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Se tudo tivesse corrido bem, o professor de Harvard teria aterrado em Lisboa no final de julho. O investigador venezuelano, de 61 anos, que tem estudado como promover a criatividade nas crianças e como preparar os alunos para o século XXI, teria vindo a Portugal falar sobre inovação educacional e, naturalmente, sobre o seu mais recente livro “Educar Estudantes para Melhorar o Mundo”.
Mas tudo correu mal. Do nada, a pandemia de Covid-19 tomou conta do planeta e foi à distância de um Oceano Atlântico que falou sobre Educação em tempos de pandemia para uma assistência virtual de 50 mil professores, parte deles portugueses. Através das câmaras, voltou a repetir aquilo que tem dito tantas vezes: “A pandemia é a maior disrupção na Educação do último século” e travar as suas consequências dependerá das soluções encontradas pelos governos. Se nada for feito, os danos podem prolongar-se por gerações.
Com isto em mente e com o novo coronavírus a bater em todas as portas, o presidente do think tank de Harvard sobre Educação Global teve de readaptar a sua pesquisa e, claro, a sua intervenção. Nos últimos meses liderou vários estudos, incluindo da OCDE e do Banco Mundial, sobre o impacto da pandemia na aprendizagem dos alunos. O objetivo era claro: “Fazer pesquisas muito rápidas porque os ciclos de tomada de decisão política também seriam rápidos e exigiam adaptação contínua dos governos” No final, esperava conseguir ajudar políticos de todo o mundo a tomarem decisões com base em evidência científica.
Durante as suas investigações — que incluem uma parceria com Andreas Schleicher, diretor de Educação da OCDE — Reimers começou a visualizar o que poderá ser o próximo ano letivo.
E é isso que conta na sua entrevista ao Observador, feita respeitando o distanciamento social, com mais de 5 mil quilómetros a separar o nosso microfone do da casa do professor, em Boston, Estados Unidos.
E o que prevê Reimers? Entre outros cenários, que as interrupções no ensino presencial se vão manter, e que os calendários escolares vão ter de deixar de ser o que eram. Pode ser preciso que os dias fiquem mais longos, outras vezes mais curtos, que a aprendizagem se mantenha ao fim de semana e, quem sabe, que as férias sejam mais curtas do que nunca.
Por isso mesmo, também defende que em centros urbanos, onde é mais provável surgirem novos surtos da pandemia, as escolas devem ter planos A e B, mantendo o olho numa solução híbrida.
Quanto ao Virtual Educa — o maior evento sobre educação do mundo — o encontro presencial ficou adiado para novembro, em Lisboa.
O próximo ano letivo
O que é que podemos (ou deveríamos) esperar do próximo ano letivo?
Até que uma vacina esteja amplamente disponível, é provável que a oferta de educação continue a ter de ser interrompida, pelo menos parcialmente e em algumas localidades. Não podemos prever exatamente — e com antecedência — onde essas interrupções ocorrerão, portanto, cada estabelecimento de ensino precisará de um plano A e de um plano B.
O plano A deverá ser o mais próximo possível do ensino presencial, seguindo as diretrizes das autoridades de saúde pública para conter a propagação da epidemia. Isto exigirá modificações substanciais na utilização das instalações físicas das escolas e, em alguns casos, poderá limitar seriamente a capacidade de realizar algumas atividades importantes — trabalho em grupo, refeições em grupo nas cantinas escolares, praticar Educação Física ou outras atividades que requerem contato físico próximo.
Isso significa que os planos A devem prever formas para que as competências que são desenvolvidas através de proximidade física possam continuar a ser cultivadas, ainda que de formas diferentes.
Os planos B terão de ser sobre a transição para o ensino à distância no caso de surgir outro surto da epidemia naquela localidade. O objetivo deverá ser o de oferecer educação com mais eficiência do que aquela que foi oferecida quando as escolas tiveram de abandonar o ensino presencial de um dia para o outro.
Espero que ambos os planos incluam alguma forma de envolvimento contínuo com o ensino à distância e, sempre que possível, algum tipo de aprendizagem on-line, já que são críticos para garantir a continuidade do ensino no caso de um novo surto, mas também porque são essenciais para cultivar a capacidade de aprendermos remotamente ao longo da vida, capacidades essenciais no tempo em que vivemos.
Faz sentido pensar em modelos que não sejam híbridos? Insistir que todos os alunos podem voltar à escola é prudente?
