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Estudou História da Arte mas acabou a fazer sucesso na casa de costura Jean Patou. Em 1987 seguia em nome próprio, servindo extravagância quando o começo dos 90's acenava com simplicidade e auras clean. Em 1989, aplicava os volumes, bordados e outros excessos otimistas a uma linha de pronto a vestir
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Estudou História da Arte mas acabou a fazer sucesso na casa de costura Jean Patou. Em 1987 seguia em nome próprio, servindo extravagância quando o começo dos 90's acenava com simplicidade e auras clean. Em 1989, aplicava os volumes, bordados e outros excessos otimistas a uma linha de pronto a vestir

Estudou História da Arte mas acabou a fazer sucesso na casa de costura Jean Patou. Em 1987 seguia em nome próprio, servindo extravagância quando o começo dos 90's acenava com simplicidade e auras clean. Em 1989, aplicava os volumes, bordados e outros excessos otimistas a uma linha de pronto a vestir

Christian Lacroix: "A moda já não é fashion como era. As pessoas preferem viagens, decoração, comida. E as ruas estão aborrecidas"

Em 2009, viu o seu império de alta-costura falir. Aos 70 anos, o designer francês move-se no teatro, assiste ao culto em seu redor no Instagram, e assina nova coleção para a Desigual.

Chegou ao Instagram apenas em 2019, e foi com “orgulho e alegria” que encontrou várias contas e feeds dedicados às coleções que outrora criou e viu desfilar, nessa montra de cor e exuberância que hoje é chão fértil para nostalgia. Foi também naquela rede social que o criador que há muito deixou de ser viciado em compras acabou de encomendar uma camisola a um designer emergente. Entretanto, não estranhe se o vir à caça de antigas camisas Ralph Lauren numa loja vintage. O mago da fantasia da alta-costura que pautou os anos 80 e 90 viu o império ruir com a crise, em 2009, recompôs os cacos costurando parcerias com bastiões do ready to wear, e num malabarismo de estilo e sensatez conjuga no seu guarda-roupa os básicos da COS com as criações Margiela. Pelo caminho redefiniu o seu teatro dos sonhos. “Não sinto falta da alta-costura. Eu fazia alta-costura com uma dimensão teatral e agora faço figurinos para ópera a sério!”, confessa Christian Lacroix, por email.

Do apogeu do athleisure trazido pela pandemia ao caminho possível para o maximalismo, quando o fosse entre ricos e pobres se adensa, Lacroix admite que as regras do jogo mudaram. “Lidávamos com princesas do médio oriente, claro, mas não tanto com bilionários russos e chineses como agora acontece. Sem querer ser pejorativo, apenas posso reparar que vivi de perto as últimas décadas, quando a cultura, o gosto e o dinheiro andavam de braço dado. Já não acontece.” Chegado a 2021, e depois de uma temporada de confinamento no campo, assinala 10 anos de colaboração com a Desigual, para a qual assina uma nova coleção.

French Fashion Designer Christian Lacroix

Das pedrarias, estampados vibrantes e tecidos esvoaçantes para as linhas de acessórios que haveria de lançar. Dos perfumes ao homewear, Lacroix foi acumulando produtos com o seu nome

Sygma via Getty Images

Nos últimos dois anos, a moda esteve de certa forma sujeita a confinamento. Como é que o contexto pandémico influenciou as suas criações, e esta coleção em particular?
Devo dizer que me sinto muito afastado daquilo a que “eles” chamam de moda. A minha cabeça está hoje muito mais em guarda-roupa de teatro, sets de ballet, direção de ópera. É algo que me permite expressar-me de forma ilimitada com imaginação, sonho, extravagância, tal como estava a fazer com a alta-costura. A minha escala mais recente no pronto a vestir é com a Desigual porque é uma marca especial, uma empresa diferente, com um estilo e personalidade muito próprios, muito fortes nos padrões e estilos. Mas muito terra a terra, sem excentricidade pela excentricidade, ou por puro atrevimento ou choque.

