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SAUL LOEB/AFP/Getty Images

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Afastada a nuvem negra da Rússia, vem aí a vingança de Donald Trump?

Na antecipação ao relatório de Mueller, Trump calou-se e mal foi ao Twitter. Agora que se sabe que não há provas de conluio, está na mó de cima. O que se segue? Provavelmente, vingança.

Donald Trump nem sequer foi ao Twitter. Este fim-de-semana, era essa a medida da tensão que pairou pelos ares de Washington D.C. — e do resort de Mar-a-Lago, na Flórida, para onde Donald Trump se retirou na sexta-feira à noite — enquanto se esperava pelo anúncio do procurador-geral dos EUA, William Barr, que recebeu na sexta-feira à tarde o relatório da investigação do procurador especial Robert Mueller sobre o alegado conluio entre a campanha republicana de 2016 e a Rússia.

Desde que, na sexta-feira, soou a notícia de que o relatório já tinha saído das mãos de Mueller, Trump adotou um silêncio sepulcral. Durante todo o dia de sábado, o Presidente dos EUA não twittou de todo. Mais do que estranho, é uma raridade. Em pouco mais do que dois anos e seis meses na Casa Branca, Donald Trump já ali fez praticamente 7 mil posts. Feitas as contas, dá uma média de quase 9 tweets por dia.

No domingo, quebrou o silêncio, mas com mensagens aparentemente inofensivas: um “Fazer a América Grande Outra Vez” do costume e, depois, um cordial “Bom dia! Tenham um ótimo dia”. Depois, silêncio de novo.

Até que o tal “ótimo dia” que Donald Trump desejou aos seus seguidores no Twitter se tornou possivelmente no seu melhor dia à frente da Casa Branca: o dia em que, depois de 22 meses desde o início da investigação de Robert Mueller, os resultados foram publicamente anunciados pelo procurador-geral dos EUA.

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Ao contrário do que é costume, Donald Trump passou o sábado sem escrever no Twitter (Chip Somodevilla/Getty Images)

Chip Somodevilla/Getty Images

Tudo isto porque, no relatório original, conforme citado por William Barr, se lê a seguinte frase: “A investigação não determinou que membros da campanha de Trump conspiraram ou se coordenaram com o governo russo nas suas atividades de interferências com as eleições [presidenciais de 2016]”.

O relatório tinha ainda uma menção às suspeitas de obstrução à Justiça por parte de Donald Trump, com o procurador especial Robert Mueller a não conseguir chegar a uma conclusão final sobre este dossier. “Embora este relatório não conclua que o Presidente cometeu um crime, também não o exonera”, lê-se noutra citação que William Barr faz no relatório, até agora de acesso restrito. Com essa dúvida no ar, porém, o procurador-geral logo a abate umas linhas à frente com a sua própria avaliação do caso. “As provas desenvolvidas durante a investigação extraordinária não são suficientes para determinar que o Presidente cometeu o crime de obstrução à justiça”, escreveu.

Foi o que bastou para o fim do silêncio de Trump. Nos corredores de Washington D.C. — ou, pelo menos, naqueles que estão com o Presidente — e nos campos de golfe de Mar-a-Lago já se podia respirar. “Não há conluio, não há obstrução, EXONERAÇÃO total e completa. MANTENHAM A AMÉRICA GRANDE!”.

Nas 24 horas que se seguiram ao anúncio da conclusão do relatório de Robert Mueller, Donald Trump tuítou dez vezes. A média diária já está, por isso, a ser reposta. No fundo, voltou tudo à normalidade. Sem os céus encobertos pelas nuvens do suposto conluio da sua campanha com a Rússia, o presidente norte-americano prepara-se para a segunda parte do seu mandato. Com conciliação ou com vingança?