Depende da localização. Em lugares onde a epidemia está realmente sob controle e onde há um fluxo muito limitado de pessoas de outras comunidades, pode ser razoável esperar que não ocorra um surto. Estou a pensar em comunidades rurais isoladas com interação limitada com o mundo exterior. Para a maioria dos centros urbanos, com altas concentrações de populações e com muita entrada e saída de pessoas, o risco de um surto estará presente enquanto não houver vacina ou tratamento para a Covid-19.
É mais complexo reabrir escolas ou fechá-las?
Ambas são decisões incrivelmente complexas, porque envolvem equilibrar o que é bom para os alunos, num sentido educacional, com o que é bom para as famílias. Parte da pressão para reabrir as escolas vem da necessidade de permitir que os pais regressem ao trabalho para ganhar a vida e contribuir para a economia. Esses são objetivos importantes: uma recessão prolongada que se transforma em depressão económica deixa muitos adultos desempregados, causando sérios danos às pessoas, incluindo crianças. Parte da pressão para reabrir vem também da perceção de que a escola é, de muitas maneiras, um campo de jogo nivelado que iguala as diferentes circunstâncias sociais das crianças e oferece oportunidades iguais de aprendizagem. Se as escolas fecham, essas diferenças sociais desempenham um papel mais direto nas oportunidades educacionais, e o resultado são as lacunas na igualdade de aprendizagem que se tornaram evidentes na primeira fase da resposta à pandemia. Essas são boas razões para querer reabrir as escolas. Por outro lado, reabrir escolas antes que exista uma vacina eficaz para prevenir infeções ou mitigar o seu impacto é um risco para a saúde de crianças, professores e outras pessoas que trabalham nas escolas, bem como para as suas famílias. Portanto, a decisão de reabrir escolas envolve equilibrar essas preocupações, e isso é incrivelmente difícil. Em alguns casos, a decisão de abrir ou fechar escolas envolve ter de escolher entre opções que são todas más opções.
O que deve orientar a decisão sobre o melhor momento para reabrir escolas? Os calendários escolares normais?
Devemos entender que uma pandemia global é um evento sério e extraordinário, onde faz pouco sentido fixarmos-nos nas formas tradicionais de fazer qualquer coisa. Este é um momento em que precisamos de clareza quanto a objetivos, capacidade de escolher prioridades e de ter grande flexibilidade e criatividade no desenvolvimento de caminhos para alcançar esses resultados. Recuperar a perda de aprendizagens e as desigualdades criadas pela pandemia exigirá a colaboração de todas as partes interessadas, vontade de fazer mais do que o habitual e de diferentes maneiras. Talvez prolongando a duração do dia escolar, talvez reduzindo o período de férias, talvez aprendendo durante o fim de semana. Nesse contexto, devemos pensar com grande flexibilidade nos calendários das escolas. Não faz sentido fixarmos-nos num calendário escolar que foi desenvolvido para uma economia agrária e que, na maioria das sociedades, não apoia a aprendizagem ou os alunos. A necessidade de recuperar a perda de aprendizagem pode exigir mudanças nos calendários escolares, para que, quando os alunos regressarem à escola, cumpram dois anos num só, para que recuperem o que não aprenderam no ano anterior e aprendam o que é esperado deles no próximo ano.
Após a reabertura das escolas, a frequência dos alunos deve ser obrigatória?
Devemos manter a aspiração de que a educação é um direito humano universal e a expectativa de que todas as crianças devem ter acesso a ela. A expectativa de que todas as crianças aprendam deve ser mantida, mas deve haver flexibilidade das escolas fornecendo vários caminhos que possibilitem o envolvimento de todos os alunos, mesmo que as suas circunstâncias pessoais exijam que eles se envolvam de formas diferentes.
O distanciamento social vai ser o maior problema no regresso às aulas ou vai fazer parte da solução e levar-nos a pensar em novas formas de aprender?
Ambos. A curto prazo, o distanciamento social restringe a nossa capacidade de educar da forma que sabemos educar. Mas o distanciamento social também pode estimular a criatividade e a inovação para nos levar a pensar em novas maneiras de como educar.
A preocupação inicial das escolas foi migrar para o online em tempo recorde — segundo as suas pesquisas só metade dos alunos teve acesso à maioria dos conteúdos durante a pandemia. Para o próximo ano letivo isso já não basta?
Precisamos de abordagens integradas para chegar a todos os alunos e oferecer-lhes oportunidades que os ajudem efetivamente a aprender. Felizmente, existem muitas tecnologias disponíveis, incluindo opções de baixo custo, que possibilitam a criação de um sistema multifacetado que pode ter alcance máximo.
