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Nuno André Ferreira

Nuno André Ferreira

Eles podem não voltar, mas vão sempre

Um verão atípico. Em julho de 2013 registou-se uma média de 100 fogos por dia. Este ano regista-se menos de metade. Os "bombeiros" da GNR acreditam que a prevenção resulta. A meteorologia ajuda mais.

As fardas amarelas estão desalinhadas nos arrumos e deitam um odor a fumo. Ainda leve. Ao fundo das escadas, na sala improvisada para a época de fogos, um grupo de militares da GNR está em instrução. Recordam-se medidas de segurança em cenários de incêndio. No final, os militares desmobilizam. Uns bebem café, outros aproveitam para ir ao ginásio e há, até, quem esboce o desenho de uma possível casa para um dos colegas.

Corre a última semana de julho e a equipa helitransportada que todos os anos se instala na base aérea de Viseu vive um verão atípico. Conta cinco intervenções numa semana, no ataque inicial de fogos que não excedam os dois hectares de dimensão. Um cenário diferente do ano passado, em que arderam 140 mil hectares no País, o terceiro ano mais devastado pelas chamas na última década.

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“As condições climáticas e a prevenção que fazemos durante o inverno estão a surtir efeito”, explica o sargento Francisco Machado, tentando encontrar explicações para o facto de a campainha que dá o alerta dos fogos não soar. Aos 35 anos, é ele quem está a comandar os oito homens que compõem a equipa helitransportada de combate aos fogos. Os números do comandante (em substituição) da 3ª Companhia do Grupo de Intervenção, Proteção e Socorro (GIPS), tenente Pedro Pinto, dão conta de uma redução de ocorrências. Em Viseu, Armamar e Santa Comba Dão registaram-se 36 missões helitransportadas este ano. Em igual período do ano passado foram 172 as missões, quase cinco vezes mais.

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"As condições climáticas e a prevenção que fazemos durante o inverno estão a surtir efeito"
Sargento Francisco Machado

Este é o último ano em que os 30 militares de Viseu, que integram a 3ª Companhia, têm como único vizinho um aeroclube. O aeródromo de Viseu, propriedade da autarquia, foi este ano certificado para passar a receber voos comerciais. Nas instalações adaptadas à equipa de militares, há uma sala onde se encontra permanentemente um elemento do Centro Distrital de Operações de Socorro, que recebe os alertas de incêndios. É ele quem faz soar a campainha de alerta. Na sala ao lado, o militar responsável pelas comunicações. Um móvel divide o espaço em dois, onde funciona um ginásio. “É necessária uma grande preparação física. Só integra a equipa quem tem nota superior a 12 nos testes físicos”, diz o sargento Machado. Há avaliações a cada seis meses. No quartel improvisado há outra sala para que o piloto e o mecânico da empresa proprietária do helicóptero possam descansar nos tempos mortos. E este ano são muitos.

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No ano passado, segundo um relatório encomendado pelo Governo depois de se registarem onze mortes nos fogos, até meados de junho tinha havido uma média de 100 ocorrências por dia, havendo depois picos de 200 ocorrências diárias. Depois de 10 de agosto chegou a registar-se uma média de 300 fogos diários. Este ano os números são bem diferentes. De acordo com a Autoridade Nacional de Proteção Civil, a média ronda os 50 fogos diários. A última quarta-feira passou os 100 focos de incêndio. Um deles ocorreu em Celorico da Beira.

"Às vezes sofremos pequenas queimaduras, mas o calor é tanto que só percebemos quando regressamos"
Guarda Ricardo Silva

Ricardo Silva, 33 anos, esteve lá. Os vestígios ainda se notam no nariz, onde uma camada de creme tenta cicatrizar a queimadura. “Nem reparei. Às vezes sofremos pequenas queimaduras, mas o calor é tanto que só percebemos quando regressamos”, diz o militar ao Observador. Há alturas em que se atingem os 60 graus. Mas, garante, não sente medo. Ou pânico. Medo e pânico são duas palavras quase proibidas entre os militares. Mas há “sustos”.

Ricardo recorda-se do dia em que teve que fugir do fogo. Quando as chamas se tornaram incontroláveis. Vítor Santos, 30 anos, sofreu com a descarga de água do balde que o helicóptero transporta. São entre 800 a 1200 litros. É traduzir em peso e pensar no impacto. “Naquele momento não se consegue respirar, não se sente nada”, diz. Não foi o único a sofrer um acidente semelhante. Rafael Coelho, 29 anos, já passou pela Marinha, ainda entrou na PSP, mas acabou por ingressar na GNR. A descarga que sofreu empurrou-o para casa durante uma semana. Este é último verão que combate fogos. Prepara-se para mudar para a equipa de inativação de engenhos explosivos.

O militar Marco Martins

Sónia Simões

A frase sai-lhe quase sem intenção, mas bate certeira. “Podemos não voltar, mas vamos sempre”, atira o cabo Marco Martins do banco do pendura, a caminho do primeiro briefing diário na base aérea de Viseu. São 7h30 e há apenas sete quilómetros a percorrer, do centro da cidade ao aeródromo. Há tempo para um café rápido e corre-se para a zona onde o helicóptero alemão está pronto a arrancar em caso de alerta. Entre o alerta e a descolagem, não podem passar mais de 15 minutos. Há pilotos que são mais rápidos. Outros partem no último minuto.

"Se não conseguirem partir os vidros com os braços, usem os pés. Nada de pânico"
Comandante Pinto Coelho

“Hoje o risco de incêndio é muito elevado. A temperatura máxima prevista é de 29 graus. O peso do material e do pessoal é de 700 quilos”, avisa o chefe de equipa, o sargento Machado. Há uma patrulha terrestre na zona de Sátão. As patrulhas dão apoio e têm uma viatura igualmente preparada para o combate aos fogos. O piloto, um civil contratado pela Inaer, pergunta aos militares se têm dúvidas. E lembra o que fazer em caso de queda do helicóptero. “Se não conseguirem partir os vidros com os braços, usem os pés. Nada de pânico”, alerta o comandante Pinto Coelho. “Antes de entrarem no fogo, lembrem-se que têm que sair. A vegetação está muito alta”, avisa. E remata: “não se esqueçam, este trabalho é um modo de vida e não de morte”.

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“Quando nos sentimos à vontade, acabamos por desleixar-nos. É importante repetir todas as regras”, diz o sargento Francisco Machado. E as regras de segurança também mudam conforme o piloto. O sargento recorda um piloto que por ali passou que, em caso de emergência, dizia que preferia cair na água. E recomendou à equipa que assim que sentisse a avaria, abrisse as portas. E depois, debaixo de água, começasse a contar. “Um, dois, três…”, recorda o sargento. Só depois deviam abandonar o helicóptero. Nunca foi preciso. Explicação: em caso de avaria, os militares só devem sair depois das pás dos rotores pararem completamente. Outra regra de segurança: os militares nunca devem abandonar a aeronave pela retaguarda, porque o rotor de cauda é, ainda, sete vezes mais rápido. E as pás giram tão rapidamente que nem se veem. “Podem decapitar alguém”, adverte o sargento.

Em pleno palco de incêndios o sargento também conta “um, dois, três”. Até oito. “Eu tenho todos estes homens sob minha responsabilidade. Tenho que saber sempre onde estão. Por vezes pergunto por eles, para me certificar que não perdi ninguém”, revela o sargento. O trabalho destes militares no terreno está bem estabelecido. Depois de o chefe fazer o reconhecimento da zona e identificar o local onde o helicóptero os deve deixar, o ataque inicial é feito com um extintor dorsal, o chamado “bombito”, com capacidade para 20 litros de água, continua com dois batedores que abafam e apagam as chamas e termina na separação dos combustíveis queimados e verdes para evitar reacendimentos.

Além de identificar os perigos no local, como os declives acentuados ou os vales encaixados, e das oito vidas (com a sua) que tem a cargo, no colete que veste por cima da farda o sargento guarda quatro rádios para comunicar. Um deles serve de canal de comunicação com o piloto do helicóptero, que depois de deixar os militares em terra, procura água no canal mais próximo. “Às vezes consegue voltar rápido. Mas cinco minutos sem o helicóptero e no meio de um fogo, parecem uma eternidade”, revela. O outro rádio coloca-o em comunicação com o militar que fica sempre na base aérea. Há ainda o rádio para comunicar com os bombeiros locais e um outro para o Comando Distrital de Operações de Socorro. Cada passo deve ser comunicado. O primeiro a chegar ao local, seja a GNR, sejam os bombeiros locais, assume o comando das operações.

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A vantagem destes militares serem quase como polícias bombeiros é que podem deter ou multar qualquer suspeito. Seja por suspeitas de fogo posto, ou por impedir o combate ao fogo, ou mesmo por falta de limpeza das matas. No ano passado, segundo dados da Polícia Judiciária fornecidos ao Observador, foram detidos 82 incendiários. Muitos foram apanhados pela GNR e entregues à força responsável pela investigação deste tipo de crime. Este ano, até ao último dia de julho, tinham sido detidos 30 suspeitos. Mas nem todos os casos detetados pela Guarda são crimes deste género.

No ano passado, a GNR passou 440 multas a proprietários que não limparam os terrenos em torno das suas casas

No dia em que o helicóptero aterrou no terreno de um proprietário para deixar os bombeiros antes de ir buscar água, um homem começou a mandar pedras e paus ao rotor do helicóptero na tentativa de o calar. “Apanhei um susto, o piloto ficou nervoso porque temia que o rotor partisse e ficávamos todos ali. O homem começou a aproximar-se das traseiras do helicóptero e podia ficar gravemente ferido”, recorda. Os militares correram para o homem, ele ofereceu resistência. Estava nervoso, porque o barulho do helicóptero assustava os animais. Acabou detido.

Por outro lado, a GNR acredita que a aposta na prevenção também se reflete nas estatísticas. No ano passado, a GNR passou 440 multas a proprietários que não limparam os terrenos em torno das suas casas, como estabelece o decreto lei 124. “Um bom trabalho de inverno cria este verão”, volta a afirmar o sargento Machado, que chega ao final do dia de farda limpa. Mais uma vez.

Desde 2006 que a GNR tem militares formados para o combate aos fogos. O GIPS está presente em 11 distritos. Os helicópteros da Autoridade Nacional de Proteção Civil que utilizam têm uma capacidade de combate durante uma hora e meia, porque são destinados ao combate inicial dos fogos com menos de dois hectares.

“Guardião, escuto, guardião escuto”, diz pelo rádio das comunicações. Passam das 20.00 e acabou mais um dia de 12 horas de trabalho. O sargento dá conta ao Comando. Um militar fica de prevenção. Cada dia calha a um diferente.

 

 

 

 

 

 

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