Na mó de cima, Donald Trump contra-ataca

“Donald Trump está a reclamar uma vitória total e completa, além de uma exoneração em toda a linha, mesmo que o relatório diga precisamente que não o exonera. Mas, como já é hábito dele, suspeito que a partir de agora ele vai canalizar todas as suas energias para se vingar de quem esteve até agora contra ele”, diz ao Observador Geoffrey Kabaservice, diretor de estudos políticos do think tank Niskanen Center, de orientação conservadora, mas crítico do Presidente dos EUA.

No domingo, depois de William Barr ter publicado a sua conclusão, Trump já tinha deixado provas de que era essa a sua linha de pensamento. Em declarações aos media, feitas momentos antes de embarcar no Air Force One de volta para Washington D.C., o Presidente dos EUA disse que era “uma vergonha” que o país tivesse passado por este caso.” E completou com uma previsão dos passos a dar daqui em diante: “Isto foi um ataque ilegal que falhou e eu espero que alguém comece a olhar para o outro lado”.

Esse alguém pode muito bem chamar-se Lindsay Graham. O senador republicano da Carolina do Sul, homem próximo de Trump, com o qual até jogou golfe no domingo de manhã, deu uma conferência de imprensa esta segunda-feira onde falou de um virar de página nas investigações. Agora, é a vez de investigar os democratas, disse.

“Uma investigação de contra-inteligência serve para proteger a entidade visada por um poder estrangeiro”, disse. “Ainda não percebi de todo como é que ninguém foi ter com o Presidente Trump para lhe contar”, acrescentou o senador, aludindo ao facto de os serviços de informação dos EUA terem começado a investigar o caso da interferência (e não do alegado conluio da campanha republicana) sem o conhecimento de Donald Trump, ainda antes das eleições de 8 de novembro de 2016.

“Será que isto era um esquema para entrar na campanha de Trump?”, perguntou Lindsey Graham, numa menção velada ao Partido Democrata, à altura no poder, com Barack Obama na presidência. “Não sei, mas vou tentar descobrir, acrescentou, deixando assim como certa a abertura de uma sessão de inquérito no Senado (onde os republicanos ainda são a maioria) a esta questão.

"Uma investigação de contra-inteligência serve para proteger a entidade visada por um poder estrangeiro (...). Ainda não percebi de todo como é que ninguém foi ter com o Presidente Trump para lhe contar (...). Será que isto era um esquema para entrar na campanha de Trump (...). Não sei, mas vou tentar descobrir."
Lindsey Graham, senador republicano pela Carolina do Sul

Os detalhes na investigação de Robert Mueller são ainda desconhecidos, uma vez que o relatório está apenas nas mãos da Procuradoria-Geral e é a esta que cabe a decisão final de divulgá-lo total ou parcialmente. Por isso, não é certo ainda que se o relatório seja tão benévolo para o Presidente quanto William Barr o pinta. O facto de o procurador-geral ter sido nomeado por Donald Trump — ainda para mais, depois de este ter escrito de forma voluntária um memorando com 19 páginas onde argumentava a inocência do Presidente quanto ao crime de obstrução à justiça — deixa ainda algumas nuvens no ar.

É pelo menos para aí que aponta o politólogo Hans Noel, professor na Georgetown University, em Washington D.C. “Ainda há muitas nuvens no ar para Donald Trump. É evidente que, independentemente do resultado do relatório de ontem, os apoiantes de Donald Trump, o próprio Donald Trump e também a Casa Branca iriam sempre retratar tudo isto como sendo super favorável”, sublinha. “Mas os detalhes importam aqui. Não só ele não foi dado como exonerado na questão da obstrução à justiça, como o relatório de Mueller, ou pelo menos o que conhecemos dele, diz apenas que não há provas de ter havido conluio. Isto não é a mesma coisa do que dizer que não houve conluio de todo. Simplesmente, não foram encontradas provas.”

Michael Flynn, ex-conselheiro de Donald Trump para a Segurança Nacional, foi condenado por mentir ao FBI sobre contactos com autoridades russas (JIM WATSON/AFP/Getty Images)

JIM WATSON/AFP/Getty Images

Além disso, na ausência de uma acusação contra Donald Trump, houve outras 34 a propósito da investigação de Robert Mueller, entre as quais ao seu ex-diretor de campanha (Paul Manafort), a um amigo e aliado político de longa data (Roger Stones) e a um ex-conselheiro (Michael Flynn). Não esquecendo também o seu advogado pessoal, Michael Cohen, que, num outro caso, foi condenado a três anos de prisão por crimes financeiros e por falso depoimento sob juramento no Congresso.

“Não nos podemos esquecer que Trump se rodeou de pessoas que, no final de contas, foram reveladas como sendo criminosos”, sublinha Geoff Kabaservice.

"É uma vitória clara para Donald Trump, porque a narrativa agora pertence-lhe. Ele agora pode pintar toda esta história como tendo sido totalmente exonerado, mesmo que isso não corresponda à verdade"
Hans Noel, professor na Georgetown University, em Washington D.C.

E os casos não ficam por aqui. Mesmo que a nuvem da Rússia esteja agora, aparentemente, distante, Donald Trump é suspeito noutros processos, como o pagamento de subornos para silenciar, em plena campanha eleitoral, duas mulheres com quem terá mantido relações extraconjugais; ou o das alegadas tentativas de influência da sua administração através do comité organizador da tomada de posse em janeiro de 2017.

Ainda assim, reconhece Hans Noel, os dias são, para já, de vitória para o Presidente dos EUA. “É uma vitória clara para Donald Trump, porque a narrativa agora pertence-lhe. Ele agora pode pintar toda esta história como tendo sido totalmente exonerado, mesmo que isso não corresponda à verdade”, diz.

Além disso, para Geoffrey Kabaservice, este domingo foi o dia em que oficialmente morreu a hipótese — já de si mortiça — de Trump vir a enfrentar um rival numas hipotéticas eleições primárias no Partido Republicano. “Quem queria ter um candidato republicano mais moderado e independente em 2020, acabou de perder todas as esperanças. O relatório de Mueller reforçou ainda mais o controlo de Donald Trump sobre o Partido Republicano. A partir de agora, se alguém avançasse contra ele, seria imediatamente acusado de ser um aliado dos inimigos do deep state contra Donald Trump”, explica o analista do Niskanen Center.

Qual é o próximo passo dos democratas?

Do outro lado da barricada, o silêncio é quase tão sepulcral como o de Donald Trump enquanto não era conhecida a conclusão de Robert Mueller e de William Barr.

As duas lideranças do Partido Democrata — Nancy Pelosi, líder da maioria democrata na Câmara dos Representantes; Chuck Schumer, líder da minoria democrata no Senado — não vieram a público desde então, optando por emitir apenas um comunicado conjunto. Nos corredores democratas, a mensagem é, para já, esta: o relatório de Robert Mueller tem de sair integralmente a público.

"A carta do procurador-geral Barr oferece mais questões do que respostas. O facto de o relatório de Mueller não ilibar o Presidente de uma acusação tão séria quanto é a obstrução de justiça demonstra o quão urgente é que o relatório e toda a documentação anexa sejam tornados públicos sem quaisquer demoras"
Comunicado de Nancy Pelosi e Chuck Schumer

“A carta do procurador-geral Barr oferece mais questões do que respostas. O facto de o relatório de Mueller não ilibar o Presidente de uma acusação tão séria quanto é a obstrução de justiça demonstra o quão urgente é que o relatório e toda a documentação anexa sejam tornados públicos sem quaisquer demoras”, lê-se na nota emitida no domingo à tarde. “Perante a reputação pública e conhecida de enviesamento contra a investigação, ele [William Barr] não é um observador neutro e não está em posição de determinar objetivamente sobre [o conteúdo] do relatório.”

O próximo passo dos democratas é, para já, incerto. Até há poucos dias, havia duas linhas de pensamento quanto à possibilidade de levar para a frente um impeachment contra Donald Trump — processo esse que teria de começar na Câmara dos Representantes e, se ali aprovado, iria depois para as mãos do Senado.

Chuck Schumer e Nancy Pelosi emitiram um comunicado onde exigiram a divulgação imediata do relatório de Mueller, alegando que o procurador-geral tem um viés pró-Trump

Chip Somodevilla/Getty Images

Nesta divisão, a speaker dos democratas, Nancy Pelosi, sempre apontou para uma postura mais cautelosa quanto à possibilidade de os democratas iniciarem tal processo, tendo até dito, recentemente, que “ele não vale a pena”. Porém, nos corredores da Câmara dos Representantes, Pelosi passa muitas vezes por outros congressistas, mais jovens e à sua esquerda, que preferem levar um processo de investigação no Congresso e, posteriormente, de impeachment, mesmo na ausência de provas cabais da culpabilidade do presidente.

Para Hans Noel, que estuda de perto o Partido Democrata, é pouco provável que o anúncio de William Barr venha a alterar de forma profunda a postura do Partido Democrata.

“Os democratas têm falado a favor de mais investigações e estão a levá-las adiante, mas também andam a propor políticas propriamente ditas. Por isso, não acredito que vá haver um grande mudança. Neste momento, há grandes pontos de debate entre os dois partidos, como os direitos eleitorais ou o Green New Deal. E isto pode não ser tão lascivo quanto os temas que acabam por ir parar aos programas de humor de sábado à noite, mas o debate está acontecer”, sublinha o professor da Georgetown University.

Ainda assim, no que diz respeito ao eleitorado democrata, Hans Noel prevê tempos de alguma desmotivação — um resultado que poderá vir refletido já nas próximas sondagens a serem publicadas. “Para a maioria dos democratas de base, os próximos tempos vão ser muito frustrantes”, concede.

Para Geoffrey Kabaservice, é possível que os próximos tempos levem a um recrudescer do ambiente no Partido Democrata, até porque, neste momento, já há 15 candidatos às primárias daquele partido. No final, só um deles (ou ainda outro, que ainda não tenha apresentado a sua candidatura, como o ex-vice-Presidente Joe Biden) chegará a desafiar Donald Trump.

“À medida que a polarização entre as duas metades deste país aumenta, é possível que a diferença entre ter sucesso ou falhar no Partido Democrata se cinja a uma simples questão: quem diz, mais depressa e mais alto, ‘vamos destituí-lo'”, diz.

"Ele podia simplesmente olhar para a situação dizer: 'O Mueller investigou isto de forma minuciosa, eu disse o que queria e no final não foram reunidas provas contra mim. Então, que se divulgue o relatório'. Até lhe daria alguns pontos para promover a ideia de haver um deep state contra ele. Mas no final de contas, acho que ele não vai fazer isso. Sinceramente, acredito que ele quer mandar gasolina para a fogueira. 
Geoffrey Kabaservice, diretor de estudos políticos do think tank conservador Niskanen Center

Seja como for, tanto democratas como republicanos estão a favor da divulgação integral do relatório de Robert Mueller — e fizeram-no de forma expressiva, a 14 de março, ao aprovar essa resolução com 420 votos a favor e nenhum contra. Porém, para Geoff Kabaservice, não é assim tão linear que Donald Trump alinhe nesse caminho.

“Ele podia simplesmente olhar para a situação e dizer: ‘O Mueller investigou isto de forma minuciosa, eu disse o que queria e, no final, não foram reunidas provas contra mim. Então, que se divulgue o relatório’. Até lhe daria alguns pontos para promover a ideia de haver um deep state contra ele”, especula o analista do Niskanen Center. “Mas, no final de contas, acho que ele não vai fazer isso. Sinceramente, acredito que ele quer mandar gasolina para a fogueira. Trump lucra com a divisão e com a controvérsia e esta é a altura perfeita para ele fazer isso, porque está na mó de cima. Ele não tem interesse nenhum na reconciliação, só no caos.”

Que é como quem diz: “Senhores passageiros, apertem os vossos cintos”. Pela frente, prevê-se turbulência — e por tempo indeterminado.

(Joe Raedle/Getty Images)

Joe Raedle/Getty Images

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