Nos últimos quatro meses, colaborei com colegas da OCDE, do Banco Mundial e da Organização HundrED, e estudámos a inovação educacional sem precedentes que foi desencadeada pela pandemia, olhando para a forma como as escolas, agrupamentos, municípios, governos regionais e nacionais, criaram novas maneiras de criar oportunidades de aprendizagem. As abordagens com maior sucesso desenvolveram estratégias multimédia — educação on-line sempre que possível, media em papel, rádio, televisão e tecnologias móveis — e algumas foram feitas com código aberto e tecnologias de baixo custo. Pode-se aprender muito estudando a experiência global.
O ensino tal qual como o conhecíamos deixará de existir?
Acho que não. Uma cultura da educação leva muito tempo a desenvolver-se e não é alterada facilmente. Esse é um dos desafios da maioria das reformas na educação: a sua tradução para práticas nas salas de aula é lenta, desigual e frequentemente envolve a coexistência de novas práticas coexistindo com outras mais antigas e bem estabelecidas. A pandemia estimulará novas e importantes formas de pensar e ensinar, mas acho que essas provavelmente coexistirão com outros métodos mais estabelecidos durante algum tempo no futuro.
Qual acha que será o novo normal na educação?
Não sei como será o novo normal, mas penso que será definido mais pela forma como a pandemia afeta as sociedades do que pela forma como afeta as escolas. Nas sociedades que entram em severas recessões económicas, isso pode levar ao aumento da pobreza, da desigualdade, da estabilidade política e da coesão social, e poderá criar um novo normal muito desafiante — em alguns lugares do mundo trará conflitos evidentes. Essas mudanças obviamente mudam a prioridade que a sociedade dá à educação e a disposição e capacidade das crianças e das famílias de se envolverem com a aprendizagem. Penso que em algumas partes do mundo haverá graves desarticulações deste género que terão efeitos profundos nas oportunidades de educação.
O papel dos governos na recuperação das aprendizagens
Quando se juntou a Andreas Schleicher, da OCDE, sentiram que os governos precisavam de algum apoio nesta matéria?
Conversas com os meus colegas da escola de saúde pública de Harvard, quando a pandemia eclodiu, sugeriram-me que esta seria uma interrupção a longo prazo e que criaria desafios para os líderes da educação em todos os níveis e em todos os lugares — e não tínhamos nenhum manual de instruções. Pensei que seria útil que pudessem apoiar as suas decisões com o tipo de evidência que uma pesquisa comparativa fornece. Entrei em contacto com o Andreas Schleicher e propus-lhe uma parceria, que ele aceitou rapidamente. Entendemos que era preciso fazer pesquisas muito rápidas porque os ciclos de tomada de decisão também seriam rápidos e exigiam adaptação contínua. O que fizemos foi realizar pesquisas internacionais em larga escala, uma curadoria de um longo catálogo de recursos educacionais on-line, estudos de caso de experiências de continuidade educacional e muitos debates públicos sobre o tema.
Espero que o que fizemos tenha sido útil para os governos, à medida que navegam nestes tempos complicados e sem precedentes.
Perguntou aos governos o tinham feito até então para apoiar a educação dos alunos. Uma grande percentagem respondeu ‘nada’. Isso surpreendeu-o?
Em março de 2020 realizámos a primeira pesquisa para verificar como a pandemia afetou os sistemas de educação. Naquela época, diversos participantes indicaram que, em muitos países, ainda não havia uma estratégia para a continuidade da educação. Isso é compreensível: foi uma mudança rápida e apanhou a maioria dos titulares das pastas de educação desprevenidos. O que achei mais interessante foi ver os países que foram capazes de implementar uma estratégia de continuidade e tentar perceber o que lhes serviu de apoio nesse processo.
Durante as suas investigações sobre o efeito da pandemia na educação, houve alguma descoberta que o tenha surpreendido?
A descoberta mais surpreendente, durante a segunda pesquisa que fizemos, em maio, foi ver a rapidez com que se implementaram estratégias para continuar a educar. Foi muito positivo perceber que a ideia de que todas as crianças devem ser educadas estava tão arreigada na mente das pessoas que, no meio de uma pandemia global, havia imensos indivíduos e instituições, em todas as sociedades, a fazer esforços extraordinários para garantir a continuação da educação.
Além disso, muitos dos case studies que fizemos demonstraram uma imaginação extraordinária e criatividade para apoiar a educação até dos alunos mais vulneráveis. Fiquei muito surpreendido, pela positiva.
Os planos dos diferentes governos para reabrir escolas devem incluir ajustamentos no currículo e formas de remediar as falhas na aprendizagem?
Certamente.
E a avaliação dos alunos?
