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Das celebridades aos especialistas que apareceram nas redes sociais. Como nascem os influencers e quanto podem valer

Uns já eram famosos antes de entrarem nas redes sociais. Outros começam a dar dicas e ganham seguidores. Há prendas em troca de posts e contratos a sério, mas até as ofertas devem pagar imposto.

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Catarina Barreiros começou por “vender” ideias: como comprar comida a granel aproveitando sacos e embalagens que se tem em casa? Como conservar os alimentos durante mais tempo? E qual o impacto no ambiente de alimentos como o óleo de palma? “Uma das publicações no meu Instagram com mais engagement [interações através de gostos, comentários ou partilhas] é sobre a água de aquecer o banho. Eu coloco um recipiente na banheira e depois uso a água para cozinhar, lavar o chão, regar as plantas”. Uma opção “tão simples”, que a avó já fazia “há anos”, e que gerou muito interesse. “As pessoas percebem a importância do tema, mas não tento impor nada a ninguém”, diz ao Observador.

Lançou-se no mundo da sustentabilidade em 2018, quando começou a partilhar nas redes sociais, com os amigos, dicas sobre a mudança para um estilo de vida mais sustentável. As reações foram sendo positivas. Criou um site, Zero, para aprofundar os temas, um podcast e, mais recentemente, uma loja online de produtos sustentáveis. A comunidade foi crescendo e, com ela, a notoriedade junto das marcas. De tal forma que, no espaço de três anos, de uma remuneração de 100 euros por post — “através de recibos verdes, em que metade ia para o Estado” — hoje consegue cobrar a uma marca 1.500 euros (brutos) por uma publicação com uma story (uma fotografia ou um vídeo que fica disponível por 24 horas). O dinheiro serve para pagar o seu trabalho de pesquisa, remunerar o marido, João, que trata do agenciamento, e um fotógrafo.

Hoje ser criador de conteúdos digitais já é uma profissão e obedece a regras: tem de pagar imposto sobre os rendimentos, sejam eles em dinheiro ou em espécie, quando há um contrato escrito ou mesmo verbal; e tem de identificar expressamente nas publicações se está a ser remunerado ou se recebeu o produto de oferta — não cumprir pode dar direito a contraordenações.

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O Instagram continua a ser a plataforma com mais audiência — é a preferida por mais de 60% das empresas

Mas se parece fácil e barato, ficam alguns avisos para quem planeia viver apenas como criador digital de conteúdos. Não há horários fixos, nem sempre é possível planear e gozar as férias, a maioria não tem um vínculo laboral (a não ser que seja empregado e patrão ao mesmo tempo, através de uma empresa em nome individual) e a concorrência pode ser muita.

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Também há vantagens. O youtuber Nuno Agonia diz que consegue ser mais “dono do meu tempo” e  ir buscar o filho à escola às 4 da tarde. Mas, como para qualquer trabalhador independente, as férias podem ser uma dor de cabeça e tentar gozá-las obriga a um planeamento cuidadoso. Depois da apresentação de telemóveis da Samsung e antes dos da Apple, Nuno Agonia vai tirar cinco dias no final do mês. Catarina Barreiras e a família também já tiraram, mas nem deu bem para descansar, entre reuniões e chamadas de clientes. O Instagram não pode ficar sem atividade muito tempo — se isso acontecer o algoritmo acaba por “penalizar” o influencer e dar-lhe menos visibilidade.

Estratégias para início de carreira, primeiros contactos com marcas e o erro de falar de tudo

Tiago Froufe, diretor-geral da Luvin, uma das agências que trabalha com este tipo de profissionais, assinala que os influencers se podem dividir em dois tipos de perfis. As celebridades que já eram famosas por aparecerem na televisão ou estarem ligadas desporto e que capitalizam a forte presença nas redes sociais para mais um canal de publicidade. E os influencers que começaram nas redes sociais onde ganharam impacto, frequentemente associados a um tema especializado, mas que têm um grande potencial para chegar a muitos consumidores. Alguns acabam por saltar para a televisão, rádio e outros meios de comunicação tradicionais, o que lhes permite amplificar ainda mais a notoriedade e o número de potenciais seguidores.

Moda, beleza, maquilhagem, tecnologia, culinária, maternidade e puericultura são algumas das áreas onde surgem mais influencers, porque têm mais público, mas também existem mais concorrentes. Há várias estratégias para quem quer começar, mas o caminho não é linear e também não é certo que todos consigam atingir estes resultados. O “foco” é uma das principais chaves, concordam os especialistas e influencers ouvidos pelo Observador.

“As marcas aperceberam-se de que, às vezes, conseguem dividir o valor que iam despender numa superestrela em pequenas estrelas do Instagram e levar ainda mais longe”
Roberto Gomes, da agência We Can Fly, dedicada ao marketing de influência

Foi preciso começar do zero e contactar diretamente as marcas, recorda Catarina Barreiros. A primeira grande parceria foi com uma cadeia de hipermercados, uma colaboração proposta pela própria. “Disse o que fazia, propus os conteúdos e um valor simbólico para cobrir os custos de produção, como o fotógrafo”. A marca aceitou e Catarina passou a mostrar como fazia as compras com menos desperdício ou como podemos levar os nossos sacos.

Depois foram surgindo outras propostas das marcas de que Catarina já falava. “Uma vez falei sobre um copo menstrual e de repente a marca quis fazer uma parceria comigo. São coisas que acontecem de maneira muito orgânica”.

Bárbara Bação também tentou ser influencer. Numa altura — há oito anos — em que o termo não existia e não havia muita informação sobre como crescer no digital. Queria ser “blogger”. Começou com uma página, Living in B’s shoes, e cometeu “muitos erros”. Um deles era a falta de estratégia. “Falava de tudo e mais alguma coisa, era um blog de mim para mim”, reconhece. A comunicação com as marcas também era “pouco estratégica” e, à luz do que sabe hoje, as mensagens eram “muito básicas”. “Olá, querem fazer uma parceria?” Ou “Estão interessados que vos envie a minha morada para enviar produtos?”.

Hoje, presta consultoria a novas influencers e marcas que queiram afirmar-se no digital. E nota que um dos principais problemas é, precisamente, a falta de foco. “As influencers que estão a começar olham para a Helena Coelho [620 mil seguidores], para a Mafalda Sampaio [574 mil], que hoje em dia partilham o seu estilo de vida. Então acham que para chegarem a esse nível têm de fazer lifestyle também, e falam de tudo e de nada. Esquecem-se que estas pessoas, que hoje são figuras públicas, começaram por ter um nicho bem definido. E, durante anos a fio, publicaram diariamente conteúdo para o seu nicho”, explica.

https://www.instagram.com/p/CPLBPM_Bht4/

O mercado dos produtores digitais está maduro. É certo que há sempre pessoas a aparecer, diz o diretor-geral da agência Luvin, mas avisa que pode ser complicado crescer e dar nas vistas. “É preciso ser muito bom, tornar-se relevante e, eventualmente, ocupar o espaço que era de outros. É um processo que leva tempo.”

Focar, saber escolher e fazer o trabalho de casa. Catarina Barreiros encontrou na sustentabilidade um nicho que a torna das influencers da área mais conhecidas na área, com quase 79 mil seguidores. Está longe de nomes como Carolina Patrocínio (958 mil seguidores) ou A Pipoca Mais Doce (784 mil), mas tem um público fiel, que gosta realmente de saber mais sobre sustentabilidade. “As marcas aperceberam-se de que, às vezes, conseguem dividir o valor que iam despender numa superestrela em pequenas estrelas do Instagram e levar ainda mais longe”, refere Roberto Gomes, que tem uma agência, a We Can Fly, dedicada ao marketing de influência.

“Eu existo enquanto profissional das redes sociais porque há uma confiança do outro lado. A partir do momento em que quebrar essa confiança, acabou tudo”, alerta Catarina, que pesquisa exaustivamente as marcas com que trabalha e os produtos que comunica. Se há algo na empresa ou no produto de que não gosta, a parceria cai por terra. Aconteceu com uma marca. “Queria que eu dissesse que aquela era a opção mais sustentável. Mas nunca vou dizer isso. Existem sempre prós e contras. Já tinha feito o trabalho todo mas decidi que preferia perder dinheiro a fazer uma publicação com a qual não estava confortável”.

Os rankings dos influencers com mais audiência

Criada em 2013, a Luvin trabalha com celebridades como Cristina Ferreira e pessoas que começaram como criadores digitais de conteúdos. A agência ajuda a fazer a ponte entre as marcas e as empresas que são as clientes e os influencers e fica com uma comissão do valor do contrato negociado entre as partes. O diretor-geral Tiago Froufe explica que a abordagem é distinta. Uns são altamente especializados nos conteúdos digitais que produzem, e são procurados por isso, enquanto nas celebridades há mais uma gestão das carreiras e dos projetos.

O Instagram, afirma, continua a ser a plataforma com mais audiência — é a preferida por mais de 60% das empresas, mas depende do produto. O Youtube também é relevante, mas o Titk Tok está a ter um crescimento muito rápido, destaca: “Começou com miúdos, mas está a chegar a audiências mais velhas. Tem a seu favor o facto de permitir intervenções muito criativas”.

O estudo “Figuras públicas e influencers 2021” da Markest indica quais as figuras que foram mais referidas de forma espontânea num inquérito feito a mais de mil pessoas. A lista é liderada pela Pipoca Mais Doce (Ana Garcia Martins) com 65,8% de notoriedade, seguida da cantora Mia Rose e de Bumba na Fofinha (a comediante Mariana Cabral).

“Não quero tornar-me apenas num produto comercial”, afirma o youtuber Nuno Agonia. “Ainda esta semana vou à Tesla para mostrar um carro que vai chegar a Portugal. Vou ter acesso a mexer no carro, mas não posso levá-lo para a estrada". O trabalho não será pago, mas Nuno também não exige que seja. Já é suficiente a visibilidade que alcança por ser dos poucos a experimentar um produto só acessível a poucos.

Outro nome destacado por especialistas em marketing de influência ouvidos pelo Observador é o de Helena Coelho, que tem um canal no Youtube dedicado à maquilhagem, com 229 mil subscritores. Mas é no Instagram, onde publica quase diariamente, desde produtos de moda, higiene ou beleza, que Helena Coelho mais consegue mobilizar seguidores e traduzir as campanhas em vendas. Foi capa de revista Women’s Health e, pela primeira vez, esgotou duas edições.

O que explica este sucesso? Helena foi capaz de se relacionar com a audiência e de gerar uma relação de confiança. “Temos raparigas que ligam a câmara no quarto e de repente estão a impactar 300 mil pessoas, com os mesmos gostos. No final do dia, isto junto gera ação”, diz Roberto Gomes, que trabalha com a influencer.

Há outros rankings que hierarquizam os influencers pela sua audiência e taxas de engagement (o rácio de comentários e likes por visualizações). Uma lista elaborada com base na aplicação Skorr para o Observador mostra que este top é liderado por futebolistas e personalidades ligadas ao mundo da bola. Entre os famosos com mais visualizações em Portugal estão jogadores, um treinador e pessoas com ligações pessoais a futebolistas (por exemplo, o clã Aveiro). Cristiano Ronaldo está noutro campeonato. É o português com mais visualizações e seguidores a nível mundial.

Quanto podem ganhar? 100 a 200 euros por post no início. 800 a 8 mil euros depois

Quem está a começar pode receber por um post ou publicação entre 100 e 200 euros, segundo fontes envolvidas neste mercado ouvidas pelo Observador. Já os influencers mais experientes e com mais seguidores podem cobrar valores entre 800 e 8 mil euros. Depende tudo da personalidade que o promove, do seu perfil e das visualizações que atrai com as suas publicações. E do compromisso/contrato que estabelecer com a marca em número e duração das inserções. O grupo restrito dos quatro ou cinco maiores influencers portugueses podem estar já “a aproximar-se do milhão de euros este ano”, aponta Roberto Gomes, especialista em marketing de influência.

Os influencers que estão a começar “gostam de receber coisas grátis” e, tendo em conta os testemunhos de criadores de conteúdos digitais ao Observador, essa é a forma mais comum de se lançarem. Muitas vezes, são os próprios a contactar a marca. Bárbara Bação diz que isso é completamente normal e não tem mal nenhum, mas é preciso ter critérios e não aceitar tudo o que vem à rede.

Hoje em dia, diz, “as próprias marcas e as agências de comunicação já reconhecem a importância de pagar aos criadores de conteúdos, os que são mais pequenos muitas vezes aceitam trabalhar a troco de produtos ou serviços”. Só que uma coisa é quando há uma “relação de proximidade com o produto”, que tem um “elevado valor”, não necessariamente monetário, para o influencer. Foi o caso de Catarina Pinto, com mais de 40 mil seguidores no Instagram, que se dedica a temas como moda e beleza. A criadora de conteúdos, que começou com um blog em 2014, esteve hospedada num hotel e acabou a fazer uma publicação sobre a experiência. O hotel gostou e convidou-a a voltar. “Mentiria se dissesse que não é prazeroso esse reconhecimento”, afirma ao Observador. E defende: “Não há que ter vergonha” de ir atrás das marcas.

Nádia Sepúlveda é médica de família e influencer em part-time. Com mais de 34 mil seguidores no Instagram, publica informação sobre cuidados de saúde e beleza. Ao Observador, refere que hoje recebe por post entre 150 a 200 euros, mas já chegou a receber entre 25 a 30 euros. Diz que para conseguir viver só do Instagram "teria de ter uma dedicação mais exclusiva".

O problema são as ofertas indiscriminadas, alerta Bárbara Bação, que podem ter um efeito contrário ao pretendido. A consultora recorda um episódio em que começou a ser bombardeada nas redes sociais com publicações de raparigas jovens a publicitarem uma marca de pensos higiénicos “sem qualquer foco”. “De repente via-se tudo o que era miúdas a fazer posts. Só víamos coisas sem lógica como mulheres na piscina com caixas de pensos na mão, nem sequer é uma narrativa que faça lógica para as mulheres”, explica. A plataforma tinha oferecido uma caixa de pensos — “que na altura não custava mais de três euros” — a quem se inscreveu, em troca de seis publicações na página de Instagram das utilizadoras.

O youtuber Nuno Agonia não diz quanto ganha, mas frisa que nem todo o conteúdo que produz é pago, nem fica necessariamente com os produtos que está a apresentar. “Não quero tornar-me apenas num produto comercial”, afirma. “Ainda esta semana vou à Tesla para mostrar um carro que vai chegar a Portugal. Vou ter acesso a mexer no carro, mas não posso levá-lo para a estrada”. O trabalho não será pago, mas Nuno também não exige que seja. Já é suficiente a visibilidade que alcança por ser dos poucos a experimentar um produto só acessível a poucos.

Catarina Barreiros concorda. Aliás, sublinha, 90% do conteúdo que produz não é remunerado. Há produtos de que gosta “genuinamente”, que já conhecia. É muitas vezes contactada por marcas que não têm como lhe pagar, mas que lhe enviam o produto para divulgação. “Tenho todo o gosto em fazê-lo quando conheço o produto e gosto dele”.

https://www.instagram.com/p/COh9cBNMVsM/

A criadora de conteúdos começou por acumular a nova atividade com o emprego numa farmacêutica que abandonou, no final de 2019, quando os rendimentos mal davam para cobrir as despesas. No espaço de dois, três meses de dedicação exclusiva aos conteúdos digitais, e com a chegada da pandemia, que alavancou o marketing de influência, o negócio cresceu muito. Abriu uma loja online, mas o Instagram continua a ser a principal fonte de rendimento, onde “quase tudo o que entra é lucro”. Custos? “O meu tempo e fotógrafo”. Atualmente, consegue cobrar cerca de 1.500 euros brutos por post com uma story.

A criadora de conteúdos diz aos seguidores quanto ganha com os chamados “códigos de afiliação”. Estes códigos são disponibilizados pela marca e associados ao influencer. Um cliente que queira comprar um produto pode inserir o código no processo de compra e recebe um desconto. A marca sabe quantas pessoas usaram o código e dá uma percentagem ao influencer de cada venda efetuada. No caso de Catarina, era de 10% (agora, passou a doar essa percentagem a associações ligadas à sustentabilidade).

Mas nem todos conseguem — ou querem — viver exclusivamente do conteúdo que produzem nas redes sociais. Nádia Sepúlveda é médica de família e influencer em part-time. Com mais de 34 mil seguidores no Instagram, publica informação sobre cuidados de saúde e beleza. Ao Observador, refere que hoje recebe por post entre 150 a 200 euros, mas já chegou a receber entre 25 a 30 euros. Diz que para conseguir viver só do Instagram “teria de ter uma dedicação mais exclusiva”.

https://www.instagram.com/p/CRq14MOrSWf/

Receitas a subir 40%. Todos os rendimentos (mesmo as ofertas) devem pagar impostos

O estudo Influencer Marketing Industry estima que em 2021 esta atividade movimente receitas de 13,8 mil milhões de dólares (quase 12 mil milhões de euros) a nível mundial, um crescimento de 40% face a 2020 que foi estimulado pelos confinamentos. Não há números para Portugal, mas todas as opiniões estão alinhadas. Os valores que resultam da promoção de marcas e produtos nas páginas pessoas dos influencers têm cada vez mais expressão e são o rendimento principal ou único de vários agregados. Também no caso das celebridades que trabalham na televisão esta componente já é muito relevante no dinheiro que levam para a casa.

A profissão de produtores de conteúdos digitais não existe nos códigos tributários: é abrangida pela categoria da publicidade ou de outros prestadores de serviços. Fonte oficial do Ministério das Finanças diz ao Observador que todos rendimentos associados têm de ser declarados na categoria B do IRS e são “tributáveis independentemente de serem pagos em dinheiro ou em espécie (bens e  serviços)”.

“Para existir tributação basta que exista um acordo ou contrato, verbal ou não, do qual resulte a obrigação de realizar uma contrapartida por esses bens e serviços. As taxas aplicáveis em IRS são progressivas e tanto mais altas quanto os valores declarados e tributados em cada ano. A receção destes bens e serviços envolve também a emissão eletrónica de uma fatura”.

Esta referência ao “acordo ou contrato” é importante, porque há casos em que os influencers recebem produtos, mas não se comprometem a fazer uma publicação. Fazem-no porque querem, nas condições que querem, sem terem de informar a outra parte. Não havendo dever de contrapartida, fica de fora da obrigatoriedade de declarar o produto, mas pode ser difícil provar que, efetivamente, não houve nenhum contrato.

Nas respostas ao Observador, o fiscalista Rogério Fernandes Ferreira diz que é comum os “influenciadores digitais” serem pagos pelos serviços que prestam ou em valores monetários ou em espécie. “Por exemplo, quando aceitam fazer posts em troca do produto que publicitam ou promovem. Existem mesmo casos, como os dos “programas de afiliados”, em que os “influencers” aceitam receber uma percentagem das vendas que o seu código, associado a certa marca ou produto, gera, e outros recebimentos em função do número de acessos à página da marca ou ao produto  que os seus posts implicam.”

O fiscalista Rogério Ferreira Fernandes admite que pode haver vantagens para os influencers em criar a sua empresa

Estes “valores remuneratórios podem ser tributados em sede de IRS, reconduzidos às categorias A (trabalho dependente) ou B (rendimentos empresariais e profissionais, vulgarmente denominados de profissionais independentes e associados ao regime dos chamados recibos verdes). O que separa uns dos outros é a existência ou a inexistência de um vínculo contratual que importe a subordinação do prestador.”

A maioria dos “influencers” presta serviços a mais de uma marca e pode escolher a forma como promove o produto ou os serviços. Não há uma “verdadeira subordinação jurídica, pelo que os seus rendimentos se devem enquadrar na categoria B.” Segundo Rogério Fernandes Ferreira, têm por isso a obrigação de registar a sua atividade junto da administração tributária, emitir faturas-recibos pelos serviços que prestam, sendo também tributados às taxas gerais e progressivas (entre 14,5% e 48%).”

A Direção-Geral do Consumidor abriu 14 autos de notícia, dos quais seis resultaram em admoestações (uma advertência que funciona como uma condenação) a influenciadores, agências e anunciantes. Os restantes processos estão "em curso".

E quando o serviço é pago em géneros (bens ou servços)? Está sempre sujeito a tributação em IRS ou IRC (já lá vamos). O código do IRS prevê várias regras para calcular o valor monetário: desde o preço tabelado oficialmente ou cotação oficial de compra e podem seguir os preços dos bens ou serviços homólogos fixados pelo INE (Instituto Nacional de Estatísticas) ou o valor de mercado em condições de concorrência.

Muitos influencers optam por criar empresas em nome individual para prestação de serviços às empresas. E  a taxa de tributação global até pode ser vantajosa, assinala Rogério Fernandes Ferreira. Isto porque a taxa de IRC geral está nos 21% enquanto as taxas de IRS são progressivas e variam entre 14.5% e 48%, mais adicionais até 5% (num total máximo de 53%).

Mas também há custos associados, avisa. “Desde logo com a própria constituição de uma sociedade, assim como outras formalidades, tais como a necessidade de estar sujeito a contabilidade organizada, um contabilista e a necessidade de conta bancária para a sociedade. Para mais, essa solução não evita integralmente a tributação na esfera pessoal do influenciador digital, seja por intermédio de um salário, por existir um contrato de trabalho (será tributável em sede de categoria A de IRS), seja pela distribuição de dividendos (tributáveis na categoria E), com taxa de 28%”. As prestações de serviço podem, também, implicar obrigações contributivas de IVA e até de imposto de selo.

Fisco “atento” mesmo sem encontrar sinais de “evasão fiscal generalizada”

Uma coisa é o que a lei determina, outra é a capacidade efetiva do Estado para cobrar e fiscalizar estes novos modelos de negócio que “escapam a uma normatividade fiscal clara e direta”, frisa o fiscalista cujo escritório de advogados na área fiscal dedicou uma newsletter ao tema.

Para Rogério Fernandes Ferreira, “a economia digital, em especial, tem promovido, a passo galopante, a erosão das bases tributárias e a criação de situações de imunidade fiscal, que importaria evitar de partida em nome da sustentação dos sistemas tributários,  causando transtorno e preocupação, não só por traduzirem receita tributária inexistente, mas também por contrariarem princípios e outros valores basilares, como o do pagamento de impostos em função da capacidade contributiva”.

Nos esclarecimentos prestados ao Observador, fonte oficial do Ministério das Finanças relativiza esta preocupação. “Não há, até à data, evidência empírica de que exista evasão fiscal generalizada”. Remetendo para as análises feitas ao nível da OCDE sobre profissões mais expostas à evasão fiscal — como são os casos dos cabeleireiros e mecânicos — refere que não existem “benchmarks ou estudos internacionais que assinalem um risco mais elevado de evasão fiscal no setor dos influencers”.

Ainda assim, “a Administração Tributária permanece atenta a esta nova realidade e realiza sempre inspeções quando entende pertinente ou necessário.” E conta com “inúmeros recursos e mecanismos para processar liquidações de IRS e realizar inspeções”. As manifestações de fortuna e acréscimos de património não justificados são sinais de alerta e a lei permite ao fisco usar métodos de avaliação indireta que colocam o ónus da prova na esfera do contribuinte, a quem cabe demonstrar que não teve os rendimentos, explica Rogério Fernandes Ferreira.

Os seguidores estão atentos e uma contradição não será perdoada. Tal como não foi quando a atriz e modelo Vanessa Martins, com mais de 621 mil seguidores, publicitou no Instagram uma marca de depilação a cera, quando já tinha dito que fazia depilação a laser. "O problema é que quem faz depilação a laser não pode fazer a cera", disse uma seguidora.

A Direção-Geral do Consumidor (DGC) também garante que está atenta ao cumprimento das regras de identificação da publicidade. Em 2019, criou um guia de boas práticas para a publicidade feita por influencers.

As publicações remuneradas devem ser identificadas com #PUB ou PUB. Já quando há a oferta do produto, deve mudar-se para “patrocínio”, “oferta” ou “parceria”. Embora não tenha recebido queixas dos consumidores, a DGC diz que tem fiscalizado e abriu já 14 autos de notícia, dos quais seis resultaram em admoestações (uma advertência que funciona como uma condenação) a influenciadores, agências e anunciantes. Os restantes processos estão “em curso”.

O que leva as marcas a apostarem cada vez mais nos influencers

Aquilo que pode parecer um cheque muito generoso do ponto de vista de quem o recebe pode ser mais eficaz para a empresa do que a publicidade tradicional, porque a promoção pode ser mais dirigida ao público alvo pretendido, sobretudo nos influencers que operam em nichos de mercado. E mais económico. Para as marcas, realça Tiago Froufe da Luvin, um dos critérios mais importantes é o número de visualizações por post/publicação, o que por sua vez também depende do número de seguidores.

As empresas fazem uma ponderação do custo por cada visualização e quando se traduz os valores para essa métrica eles acabam por compensar face a investimentos mais tradicionais em promoção e marketing. Há um custo médio por cada mil visualizações que pode ser de 20 euros (2 cêntimos por visualização), mas o fator mediatismo e celebridade pode fazer subir o valor. Há também os posts e a gestão de conteúdos patrocinados.

Além das visualizações e do número de seguidores, os “gostos”, o teor e o número de comentários, assim como a quantidade de publicações “guardadas” (para que o utilizador possa rever mais tarde) também são tidos em conta pelas marcas e influencers. “Existe muita confusão entre popularidade e influência. Posso ter um milhão de seguidores que fala do produto, mas não geram vendas”, indica Roberto Gomes. A taxa de engagement também é monitorizada, mas o indicador tende a diminuir à medida que se aumenta o número de seguidores. Isso acontece porque quando a audiência é maior e mais diversa, é mais difícil chegar a cada um dos seguidores. Outra forma de perceber que “o Instagram e o algoritmo gostaram da publicação é quando esta acaba por ter muito alcance vindo do separador “explorar”, explica a influencer Catarina Pinto.

Se todos os dados confirmam que as empresas dedicam uma fatia cada vez maior do seu orçamento de marketing e publicidade a estes novos protagonistas, também há histórias de quem lançou um novo negócio e apostou nos influencers para o divulgar.

Pegando na moda dos insufláveis de praia e piscina “instagramáveis”, Rui Elias lançou em julho uma marca feita de materiais reciclados. A publicidade através de influencers era “incontornável”. O empresário já conhecia muitas personalidades do meio por ter tido uma agência de comunicação. Foi, por isso, mais fácil conseguir que a apresentadora Carina Caldeira, a agente de celebridades Inês Mendes da Silva e o ator Jorge Corrula, aceitassem partilhar os insufláveis nas redes sociais.

https://www.instagram.com/p/CR91s4xIMvY/?utm_source=ig_web_copy_link

https://www.instagram.com/p/CSFl9o9Meh8/

O contacto com os influencers também aconteceu via Instagram ou através das agências que os representam. Foi preciso uma identificação a dedo dos “influenciadores que teriam o posicionamento” que pretende para a marca. Um requisito essencial, diz, é que o influencer combine com o produto e que seja coerente, para que a audiência acredite no que lhe estão a vender — muitas vezes, sem se aperceber de que o objetivo é esse.

Os seguidores estão atentos e uma contradição não será perdoada. Tal como não foi quando a atriz e modelo Vanessa Martins, com mais de 621 mil seguidores, publicitou no Instagram uma marca de depilação a cera, quando já tinha dito que fazia depilação a laser. “O problema é que quem faz depilação a laser não pode fazer a cera”, disse uma seguidora.

Nem todos os influencers que Rui Elias contactou no Instagram lhe responderam. E houve quem não tivesse publicado o produto nas redes. Não havendo nenhum contrato, nada os obrigaria a fazê-lo. Ainda assim, Rui estima que, dos 27 insufláveis que enviou (vão dos 50 aos 100 euros) cerca de 70% (à volta de 19) resultaram numa publicação.

O empresário sublinha que a abordagem aos criadores de conteúdos digitais tem de ser feita “com alguma sensibilidade”, sem “exigências”. “Quando os contacto, apresento muito sucintamente a marca e digo que gostaria de dá-la a conhecer em primeira mão. Pergunto qual seria o contacto mais direto para o fazer, depois faço chegar o produto e envio uma carta a explicar o que é a marca, a identificar as nossas redes sociais para poderem consultar, mas não demasiado extensa”. O que cada um faz com a informação — e o produto — fica à consideração de cada um.

A luta pela atenção das pessoas: do Instagram e Youtube para a televisão

Roberto Gomes, da agência We Can Fly, acredita que muitos influenciadores que nasceram no digital já estejam a fazer mais dinheiro com as redes sociais do que muitas celebridades que fizeram carreira na televisão, por exemplo, e acabam por fazer publicidade a produtos “que toda a gente sabe que não usam”. Como a apresentadora jovem que publicita o produto para os ossos e articulações. “Tem de ser real, credível”.

Os influencers, garante, geram hoje “mais vendas do que os outdoors”. “Estamos numa luta pela atenção das pessoas. O telemóvel tem a minha atenção, é o agregador da atenção, é inevitável que aí esteja o dinheiro das marcas”. Miguel Raposo, consultor de marketing de influência e autor do livro “Profissão: Influencer”, estima que todos os anos haja um aumento de 20% na procura por influencers. O ano passado foi “gigantesco” por causa da pandemia. Obrigados a ficar em casa, os consumidores passaram a olhar mais para o telemóvel do que para os outdoors. As marcas aperceberam-se disso e souberam capitalizar.

Os meios tradicionais (como a televisão, rádio, imprensa e outdoors) ainda dominam o bolo de investimento em publicidade. A Sumol, por exemplo, refere que esses canais são o foco principal quando se quer chegar "a um determinado número de pessoas de forma mais rápida e direta, com mensagens mais simples”. O diretor de Marketing da Sumol/Compal, Rodrigo Costa, acrescenta que as redes sociais surgem “quando queremos trabalhar de forma mais segmentada, emocional e relacional com o público-alvo”, neste caso, mais jovem. O investimento no digital da marca representa 20% a 25% do investimento em publicidade, enquanto que há cinco anos estaria próximo dos 15%

Também os media tradicionais despertaram para estes novos protagonistas. As televisões foram buscar os criadores digitais para apresentar programas porque acreditam que a notoriedade nas redes sociais também traz audiências. É o caso de Helena Coelho, que passou a apresentar um programa na TVI, da Pipoca Mais Doce, que se tornou comentadora do Big Brother, ou do youtuber Nuno Agonia, que tem um programa no canal de cabo da SIC, Advnce, e 1,4 milhões de subscritores no Youtube.

Esta plataforma é uma das poucas que pagam ao influencer pela publicidade inserida nos vídeos. Essa foi, aliás, das primeiras fontes de rendimento de Nuno Agonia, 41 anos, que há cerca de cinco anos deixou o emprego como informático de gestão hospitalar para se dedicar à produção de conteúdos sobre tecnologia naquela rede social.

Começou com tutoriais e foi pedindo aos amigos que lhe emprestassem os smartphones que compravam, para gravar vídeos a apresentar os produtos, sem custos. Hoje, considera, é mais fácil contactar marcas, que já sabem o valor do marketing de influência. Na altura, nem tanto. “Imagina o que é falares com uma empresa de informática e dizer que vou fazer vídeos para o Youtube. As empresas ficavam: O quê? O que vamos ganhar com isso? Era tudo muito verde”.

O primeiro produto que recebeu para um vídeo foi a título de empréstimo sem qualquer tipo de pagamento. Ao fim de dois anos e meio, os seguidores já chegavam aos 30 mil e Nuno apercebeu-se de que estava quase a ganhar o mesmo do que como trabalhador por conta de outrem. “Pensei que se aplicasse mais esforço, provavelmente tiraria o mesmo rendimento”. A publicidade do Youtube foi decisiva nesse passo de deixar o emprego.

Com o Youtube, há várias formas de ganhar dinheiro. Uma é com a publicidade que a plataforma coloca no início ou a meio do vídeo, pagando ao youtuber uma percentagem da rentabilidade que aquele vídeo trouxe. Embora o foco de Nuno seja apresentar produtos de tecnologia, como telemóveis ou computadores, o vídeo com mais visualizações é sobre bolas magnéticas de “neodymium”. Pelos cinco milhões de visualizações, ganhou cerca de  2.500 euros em publicidade do Youtube, revelou num vídeo.

Mas há muitas outras variáveis em jogo, como a altura do ano ou o investimento das próprias marcas. “O Youtube paga se também tiver publicidade a ser injetada na plataforma. Por exemplo, se há um lançamento de um Samsung, a própria Samsung pode investir mais naquela altura, vai ser melhor para ti”. Mas ainda hoje Nuno não consegue prever quanto vai ganhar no próximo mês.

Há ainda receitas que podem chegar através dos patrocínios das próprias marcas nos conteúdos criados pelo youtuber ou o product placement (colocação de produto). Por exemplo, em alguns vídeos, Nuno diz logo no início que o conteúdo foi preparado com o patrocínio de uma determinada empresa.

20% dos orçamentos para o digital. Como é que as marcas sabem se funciona?

As marcas “estão a ser cada vez mais pragmáticas”, nota Roberto Gomes, da agência We Can Fly. “Antes estavam em todo o sítio, outdoors, TV. Agora investem no digital porque sabem quantas vendas vai gerar, qual o custo de aquisição do cliente, quantas vezes é visto”. O especialista em marketing de influência estima que, em termos médios, cerca de 20% do investimento das empresas esteja a ir para o digital — uma parte para anúncios em sites, outra em conteúdo patrocinado e outra para influencers. E o número está a crescer.

Filipa Bello, diretora de marca da Zippy, diz que 25% do investimento em campanhas da Zippy vai para parcerias com influencers ou celebridades

A Zippy, que tem apostado na publicidade com influencers, acrescenta mesmo que “o custo-benefício” do investimento nessa comunicação “é muito mais alto comparado com outros meios”, até pelos resultados: a marca de roupa para criança criou, no Natal, uma coleção dedicada a vestir os mais novos em ocasiões especiais. Fez par com Carolina Patrocínio — e a apresentadora foi responsável por um aumento das vendas em 20%. Ao todo, 25% do investimento em campanhas vai para parcerias com influencers ou celebridades, diz ao Observador Filipa Bello, diretora de marca da Zippy.

Mas os meios tradicionais (como a televisão, rádio, imprensa e outdoors) ainda dominam o bolo de investimento em publicidade. A Sumol, por exemplo, refere que esses canais são o foco principal quando se quer chegar “a um determinado número de pessoas de forma mais rápida e direta, com mensagens mais simples”, refere Rodrigo Costa. O diretor de Marketing da Sumol/Compal acrescenta que as redes sociais surgem “quando queremos trabalhar de forma mais segmentada, emocional e relacional com o público-alvo”, neste caso, mais jovem. O investimento no digital da marca representa 20% a 25% do investimento em publicidade, enquanto que há cinco anos estaria próximo dos 15%.

E como são escolhidas as influencers com quem as marcas trabalham? É preciso olhar para a estratégia: o objetivo é vender? Aumentar a notoriedade da marca? Conforme a resposta, há que escolher o tipo de influencer: nano, micro ou macro? “Cada um deles dá resposta a um diferente objetivo”, refere Filipa Bello. Os nano ajudam a “reforçar a confiança e a proximidade dos consumidores à marca”, enquanto que os micro têm “uma maior taxa de interação”. Já os macro influenciadores, como Carolina Patrocínio, “asseguram maior notoriedade ou alcance e tráfego”.

No caso da BMW, a ideia foi encontrar alguém que representasse o tema da sustentabilidade e pudesse falar da mobilidade elétrica. A escolhida foi a atriz Ana Varela, que comunica temas como exercício físico, alimentação saudável, reciclagem. Já o ator Paulo Pires “comunica para um público premium e masculino, como marca de luxo e aspiracional”. A marca de automóveis empresta aos “embaixadores” um veículo durante um período de um ano, variando o modelo consoante o perfil de cada um. Por sua vez, a SEAT refere ao Observador que procura “perfis diversificados e de nicho” e que olha para métricas como a taxa de engagement e de alcance. Também tem parcerias com celebridades como Jessica Athayde, Ricardo Pereira, Nuno Markl e Sara Matos.

As condições de cada parceria dependem das caraterísticas do influencer e do objetivo das campanhas. Pedro Quintela, diretor de vendas da Agência Abreu, explica que os resultados do investimento em influencers podem ser monitorizados de várias formas: através de um aumento de pedidos de orçamentos e vendas, a procura de mais informação ou apenas pedidos de esclarecimento. E diz até que há casos em que as parcerias que firma nem pagam o valor da viagem.

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