Dois mercados num só dia, e logo no Algarve, que não é terreno fértil para a direita. Mas foi esse mesmo o palco escolhido pelo CDS para afinar o discurso: é altura de “equilibrar” a bússola política, e voltar a colocá-la mais à direita. E as eleições europeias são o primeiro momento para isso. Assunção Cristas deu um empurrão, logo de manhã, tendo sido a estrela do mercado em Olhão (apesar de também ter ouvido insultos de fascista) e Nuno Melo fez o resto. Pegou, novamente, no capítulo dos incêndios, desta vez em Monchique, e disse que o Estado — na pessoa de António Costa — falhou aos portugueses, pelo que, só há razões para os portugueses o castigarem nas urnas.
O CDS tem tido a regra de dedicar cada dia de campanha a um tema específico e, para cada tema, apresentar uma medida para a Europa. Mas o tema do dia de hoje parece mesmo ter sido o Governo de António Costa. Assunção Cristas até sugeriu que, caso os temas europeus pareçam muito complexos para as pessoas, então que votem por “razões nacionais”. Mas votem. Quanto à medida para a Europa, não houve uma concreta, mas ficou a ideia de que a Europa está em toda a parte — e não é só uma mera discussão académica. A Europa também é “esta casa ardida”, que não foi reconstruída com fundos europeus como podia ter sido.
No fim da primeira semana de campanha, o CDS afinou, em definitivo, o discurso contra o Governo: o PS trouxe a troika para o país, o CDS libertou o país da troika. “Sabemos que a memória muitas vezes é curta, mas o CDS não aceita branqueamentos da história”, diria Cristas à hora de jantar.
“O que nós desejamos é que [o mercado] possa crescer muito para o nosso lado, para recolocarmos as coisas como devem ser em Portugal: mais ao centro, com mais peso do centro e da direita e menos peso da esquerda mais radical. É preciso equilibrar esse mercado, está um bocado desequilibrado”.
Assunção Cristas começou o dia no mercado de Olhão, a dar força e visibilidade à campanha de Nuno Melo num terreno que não é por regra o mais amigo do CDS, o Algarve. E foi aí que manteve um discurso totalmente virado para o plano nacional, apelando ao voto de todos: se não for pelas questões europeias, que seja por “razões nacionais”, disse. E indo votar, que se vote à direita. E votando à direita, que se vote no CDS, porque é o único partido possível de votar para quem é de direita. É este o argumento e o raciocínio repetido na campanha centrista.
Alto. O discurso está afinado. Esta quinta-feira não houve lapsos ou gaffes, nem sequer houve distrações discursivas. A mensagem foi sendo a mesma ao longo do dia, e foi clara: as eleições europeias de domingo são a primeira oportunidade que os portugueses têm de sancionar o Governo de Costa. Governo esse que, primeiro, é composto pelos mesmos governantes que levaram o país à bancarrota e obrigaram a chamar a troika, e, depois, que falhou com os portugueses em situações diversas, sendo a dos incêndios a mais paradigmática. Todo o dia foi desenhado neste arco discursivo, começando com duas visitas fortes a mercados, “onde as pessoas estão”, altura em que o candidato e a líder aproveitaram para assinalar os cinco anos da saída da troika, e terminando com uma visita a Monchique, que ardeu no ano passado, deixando mais de 70 casas destruídas. Onde está a Europa aqui? “Em toda a parte”. Foi mais ou menos assim que Nuno Melo justificou o facto de estar a falar de falhas do Estado e não de Europa. Porque se o governo não aplica dinheiro europeu para a reconstrução das casas, isso é falar “da Europa que interessa aos portugueses”. E essa “Europa também é aqui nesta casa ardida”.