É essencial avaliar o conhecimento e as habilidades dos alunos, a fim de desenvolver planos para lidar com a perda das aprendizagens.
Há um lado positivo para esta crise?
Suponho que sim. Para aqueles que não perderam as suas vidas, ou os seus padrões de vida, como resultado da pandemia, esta crise pode ser uma experiência que os lembre da importância da vida e que os incentive a viver de maneiras que melhorem o seu bem-estar.
Na educação, espero que esta crise faça com que todos se concentrem mais em alinhar as escolas com propósitos dignos e que valem a pena e em garantir que todos os alunos têm o apoio necessário para adquirir as habilidades necessárias para alcançar esses propósitos.
Os efeitos da pandemia
Este último ano letivo foi um ano perdido?
Não, não foi um ano perdido. Foi um ano de profundas experiências e de aprendizagem para toda a humanidade, pois estamos a viver juntos uma das mais sérias calamidades globais da nossa história recente. Vivemos com medo pela nossa saúde, pela nossa vida, vivemos a forma como o coronavírus infetou mais de 15 milhões de pessoas e tirou a vida de mais de 600 mil. As lições aprendidas com essa experiência marcarão a vida daqueles que sobreviverem para o resto das suas vidas.
Espero que leve as pessoas a viverem vidas com mais sentido, a compreender a fragilidade da vida, a ter mais empatia por outros seres humanos e a perceber a importância da solidariedade através de todas as divisões criadas pelo homem nas sociedades: classe social, raça, religião ou nacionalidade. Talvez este ano nos tenha proporcionado uma oportunidade de nos tornarmos mais conscientes do facto de sermos todos membros da mesma espécie, todos juntos nas nossas vulnerabilidades, viajando em conjunto nesta pequena nave espacial a que chamamos Terra.
Em termos de escolaridade, este também não foi um ano perdido, embora esta disrupção tenha prejudicado a capacidade das escolas de envolver os alunos em atividades que tinham sido planeadas antes da pandemia. A maioria dos países implementou o distanciamento físico que exigiu que os alunos ficassem em casa. Mas a maioria das escolas também criou estratégias alternativas de continuidade na educação em casa. É notável o que as escolas e os sistemas educacionais foram capazes de criar num período tão curto. Foram imperfeitos, claro, não conseguiram alcançar todos os seus objetivos ou alcançar o mesmo que as escolas teriam conseguido alcançar se as aulas não tivessem sido interrompidas pela pandemia. Mas há coisas importantes que foram conquistadas.
E quais foram essas conquistas importantes na educação?
A primeira: muitos pais e encarregados de educação passaram a conhecer melhor o trabalho que as crianças e os jovens realizam nas escolas e, como resultado, ficaram mais gratos pela importância das escolas e pelo trabalho dos professores. O segundo ganho foi que muitos professores passaram a apreciar mais o papel que os pais podem desempenhar no apoio à educação das crianças, tendo aprendido mais sobre as circunstâncias particulares em que cada um de seus alunos vive. O terceiro ganho é que um número muito grande de educadores tomou consciência da importância de algumas competências que os alunos precisam para aprender de forma autónoma: funcionamento executivo [gestão dos processos cognitivos do cérebro, como memória de trabalho, raciocínio, capacidade de resolução de problemas], reflexão, organização e a importância das habilidades sociais. O quarto ganho é que todos ficaram mais conscientes das profundas desigualdades em que vivem diferentes crianças e de como isso influencia as suas oportunidades de aprender. Isto são dividendos muito importantes desta calamidade global. Espero que tenham implicações profundas para a educação no futuro.
A pandemia pode levar-nos a um grande revés educacional, disse-o já várias vezes. Por que motivo?
Certamente que sim, a pandemia pode levar a um grande revés social, devido à perturbação que causou ao funcionamento de todas as instituições sociais imagináveis: no trabalho, na política, na vida doméstica. A pandemia de 1918 contribuiu, no caso da Alemanha, para o aumento do nazismo, pois depreciava a capacidade dos municípios de financiar serviços sociais e marginalizava um número cada vez maior de pessoas, algumas das quais se radicalizaram e se uniram a grupos de extrema-direita extremamente intolerantes. Existe o risco de que esta pandemia possa causar uma destruição séria em muitas sociedades, levando a uma depressão económica, causando uma disrupção negativa na política, no trabalho e noutras formas de organização e interação social.
Na educação, precisamos de avaliar onde os alunos estão em termos de conhecimento, habilidades, motivação para aprender, e desenvolver estratégias que possam ajudar os alunos a continuar os seus percursos académicos, desenvolvendo as competências necessárias para que se tornem arquitetos das suas próprias vidas e se tornem membros que contribuem para as suas comunidades.