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Mas é natural que esta longa fase de abrandamento tenha tido o seu efeito. Como viveu os últimos meses?
Vamos dizer que com a pandemia todos precisávamos de um pouco de escapismo. O primeiro confinamento em França foi difícil para a maioria das pessoas mas adorámos ver os patos de volta ao centro de Paris, os peixes de volta a águas mais limpas, de escutar os pássaros de novo. E eu tive a sorte de passar vários meses no campo, na região de Arles [onde nasceu, em 1951] e Camargues, a ver a natureza a florir, a primavera a rebentar. Claro que isso me inspirou muito para esta coleção. Por outro lado, se a Covid trouxe a necessidade do sonho e imaginação também trouxe a da funcionalidade. Creio que muita gente teve mais tempo para se sentar frente ao computador a gastar dinheiro, comprando online, mas de forma mais racional e com mais sabedoria. Enquanto designer é claro que estou interessado em todo o tipo de inovação, de novidade, como estas apresentações em 3D que temos visto. Mas o medo inspirado pela pandemia trouxe também uma série de discretas coleções de básicos, o que não significa menos criatividade. Penso que na Desigual tentamos sempre fazer isso, um equilíbrio entre realidade e “feitiço”.

"A moda vive de ondas. Estamos sempre apaixonados pela época em que as nossas mães foram jovens, quando abrimos os nossos olhos para o mundo, como um paraíso perdido. E claro que fico super orgulhoso e feliz quando hoje nas passerelles reconheço estilos que me eram muito próximos."

Este ano assinala o décimo aniversário da sua colaboração com a marca. Quais são os maiores desafios num trabalho desta natureza?
O primeiro é aprender a linguagem da Desigual. Pode parecer simples desenhar as peças com padrões e uma mistura de cores, mas não é. Há ali um twist Desigual que é bastante reconhecível. E quando apanhamos isso o grande desafio é mantê-lo mas de forma diferente a cada coleção; continuar facilmente reconhecido pelas pessoas mas que inclua essa medida ideal de espanto; mudar de alguma forma sem mudar por completo.

Que mudanças mais significativas regista nesta última década quando falamos de moda?
O upcycling, quando não estamos a falar de um cínico e hipócrita comportamento ou processo de green washing. Cada vez mais consumidores, sobretudo novas gerações, têm consciência dos processos de fabrico e sabem que uma peça se torna menos apetecível se tiver sido fabricada por crianças, ou por semi escravos, demasiado longe, de forma demasiado poluente, etc. Por outro lado, comparando com décadas anteriores, em que trabalhei muito na área, a moda já não é fashion como era. As pessoas preferem o lazer, as viagens, a decoração, a comida, muito mais do que as roupas….o que torna as ruas de todo o mundo todas aborrecidas, tristes e sem charme nenhum.

Nem de propósito, códigos como o athleisure, ou as tendências minimalistas, têm estado mais presentes que nunca, e de alguma forma também se manifestam em várias peças desta sua nova coleção. Como é que alguém famoso pelas suas criações exuberantes encaixa esta toada?
Um designer, graças à sua antena, está sempre sintonizado com o período em que vive, com as necessidades e desejos do público. Desportos, yoga, lazer…estão em todo o lado, portanto temos que oferecer este tipo de produtos com o nosso estilo próprio — mesmo que eu odeie desporto, mas adoro fatos de treino.

French Designer Christian Lacroix Wins 1988 Golden Thimble Award

Com algumas das suas manequins fetiche, como Marpessa, Marie Seznec e Kadija, que vestem a sua coleção primavera-verão 1988

Sygma via Getty Images

Sei que a primeira vez que viu um casaco Desigual nas ruas de Paris pensou inicialmente que o respetivo designer fazia parte da sua equipa, tal a afinidade que terá identificado entre a marca e as suas criações. O que é que a fast fashion ensinou a um criador mais familiarizado com a alta-costura?
Já conhecia este tipo de processo, mas mesmo quando fizemos pronto a vestir tentámos que fosse tudo fabricado em França, portanto bastante caro. As minhas criações para a Desigual, por todas as razões e mas algumas, são agora muito mais ecológicas, mesmo produzidas em Espanha e Portugal. Os preços são mais acessíveis, e há um equilíbrio maior entre o preço e a qualidade, o que me permite partilhar com mais pessoas o meu trabalho.

Afastando-nos agora do minimalismo, parece que assistimos em simultâneo a um revivalismo desses anos 80 e 90. De produções como “Halsey” a “Cinderela”, há uma série de referências à Lacroix em todos estes guarda-roupas, por exemplo. Como olha para estas novas velhas tendências?
Para mim não são velhas! Também houve minimalismo nos anos 80 mas muitas dessas mulheres serão sempre maximalistas sobretudo em países do sul. Flórida, América do Sul, zonas do Mediterrâneo, continuam apaixonados por padrões e cores. Mas claro que compreendo o que diz. Quando me estreei no Instagram (muito tarde, por volta de 2019), fiquei fascinado com a quantidade de jovens, muitas delas não nascidas nos anos 80, que postavam coisas minhas, que dedicavam as suas páginas a criações Lacroix. A moda vive de ondas. Estamos sempre apaixonados pela época em que as nossas mães foram jovens, quando abrimos os nossos olhos para o mundo, como um paraíso perdido. E claro que fico super orgulhoso e feliz quando hoje nas passerelles reconheço estilos que me eram muito próximos.

"Claro que não era fácil vender mas nunca tivemos a estrutura certa. Com a Christian Lacroix foi um pouco como pensar naqueles jogos para bebés com formas e buracos: sentia-me uma bola a entrar num quadrado".

Viu a sua maison abalada pela crise em 2009. Vários observadores na indústria justificaram a falência da sua marca com a sua inabilidade para tornar rentáveis as suas criações. Concorda com esta visão? O que teria feito diferente?
Este foi o grande problema. Nunca estivemos nos grupos certos, com as pessoas certas, na altura certa, com a alquimia certa. Claro que não era fácil vender mas nunca tivemos a estrutura certa. Queriam que trabalhássemos e lucrássemos seguindo os mesmos métodos e estruturas que os demais. Sempre disse que a criação não termina na entrada do estúdio criativo ou de alta-costura. Tem que passar pelos financeiros, pelo marketing, pelo merchandising, pela equipa de comunicação. Todos a seguirem na mesma direção, sem forçar as coleções a seguirem o mainstream ou o trabalho de terceiros. Connosco foi um pouco como pensar naqueles jogos para bebés com formas e buracos: sentia-me uma bola a entrar num quadrado. Mas creio que isso mudou, que todos os departamentos de uma casa confluem, trabalhando de forma mais cooperativa. Tal como na Desigual, onde o departamento comercial e de imagem são incorporados no processo criativo desde o começo.

Do que mais sente falta na alta-costura, e que espaço vê para a opulência, a individualidade, a alfaiataria, numa era em que todos parecem iguais, especialmente se corrermos os feeds de instagram?
Não sinto falta da alta-costura. Eu fazia alta-costura com uma dimensão teatral e agora faço figurinos para ópera a sério! Penso que há um novo tipo de cliente que não existia há vinte anos que adora high fashion dispendiosa. Lidávamos com princesas do médio oriente, claro, mas não tanto com bilionários russos e chineses como agora acontece. Sem querer ser pejorativo, apenas posso reparar que vivi de perto as últimas décadas, quando a cultura, o gosto e o dinheiro andavam de braço dado. Já não acontece.

Paris Fashion Weeks In The 1990's Paris Fashion Weeks In The 1990's Marie Seznec et Christian Lacroix lors d'un défilé Fashion Designer Christian Lacroix at Work

Do final dos anos 80 à década de 90, do trabalho no atelier às grandes festas, ao lado da mulher, Françoise, (primeira foto) ou de outras estrelas como Yves Saint Laurent

WireImage

Por outro lado, e se excluirmos esse nicho bilionário, muitos designers acabam por ser criticados muitas vezes por se focarem em peças que custam fortunas e são pouco vestíveis. Não é suposto este lado menos acessíveis de conto de fadas estar também presente? A frivolidade tornou-se um pecado inaceitável? 
Infelizmente, com a crise e a precariedade muitas pessoas acabam por ser forçadas a vestir o mesmo, sim. Mas assisto a uma profunda, genuína e excitante criatividade em algumas minorias; negros, comunidade LGTB, grupos que lutam pela sua liberdade e afirmação, que se diferenciam através da forma inovadora como se vestem, sem serem escravos de grandes nomes. Claro que também vemos estrelas da música a apoiarem as marcas mais luxuosas, e de vez em quando assistimos à tendência da logomania. Mas isso para mim não é moda, é egomania de vítimas do capitalismo.

Como se comporta enquanto consumidor de moda?
Enquanto consumidor devo dizer que continuo a adorar alguns designers como Dries Van Noten ou Comme des Garçons, Junya Watanabe. Mas também adoro encontrar algumas peças em lojas vintage, feiras da ladra e arquivos de teatro.

Não é um comprador de impulso.
Deixei de ser fashionholic há muito tempo, de gastar dinheiro em fabricantes de camisas londrinos. Quando encontro uma peça pela qual me apaixono, não consigo deixar de usá-la todos os dias. Foi o que me aconteceu com o casaco de ganga Helmut Lang, com as camisolas do Dries, com as peças Martin Margiela, quando andava por aí, com a Ralph Lauren durante décadas.

"É melhor ter mau gosto que não ter gosto nenhum. Comprem aquilo que acham que tem a ver convosco, que permite expressar a vossa personalidade; não sigam tendências ou imposições."

Qual foi a última peça de roupa que comprou?  
O meu último casaco é de uma colaboração entre a A.P.C. e Sacai, as últimas calças da COS, as minhas camisas mais recentes são Ralph Lauren mas compradas numa loja vintage. Compro muitos básicos na COS e mandei vir uma camisola de um jovem designer no Instagram, Andrea Azola/Patchouli Studio. Agora estou a pensar encomendar um conjunto feito por medida numa loja africana de Paris, a Goutte D’Or, e sapatos Weston. Várias calças da Lurdes, em Barcelona, camisas da Woodsman, um casaco Acne, e muitas peças com estampados indianos.

Olhando para o seu armário, que conselhos de investimento daria então a um jovem comprador?
Nada de conselhos, apenas sigam o vosso gosto, instinto, intuição. Não há bom ou mau gosto. É melhor ter mau gosto que não ter gosto nenhum. Comprem aquilo que acham que tem a ver convosco, que permite expressar a vossa personalidade; não sigam tendências ou imposições. Inventem o vosso próprio guarda-roupa, combinando peças ultra caras com roupa acessível, coisas que vos fazem sonhar e aquela camisa muito velhinha e esburacada; roupa que era dos vossos pais, lenços, joias, antigas ou com um toque étnico, acrescentem uma peça da vossa região, etc. O mais upcycling que conseguirem.

Escreveu certa vez: “a alta-costura era louca, contraditória, imprevisível e, acima de tudo, mais forte que eu”. Podemos esperar um regresso seu a este território? 
Não, de modo algum, é demasiada pressão.

Que planos tem?
Preferia muito mais um produto de nicho, algo único, em edição limitada e de cariz artesanal, talvez com um coletivo qualquer; produzir cerâmica e design em simultâneo, livros, etc.

As parcerias com marcas de peso são uma boa via para manter uma voz ativa, ou mesmo uma forma de sobrevivência, na indústria? Recentemente lançou uma linha de swimwear sustentável em conjunto com uma marca. Como olha para este tipo de cruzamentos?
Nunca concordo com este tipo de parcerias quando não existe uma química entre a marca e a pessoa do outro lado. Faço algumas colaborações, como esta de banho, mas esqueço-me facilmente delas. Na verdade não procuro ser uma voz ativa desta forma. O palco e os livros, ou algo que possa ter em mente amanhã, tal como fiz com os hotéis ou comboios franceses, é o suficiente.

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