Baixo. O dia começou com duas incursões em mercados algarvios: primeiro, em Olhão, com Assunção Cristas, depois, em Faro, já sem a líder. O CDS dá-se bem em mercados, (apesar de ainda não ter feito nenhuma arruada), e mesmo num sítio que é tradicionalmente mais “hostil” aos centristas, como notou Nuno Melo, foi bem recebido entre a fruta e os legumes. Mas houve dois momentos de tensão. Primeiro, quando um homem apareceu a dizer que “o CDS é o partido mais fascista que há” e que “‘Conceição’ Cristas deixa muito a desejar”. Depois, quando outra pessoa, no mercado de Faro, se exaltou chamando “ladrões” que “não fazem nada”. Aqui Nuno Melo não resistiu: parou, voltou atrás, e foi dizer ao senhor que antes de ser político era advogado, entrando numa troca de argumentos. Cá fora, aos jornalistas, procurou justificar com o facto de ser um “militante do PCP” que ali tinha sido plantado pela máquina comunista para fazer número para os telejornais. Justificação desnecessária, que carece de prova dos factos. Caso contrário, Melo pode até ter incorrido numa fake news? Talvez. E ainda ontem dizia que as fake news eram as “grainhas” que queria tirar da campanha…
Victor Germano tem 68 anos e há dois que espera os papéis para a reforma. Trabalha “desde os 11 anos”, atualmente no mercado de Olhão, no Algarve, e foi com a carta da provedora de Justiça na mão que se dirigiu à comitiva do CDS, que esta amanhã por ali apareceu. “É inadmissível o que me estão a fazer, tenho direito a deixar de trabalhar, já trabalho desde os 11 anos, e não me deixam”, afirma perante Assunção Cristas e Nuno Melo, que o ouvem com atenção. “A provedora de Justiça tem andado em cima desses casos”, diz a líder centrista. Mas Victor já lhe escreveu e até já teve resposta: “Está em andamento, é o que me dizem”. As reformas em atraso é um dos temas sobre o quais o CDS tem questionado o primeiro-ministro e, por isso, o caso de Victor Germano, caiu que nem uma luva na campanha centrista. Cristas e Melo pediram-lhe o contacto — que anotou na própria brochura de campanha — iriam averiguar.
Ao Observador, Victor Germano mostra-se impaciente com a situação e aliviado por ter falado dela à líder do CDS. “Gosto da Assunção Cristas, gosto de a ouvir falar”, diz, sublinhando que ali em Olhão, e Faro, a câmara é de outra cor (socialista). Questionado sobre se vai votar a 26 de maio, diz prontamente que sim. “Tenho votado sempre”. Mas milita no CDS? “Não, não”. E acha as europeias importantes? “São eleições diferentes, mas fazem falta boas pessoas lá no Parlamento Europeu a lutar por nós”.
Nuno Melo esteve, à tarde, com Pedro Mota Soares em Monchique, a alertar para a falta de reconstrução das casas ardidas. Foi mais um momento para atirar a António Costa, que não aplica o dinheiro — donativos ou dinheiro europeu — em favor das pessoas necessitadas. Na Serra de Monchique, que no ano passado foi devastada pelo maior incêndio do ano, a ajuda à reconstrução de casas chegou a “zero pessoas”. Foram destruídas 70 casas, 30 delas primeira habitação. E, mais: um dos habitantes, Francisco Freitas, até recebeu uma carta da Autoridade Tributária a cobrar aumento de IMI de uma casa que… ardeu.
Ao quinto dia, a campanha do CDS desceu até ao Algarve. De Faro ao mercado de Olhão, do mercado de Olhão ao mercado de Faro, daí para Monchique (para ver casas ardidas que ainda não foram reconstruídas), e daí para uma empresa de congelados em Lagos, foram uns tantos quilómetros em terras algarvias. Ao fim da tarde, tempo de rumar ao Montijo, no distrito de Setúbal, para um jantar com militantes (e com Cristas). E depois do jantar, a caravana ainda segue para Santa Maria da Feira, onde começa no sábado logo cedo. Total: 732 quilómetros.
Total acumulado: 2087 quilómetros (desde segunda-feira)