com pais, tios e primos. Somos um grupo de risco e as escolas são um foco de contágio, caso contrário nunca teriam fechado e os números não teriam diminuindo tanto.”
Quando recebeu a notícia, diz ter sentido um misto de ansiedade e felicidade. “Fiquei muito ansiosa e com algum receio porque tenho alergias ao pó e aos pólenes e surgiram notícias de enfermeiros que eram alérgicos e que ao tomar vacina tiveram algumas reações. Há uns quatro anos tive uma reação alérgica grave, fiquei com falta de ar, tive que ir mesmo ao hospital e hoje ando com aquelas ‘bombas’ respiratórias para usar em casos de urgência.”
Outra das preocupações que se seguiram foi a marca da vacina que iria ser administrada aos professores, a AstraZeneca. “Na altura em que soubemos que íamos ser vacinados com esta, percebemos que ela já estava suspensa em alguns países e, entre colegas, até ponderamos recusar a toma. Depois informámo-nos e, apesar de tudo isto ser uma novidade para todos, temos que confiar. O meu pai é cardíaco, tomou ontem esta mesma vacina e até agora tem estado bem.”
Sara Dias também não é “grande fã” de agulhas, por isso a ansiedade continua a deixá-la irrequieta no banco do carro. “Tirar sangue é um martírio para mim, mas vou confiante, tenho que pensar que vai tudo correr bem, não posso pensar muito nas reações adversas. Acho que hoje poderei ir para casa mais descansada e espero que a partir de agora consiga ter uma vida mais normal.”
E eis que a GNR interrompe o trajeto para verificar o destino e o motivo da viagem. Sara apressa-se a tirar o telemóvel da carteira que leva a tiracolo para mostrar as mensagens recebidas que provam a data e hora do seu momento de vacinação.
“Disseram-nos que quarta-feira iríamos receber uma SMS com informações, na verdade passei o dia atenta ao telemóvel, mas só às 2h da manhã é que recebi. Acordei sobressaltada e respondi com o meu número de utente, depois responderam com a morada do nosso posto de vacinação e a hora marcada. Ainda bem que vim de manhã, assim fico já despachada.”
A professora é uma das primeiras do colégio a ser vacinada e por essa razão ainda não falou com nenhuma colega que tenha passado pela experiência. Além de não se esquecer do telemóvel e do cartão do cidadão, confessa que antes de sair de casa teve que pensar bem na roupa que iria usar, tudo para que a vacinação “fosse o mais rápida possível”. “Escolhi um vestido de manga curta, para ser mais prático, e como é de manhã e está sempre mais frio vesti um casaco de malha.”
A grávida que chorou, as colegas da faculdade e o esquecimento de informar a mãe
Chegada ao destino, uns minutos antes da hora marcada, Sara Dias segue as setas do centro de vacinação. Na fila estão três pessoas à sua frente, mas tudo anda a um bom ritmo. À porta, um segurança mede-lhe a febre e dá-lhe uma ficha para preencher com os dados pessoais e perguntas, como a existência de doenças crónicas ou se já teve contacto com pessoas infetadas com a Covid-19. Papel preenchido e caneta devolvida, é hora de aguardar uns minutos antes de ser chamada para um dos gabinetes de vacinação.
Sentada na sala de espera, a professora repara numa mulher bastante nervosa que está chorar. Uma enfermeira chama a médica de serviço para verificar se ela deve ou não ser vacinada, uma vez que está grávida. Pouco tempo depois, Sara reencontra algumas colegas de faculdade, que também aguardam pela sua vez, as palavras são breves, pois as atenções já estão concentradas na agulha que em breve lhe vai parar ao braço.
Quando entra no gabinete, partilha com a enfermeira que tem algumas alergias que não constam no questionário que preencheu, mas nada que a impeça de ser vacinada, por isso desaperta o casaco e estica o braço esquerdo, aquele que não usa para escrever.
“A primeira dose está tomada, a segunda será agendada a partir do dia 19 julho, agora só tem de esperar 30 minutos na sala de recobro.” Sara Dias dirige-se a essa outra sala, onde dá o nome a um segurança que começa a contar o tempo. “A ansiedade passou, agora estou tranquila, não doeu nada. Disseram que poderia ficar febril, cansada e com sintomas de constipação e recomendaram tomar Ben-u-ron. Se o braço doer ou inchar, devo colocar gelo, e caso tiver sintomas mais graves, devo chamar logo o INEM.”
Se uns aproveitam o tempo do recobro para ler um capítulo de um livro, outros aproveitam para passar os olhos pelo jornal, já a professora prefere trocar mensagens com as colegas do Colégio, que já estão a fazer tempo até chegar a sua vez, e partilhar a sua experiência. “Tenho uma colega que está super nervosa, disse-lhe para vir mais cedo e para estar tranquila.” No meio dos diálogos que apelam à calma e à paciência, Sara esquece-se de avisar a mãe que já levou a vacina e é surpreendia com uma mensagem a perguntar se estava tudo bem.
Sem muita fome, mas com vontade de voltar para casa, Sara Dias trata de chamar um Uber para regressar à Maia. “Não tenho carta de condução, mas quero tirá-la. Aos 18 anos estive a tentar, mas mudaram-me o instrutor e o carro e isso desmotivou-me bastante. É a minha segunda prioridade, a primeira era arranjar um emprego e isso já consegui.” Durante a tarde, a professora vai dedicar-se a preparar avaliações, tão típicas no final do período letivo, e aproveitar o bom tempo para dar andar a pé. “Costumo dar explicações ao sábado de manhã, mas tive que adiar para amanhã. Foi por uma boa causa.”