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Lei mudou em 2019, com a aprovação do Código de Conduta dos Deputados
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Lei mudou em 2019, com a aprovação do Código de Conduta dos Deputados

Lei mudou em 2019, com a aprovação do Código de Conduta dos Deputados

Camisolas da seleção, produtos de beleza e um "cavalo". Os presentes que os deputados recebem (e declaram)

Desde 2019 que deputados são obrigados a registar presentes acima dos 150 euros para assegurar "independência". Há muitas medalhas e livros, mas também presentes mais personalizados.

Não era um presente vulgar, muito menos que se encontrasse em abundância. Em 2008, quando a rainha de Inglaterra partiu numa viagem de quatro dias pela Europa Central fora, existiam nove mil cavalos da raça Lipizzan, originários de Lipica, na Eslovénia, espalhados pelo mundo. E foi precisamente com um deles que Isabel II se viu presenteada à chegada ao país: Kanizo, um cavalo Lipizzan de 16 anos que teve nessa altura direito aos seus quinze minutos de fama, seria a oferta da Eslovénia à Coroa de Inglaterra (simbólica, até porque a rainha preferiu que o cavalo ficasse no centro hípico onde vivia, em Lipica, acompanhado por uma placa que reconhecia que a sua dona era, de facto, a monarca britânica).

Nem todos os presentes trocados entre Estados e políticos são, no entanto, tão raros — e de transporte tão pouco prático — como no caso de Kanizo (e noutros: a mesma Eslovénia ofereceria, em 2019, duas colmeias aos reis da Noruega). Analisando o registo das ofertas que os deputados e, sobretudo, os Presidentes da Assembleia da República receberam e declararam no Parlamento desde 2019, encontra-se também o registo de um “cavalo Lipizzan” oferecido pela Eslovénia ao ex-presidente da Assembleia, Ferro Rodrigues, em fevereiro deste ano.

Pequeno (grande) pormenor: como mostra a fotografia, enviada ao Observador, do cavalo em questão, no caso português a cortesia concretizou-se apenas na oferta de uma estatueta de um Lipizzan com uma nota explicativa em que se detalha a importância da “pose elegante” do animal e os cruzamentos que deram origem a esta raça característica da Eslovénia.

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Isto a juntar a um “conjunto de leitura em nogueira” e ainda um exemplar d’A Mensagem, de Fernando Pessoa, mas em esloveno. Animais a sério? Talvez só quando um representante português se deslocar a um dos estábulos de Lipica. Por agora, os presentes da Eslovénia continuam no Parlamento e são considerados parte do “património da Assembleia da República“.

Foto da estatueta do cavalo esloveno. Crédito: D.R.

Não é a única história que os registos da Assembleia guardam. Desde 2019, com a aprovação do Código de Conduta dos Deputados — um documento que gerou discussões infindáveis na Comissão da Transparência, e que bebeu das regras do Código de Conduta do Governo, criado na sequência da polémica do Galpgate — que os deputados são obrigados a declarar os presentes que receberem, se o seu valor estimado for superior a 150 euros.

Neste momento, estão listadas 64 ofertas recebidas nestes três anos, mas zero deslocações por “hospitalidade”, o que pode ser um efeito da polémica gerada em 2017 por causa das viagens de políticos feitas por convite da Galp — e que chegou a provocar saídas do Governo. Foi um dos gatilhos para que a legislatura passada girasse tanto à volta dos temas da Transparência — e para que a respetiva Comissão, que de temporária passou a permanente, se tornasse central no Parlamento.

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As regras para garantir “independência”

As regras são claras: em primeiro lugar, os deputados devem abster-se de aceitar ofertas de “pessoas singulares ou coletivas, públicas e privadas, nacionais ou estrangeiras”, de bens ou serviços que se considere que possam “condicionar a independência no exercício do seu mandato”. Depois, o documento estabelece que o critério para existir esse condicionamento é que os presentes valham mais de 150 euros.

Nesses casos, os presentes podem ser aceites, ainda assim, se houver “dúvidas razoáveis sobre o seu enquadramento no valor estimado” ou se a sua recusa puder ser vista por quem ofereceu como “uma quebra de consideração ou de respeito interinstitucional”, uma vez que os presentes são quase sempre oferecidos ou por representantes de outros Estados ou de outras instituições.

A partir dos 150 euros, o que acontece é que as ofertas têm de ser apresentadas junto da secretaria-geral da Assembleia da República, “para efeitos do seu registo e definição do seu destino, tendo em conta a sua natureza e relevância”.

Presentes mais frequentes são livros, taças e medalhas. Mas também há cachecóis e camisolas de seleções de futebol, malas de viagem e cabazes com produtos locais. Presentes costumam ser oferecidos por outros países, mas também há entidades portuguesas que fazem ofertas aos deputados

São os serviços do Parlamento que se informam e calculam o valor que cada presente terá, determinando depois se pode ser devolvido ao deputado que o recebeu — o que acontece em praticamente todas as situações verificadas pelo Observador — ou, se não puder ser devolvido, remetido para o museu, o arquivo histórico-parlamentar ou a biblioteca da Assembleia, ou ainda a outra entidade pública ou a instituições de fins não lucrativos.