É verdade que houve uma grande perda de aprendizagens em todo o mundo, como resultado da interrupção do ensino presencial, e que as crianças mais vulneráveis foram afetadas de forma desproporcional. É claro que é possível remediar esta perda com estratégias sólidas que possam ajudar os alunos a recuperar e a acelerar a aprendizagem e esse é o desafio para professores, líderes de escolas e governos nos próximos meses.
This Covid-19 pandemic will cause the greatest global disruption to educational opportunity in a century, exacerbating existing inequalities between and within countries. Absent effective government action it will severely impact the future opportunities of the students impacted, https://t.co/bU7fAVIv5L
— Fernando M. Reimers (@FernandoReimers) April 2, 2020
Esta perturbação na educação será sentida por meses, anos ou gerações?
Isso irá depender da natureza dos planos para recuperar a perda de aprendizagens e diminuir as lacunas criadas pela pandemia e da qualidade desses esforços. Se não for resolvido, sim, essa perda e essas lacunas serão sentidas durante décadas pelos indivíduos e pelas nações. Mas isso não é inevitável, as lacunas podem ser tratadas, alargando e acelerando as oportunidades de aprendizagem durante a pandemia e no pós-pandemia. E isso será um dos desafios mais importantes para os educadores nos próximos anos.
Podemos dizer que estas pessoas ficarão para sempre marcadas nas suas vidas académicas e profissionais pelos efeitos da pandemia? Podem as próprias comunidades sentir esses efeitos a médio e longo prazo?
Somente se não houver medidas corretivas. Penso que onde há bons líderes na educação eles serão capazes de catalisar colaborações com muitas instituições diferentes, que podem estimular e acelerar a inovação de professores, escolas, agrupamentos, e nesses sítios as pessoas vão recuperar das perdas causadas pela pandemia. Onde essa liderança está ausente, as pessoas terão vidas para sempre marcadas pela perda de aprendizagem causada pela pandemia. E isto não é diferente do impacto da pandemia na saúde. O número de pessoas que morreram per capita, ao redor do mundo, reflete a qualidade da liderança política e de saúde pública e a qualidade das instituições de saúde pública disponíveis para implementar escolhas de políticas. O impacto desta pandemia será absolutamente ditado pela qualidade da liderança e pela qualidade das decisões tomadas por esses líderes, seja nos domínios da saúde pública, seja nos domínios da educação.
O que é que a História nos ensina, por exemplo com a Peste Negra ou a Gripe de 1918?
Como mencionei anteriormente, a gripe de 1918 teve efeitos catastróficos para a democracia na Alemanha e, consequentemente, para o resto da humanidade, uma vez que a ascensão de Hitler foi fundamental na calamidade devastadora que foi o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial.
A Peste Negra de 1346 a 1353 é claro que teve um impacto terrível na vida humana e causou muita devastação, mas também levou as pessoas a questionar muitas das normas e instituições da época, incluindo a ordem social estagnada e o papel do dogma em sustentar a autoridade das instituições religiosas em governar a vida das pessoas comuns. De certa forma, isso foi o fermento que tornou possível o Renascimento Italiano, por volta de 1350 a 1400, e que marcou o fim da Idade Média — em termos de progresso humano foi provavelmente uma coisa muito boa para a maioria das pessoas.
Obviamente, não há como saber se esta pandemia trará o declínio da democracia ou um Renascimento, mas suspeito que dependerá da qualidade da liderança e de como os líderes ajudarem as pessoas a encontrar sentido no momento atual, e a orientarem-se sobre o que precisa de ser feito em resposta à calamidade. Os educadores podem desempenhar um papel muito importante neste momento histórico, exercendo uma boa liderança, que mobiliza a sociedade para um Renascimento e não para as alternativas.
Pesquisas norte-americanas mostram que o aluno médio começará o próximo ano letivo com um terço do progresso esperado em leitura e metade a matemática. E sabe-se que durante as férias de verão, os estudantes perdem o equivalente a um mês de aprendizagem. Isso é uma verdade universal ou existem países que conseguem superar esse problema?
Há pesquisas limitadas sobre a perda real de aprendizagem dos alunos portanto, não podemos responder com precisão, mas as estimativas dos professores, relatadas na pesquisa que conduzi em junho, em colaboração com o Andreas Schleicher da OCDE, vão na direção da pesquisa que citou.
Na maioria dos países, há um número obrigatório de horas semanais para as disciplinas obrigatórias. Considera-se que esta é a única maneira de garantir a aprendizagem. