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YOAN VALAT/EPA

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Emmanuel Macron. O “tecnocrata salvador” contestado em França, mas admirado na Europa

O presidente francês chega esta sexta-feira a Lisboa, no momento mais difícil do mandato. A popularidade de Macron está em queda e a polémica com um segurança pode valer-lhe uma moção de censura.

“Até agora, quase tudo correu bem a Macron”. António Costa Pinto, politólogo e professor de ciência política, diz bem: “Quase”. E esse “quase” não é pequeno — será o responsável pelo tombo do nível de popularidade do presidente francês, Emmanuel Macron, que caiu mais de 20% em pouco mais de um ano. Os franceses estão divididos. Uma sondagem divulgada quando o presidente de França completou um ano de mandato, em maio, revelou que 57% dos inquiridos estava insatisfeito com a sua política. E já em junho, uma nova queda: apenas 40% diz concordar com as medidas do Eliseu. É certo que os resultados continuam a ser melhores que os dos antecessores, François Hollande e Nicolas Sarkozy, mas revelam dados preocupantes para o governante: a queda é mais significativa entre os eleitores mais velhos, acima de 65 anos — o grupo etário no qual Macron encontrou mais apoio nas eleições do ano passado.

A 7 de maio de 2017, Macron chegou ao Palácio do Eliseu com uma maioria absoluta e descrito como uma nova esperança para França, depois de uma segunda volta disputada com a líder da extrema-direita francesa, Marine Le Pen. A eleição representou, para o politólogo António Costa Pinto, dois sucessos. Em primeiro lugar, porque Macron, com a sua “imagem de relativo independente, jovem e com um discurso que era relativamente liberal — coisas que a sociedade francesa não aceita muito bem –, foi eleito presidente da república com base num novo partido que ele próprio cria”. Em segundo, “o seu partido, muito embora frágil, porque foi criado para as eleições, tem hoje a maioria do parlamento francês”. Um ano depois, os franceses apontam-lhe, como qualidades, as “convicções profundas”, a “autoridade” e “estatura presidencial”, mas criticam o facto de ser “pouco unificador” e pouco “próximo das pessoas”, revelam os estudos de opinião.

Macron foi eleito a 7 de maio de 2017 com maioria absoluta, numa segunda volta com a líder da extrema-direita, Marine Le Pen (Foto: CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA)

CHRISTOPHE PETIT TESSON/EPA

Serão dados pouco importantes para Macron, que esta sexta-feira está em Lisboa a convite do primeiro-ministro português, para uma cimeira sobre interligações energéticas, à qual se juntam também o líder do governo espanhol, Pedro Sánchez, e o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker. Até porque, para o politólogo António Costa Pinto, em declarações ao Observador, é “muito provável que [o nível de popularidade] se mantenha [assim em queda] porque uma parte do seu projeto reformista é impopular em França”. O que preocupará, realmente, o chefe de Estado francês é a primeira moção de censura que pode enfrentar e as manifestações que enchem as ruas de Paris com cada vez mais regularidade. O presidente francês vem a Portugal no período mais difícil e envolto em casos, polémicas e alguns fracassos que, provavelmente, não adivinharia quando foi considerado o jovem Messias que poderia salvar o país. Passou pouco mais de um ano — como é que Macron chegou aqui?

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Macron, Sánchez e Juncker em Lisboa no próximo dia 27 a convite de Costa

O caso Benalla — o novo Watergate?

É o maior escândalo da era Macron — e que já levou o partido Os Republicanos a anunciar que vai apresentar uma moção de censura ao parlamento francês. Em causa, está o chamado caso Alexandre Benalla, que era o chefe de segurança de Emmanuel Macron e da sua mulher Brigitte, mas que, antes disso, já tinha trabalhado com outros políticos e dirigentes socialistas, como François Hollande, Martine Aubry e Arnaud Montebourg.

O acontecimento em causa não é de agora, mas a polémica é: rebentou quando o jornal Le Monde divulgou um vídeo onde se via Benalla a agredir manifestantes de esquerda, durante a tradicional marcha do 1.º de maio, em Paris. O chefe de segurança estava disfarçado de polícia e agia perante os olhares das forças de choque, que não reagiram — como se ele fosse um superior hierárquico.

O caso passou a ser tratado pela oposição — tanto à esquerda como à direita — como o “Watergate francês”, multiplicando-se as denúncias de que Macron teria montado uma “polícia política paralela” no Eliseu. O tom das críticas foi subindo à medida que se percebeu que os atos de Benalla não tinham tido consequências e, mais do que isso, que o Governo conhecia as imagens em questão, mas tinha tentado abafar o caso. O Eliseu acabou por esclarecer que o segurança tinha estado suspenso, sem salário, durante 15 dias, mas a verdade é que ele apareceu publicamente em momentos de peso — como as festividades do dia nacional francês, a 14 de julho, ou junto ao autocarro que transportava a seleção campeã do mundo de futebol, no desfile pelos Campos Elísios.

O Palácio do Eliseu tentou, posteriormente, desvalorizar o papel do segurança, dizendo que estava apenas encarregado da logística e das bagagens da equipa nacional francesa, mas a verdade é que acabaram por vir a público as regalias (pagas pelo Estado) a Benalla: o salário de 10 mil euros por mês, uma casa em Paris e um carro. Além disso, usava com frequência uma braçadeira oficial da polícia e tinha autorização para uso e porte de arma.

Macron pode estar prestes a enfrentar a primeira moção de censura da sua presidência. Embora não se esperem consequências de maior, já que o partido A República em Marcha goza de maioria absoluta na Assembleia Nacional, não deixa de ser a primeira grande mancha no pano da sua governação.

Benalla acabou por só ser despedido depois de rebentar o escândalo e apenas esta quinta-feira rompeu o silêncio, num pedido de desculpa pelo que fez, alegando que entendeu que o presidente estava em risco: “Sinto que fiz uma grande asneira. Nunca deveria ter ido a essa manifestação e deveria ter ficado atrás. Eles [os manifestantes] tentaram alcançar-me, atingir-me e foi tamém uma oportunidade para chegarem ao presidente da república”, disse em entrevista ao Le Monde.

O afastamento do responsável de segurança não fez, ainda assim, arrefecer o clima para Macron. O ministro do Interior, Gerard Collomb, deixou o presidente francês isolado, ao declarar que ele soube dos incidentes de maio, mas que optou por não denunciar Benalla às autoridades. Entre a oposição, Jean-Luc Mélenchon, líder da extrema-esquerda francesa, foi o mais duro: disse que o escândalo era a versão francesa do caso Watergate e que, tal como aconteceu a Richard Nixon, nos Estados Unidos, o presidente francês devia demitir-se.

Até ao final da semana, Os Republicanos devem avançar com uma moção de censura no parlamento — ainda que esclarecendo que o objetivo não é afastar Emmanuel Macron do cargo. “Queremos que o governo se explique”, disse Christian Jacob, líder do grupo parlamentar republicano. Sendo certo que a moção terá hipóteses limitadas de sucesso, já que o partido de Macron, A República em Marcha, tem maioria absoluta na Assembleia Nacional, o caso não deixa de ser a primeira grande mancha no pano da sua governação. E não é a única.

Presidente dos ricos?

Macron foi eleito debaixo de uma aura que o colocava como a nova esperança dos franceses. Um político jovem que, dois anos antes, nem partido tinha e que prometia atuar ao centro — “nem à esquerda nem à direita”, como o próprio afirmou. À vista dos eleitores, poderia ser ele a retirar a França da crise e salvá-la do avanço das forças reacionárias de extrema direita, personificadas por Marine Le Pen. A verdade é que o estado de graça não durou muito e a esperança deu lugar ao desencanto, para uma grande fatia dos franceses.