As camisolas de Coelho Lima e os jarros de Ferro

Também há quem calcule que provavelmente o valor não chegará ao tecto dos 150 euros, mas por uma questão simbólica faça questão de registar o presente na mesma. Foi o que Rui Rio e André Coelho Lima escolheram fazer quando em junho de 2020 se deslocaram à Federação Portuguesa de Futebol (no papel de dirigentes do PSD) e receberam das mãos do presidente da FPF, Fernando Gomes, duas camisolas da seleção nacional personalizadas.

Cada camisola, explica Coelho Lima ao Observador, tinha os nomes de cada um gravados nas costas, uma “simpatia” de Fernando Gomes. Os sociais-democratas quiseram então dar o “exemplo” e dirigiram-se aos serviços da Assembleia, para dar nota da oferta que tinham recebido e começar o processo: os serviços contactaram a federação por e-mail, perceberam que as camisolas valeriam à volta de 100 euros — pelo que na verdade não teriam de ser declaradas — e devolveram-nas aos donos.

Coelho Lima ainda usa, “claro”, a sua camisola — “ainda no jogo contra a Alemanha, no Europeu”. Até porque se diz uma espécie de “colecionador de camisolas” — embora sejam sobretudo do seu Vitória, o Vitória de Guimarães, de onde é natural.

A maior parte dos presentes que os deputados recebem não é, no entanto, tão personalizada. No caso dos Presidentes da Assembleia, que claramente são os recordistas neste campo (Ferro Rodrigues registou 28 presentes desde a entrada do Código de Conduta em vigor, Santos Silva já vai em 24), vão quase todos diretos para o património da Assembleia da República.

Dos presentes cujo preço é divulgado na página da Assembleia, o mais caro será o cabaz de produtos dos Açores, que chegará aos 169 euros, acima do tecto mínimo para registo. O mais barato será um livro recebido por Santos Silva, sobre História de Portugal, pela associação de emigrantes Também Somos Portugueses. Está avaliado em 14,90 euros

Isto é, Ferro não ficou com o tal cavalo Lipizzan para si, nem com os “jarros de porcelana de grandes dimensões” que tanto o embaixador da China como a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, lhe ofereceram; nem tão pouco com uma caixa de jóias em madrepérola oferecida pela embaixada da Coreia. O mesmo para os muitos livros que recebeu entre 2019 e 2022, o quadro com um desenho a fio de seda que veio do Vietname ou o “copo em porcelana fina” trazido pelo ministro-presidente do Estado da Baixa Saxónia, na Alemanha.

Do mesmo modo, Santos Silva, que tomou posse como presidente da Assembleia no final de março, não levou para casa uma taça da Vista Alegre, um quadro oferecido pelo ministério dos Negócios Estrangeiros da Palestina, dois candelabros que foram oferta do Parlamento de Estocolmo, um serviço de chá da embaixada da China ou até — dado que os registos são feitos com bastante pormenor — um conjunto de “ametista e pássaro em âmbar” que veio do Brasil e, segundo a nota dos serviços do Parlamento, chegou já com “a asa partida”.

Chávenas de café, produtos de beleza e cabazes dos Açores

Quanto aos deputados que recebem, individualmente, presentes, a história é quase sempre diferente. Além das camisolas a que Rio e Coelho Lima tiveram direito, vários outros deputados receberam ofertas de outros países ou instituições.

E se Marcos Perestrello e Romualda Fernandes, do PS, receberam presentes que ficaram integrados no património da Assembleia, possivelmente por excederem o plafond definido pelo código de conduta (na maior parte dos casos, o valor não está explícito no site do Parlamento) — tratava-se no primeiro caso de uma aquarela oferecida pela NATO e, no segundo, de um livro sobre o Palácio de Luxemburgo, oferta do senado francês — nos restantes casos os presentes ficaram mesmo nas mãos dos seus destinatários.

Eurico Brilhante Dias levou para avaliação uma caixa com um conjunto de chávenas de café que recebeu através da embaixada da China — e as chávenas, constataram os serviços, custariam à volta de 80 euros, pelo que não houve qualquer problema.

Ana Catarina Mendes recebeu sensivelmente o mesmo presente, já que a descrição é a mesma, mas avaliado em 60 euros, o que mais uma vez não constitui qualquer perigo para a “independência” dos deputados, segundo o documento aprovado em 2019.

Quando Catarina Martins, que agora tem assento na Comissão de Transparência do Parlamento, recebeu o seu conjunto de produtos da Clarins — uma marca de produtos de beleza e cosmética — e uma mala de cabine, oferta da Executiva e SEAT, ficou perto do tecto máximo, mas não o excedeu: o valor total rondaria os 147,55 euros. Há, depois, uns poucos casos casos em que os presentes eram, de facto, mais caros e ultrapassavam o limite — mas nesses casos o Parlamento considerou que os deputados poderiam ficar com as ofertas.

Foi o caso dos cabazes do El Corte Inglés, com produtos da marça Açores (que no seu catálogo inclui um pouco de tudo, de queijos e conservas a licores), que o secretário regional da Juventude, Requalificação Profissional e Emprego resolveu oferecer aos deputados João Azevedo Castro, Isabel Rodrigues e Lara Martinho (todos do PS), a rondar os 160 euros. Por agora, a prática passa mesmo por considerar que os presentes — sobretudo com uma diferença pequena em relação ao valor máximo permitido pela regra de 2019 — não põem em causa a independência dos deputados.

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