Cartaz de Macron vandalizado com a seguinte frase: "A França dos banksters" (expressão que mistura banqueiros com 'gangsters'). (JOEL SAGET/AFP/Getty Images)

AFP/Getty Images

Logo depois da aprovação do primeiro Orçamento do Estado, Macron ficou com o rótulo de “presidente dos ricos” colado à pele. Tudo por causa das medidas consideradas pouco amigas dos mais carenciados. Primeiro, a redução da despesa pública, depois a forte redução do imposto sobre a fortuna (ISF), que passou a ser cobrado, apenas, a quem tinha património imobiliário superior a 1,3 milhões de euros, excluindo assim os ativos financeiros, como ações, dividendos, títulos da dívida pública, ouro, iates e carros de luxo — o que beneficiaria 280 mil famílias abastadas. Paralelamente, seria também reduzido, progressivamente, o imposto sobre as sociedades, passando dos 33% para os 25%, em cinco anos.

“Se antes tivemos um presidente para os ricos, agora temos um para os milionários”.
Philippe Martinez, líder do sindicato da CGT

O princípio foi explicado de forma simples pelo ministro da Economia francês: “Queremos criar riqueza para distribuí-la”. E, no ideário de Macron, quem gera essa riqueza são aqueles que apostam na criação de empregos. “A reforma do ISF segue uma filosofia de favorecer o investimento”, esclareceu o próprio presidente. “Não é uma questão de decidir se as pessoas são ricas ou pobres, não se trata de punir as pessoas pelo sucesso que tiveram na vida. Queremos alinhar a França com outros países europeus, no financiamento da inovação”.

Mas do rótulo, Macron nunca se livrou. “Se antes tivemos um presidente para os ricos, agora temos um para os milionários”, disse mesmo Philippe Martinez, líder do sindicato da CGT, a principal central sindical francesa.

A “mãe de todas as reformas” que pôs os franceses na rua

Na senda do perfil ideológico de gerar riqueza para a distribuir, Macron foi mais longe e avançou com um pacote laboral que, em traços gerais, visava flexibilizar o mercado de trabalho. O ministro das Finanças, Bruno Le Maire, chamou-lhe “a mãe de todas as reformas”, já que permitiria criar mais postos de trabalho numa altura em que eles escasseavam: a taxa de desemprego chegava aos 9,5%, contra uma média europeia de 7,8%.

Os franceses saíram à rua para protestar contra as reformas de Macron. Nesta imagem, usam o nome do partido do presidente para dizer que "a revolta está em marcha". (FREDERICK FLORIN/AFP/Getty Images)

AFP/Getty Images

Assim, Macron fez aprovar (por decreto) um diploma que reforçava o poder das empresas em relação aos funcionários. Entre outras medidas, limitavam-se as indemnizações e outros custos de despedimento sem justa causa, priorizava-se a negociação direta entre empresas e trabalhadores, minimizando o raio de ação dos sindicatos, e flexibilizavam-se horários e salários.

Não tardou até que os críticos levantassem a voz contra o presidente, considerando que o novo pacote laboral representava um recuo nos direitos já adquiridos. Foi um salto até que os franceses saíssem à rua, em ondas de protesto que começaram a 12 de setembro de 2017 (apenas quatro meses depois da eleição de Macron), e que juntaram, em todo o país, 223 mil pessoas (segundo a polícia) e 500 mil (de acordo com os sindicatos).

Também a função pública fez ouvir a sua voz contra as medidas tomadas para o setor — que incluíam o congelamento de salários, a manutenção do valor dos descontos para a Contribuição Social Generalizada (que financia a segurança social), o não pagamento do primeiro dia de baixa e o corte de 120 mil empregos. Pela primeira vez desde 2007, organizou-se uma jornada de luta por todas as centrais sindicais, que convocaram uma greve para toda a função pública e mais de meia centena de manifestações por todo o país.

"Fui muito claro a respeito das minhas reformas durante a campanha eleitoral. Apresentei-as durante semanas e fui eleito por essas reformas. Acredito na democracia, mas a democracia não está nas ruas. As pessoas votaram. Estou muito tranquilo a esse respeito"
Emmanuel Macron

A esta onda de protestos juntaram-se os pensionistas que, em março deste ano, se manifestaram contra o aumento dos impostos sobre as reformas, que entrou em vigor em janeiro. Em causa estava o aumento e 1,7% da contribuição social generalizada para pensões superiores a 1289 euros, sem que os reformados recebessem uma compensação através de outras obrigações para com o Estado, como foi feito para os trabalhadores ativos e funcionários públicos. “Não tratar os reformados como os outros é uma provocação”, afirmou na altura Christian Bourreau, da Confederação Francesa dos Pensionistas.

Apesar da onda generalizada de protestos, Macron manteve-se fiel às suas medidas. E explicou porquê em entrevista à CNN: “Fui muito claro a respeito das minhas reformas durante a campanha eleitoral. Expliquei essas reformas. Apresentei-as durante semanas e fui eleito por essas reformas. Acredito na democracia, mas a democracia não está nas ruas. As pessoas votaram. Estou muito tranquilo a esse respeito”.

Continuar essas reformas será, segundo o politólogo António Costa Pinto, um dos principais desafios do líder francês. “A prova de ferro remete para a conjuntura económica e financeira — ou seja, melhorá-la ou não”, defende ao Observador, justificando: “Algumas das medidas da sua dinâmica reformista não são muito populares em França ou são populares num segmento pequeno da sociedade francesa, que não é o que faz ganhar as eleições.” O “grande desafio” de Macron é, sustenta o especialista, “consolidar o seu partido — um partido relativamente recente, pouco estruturado, constituído por notáveis locais que são dissidentes de anteriores partidos”.

Contestado em França, admirado na Europa

Se em França as coisas não correm de feição a Macron, o mesmo não se pode dizer no plano europeu. Embora o politólogo António Costa Pinto considere que a “capacidade política de Macron” é “relativamente pequena perante uma Alemanha cada vez mais poderosa”, a verdade é que, se há campo em que o cenário para o presidente francês é menos negro, é aquele que se estende para lá dos limites de França. Internacionalmente, o “jovem tecnocrata salvador”, como lhe chama Costa Pinto, é visto como alguém que pode dar um novo impulso à União Europeia e é elogiado por se ter conseguido impor como presidente numa Europa ferida pelo Brexit e a lidar com uma crise de refugiados, num momento em que Angela Merkel se debatia com problemas internos em Berlim.

Além disso, Macron é, como alertou Martin Quencez, membro do GMF —  uma instituição que se dedica a promover a cooperação entre os Estados Unidos e a Europa — “o único líder europeu a conseguir manter uma relação profissional com Donald Trump” — o que, no seu ponto de vista, “dá à França uma posição mais forte em relação a Berlim” no panorama internacional, disse à Bloomberg. A relação entre os dois presidentes tem sido forte (o que não tem impedido Macron de se demarcar do seu homólogo norte-americano em várias matérias, do ambiente ao comércio), e têm sido vários os relatos, em Washington, de que o presidente francês tem sido influente, junto de Trump, em muitos assuntos, como o Irão ou a Síria. Prova da relação entre os dois foi o encontro em abril deste ano: Macron foi o primeiro presidente homenageado com uma visita e um jantar de Estado, nos 15 meses que Trump levava na Casa Branca.

Macron tornou-se, em abril deste ano, o primeiro presidente homenageado por Donald Trump com uma visita e um jantar de Estado em Washington. (ERIC FEFERBERG/AFP/Getty Images)

ERIC FEFERBERG/AFP/Getty Images

“França foi um agente secundário durante oito anos porque os norte-americanos achavam que Berlim era a capital da Europa”, acrescenta Martin Quencez. Mas, agora, “Macron é a âncora de Trump na Europa”. O chefe de Estado francês permitiu que o seu país recuperasse a liderança internacional. Ainda assim, alerta a Bloomberg, “Macron quer salvar a Europa. Mas tem de salvar a França primeiro”.

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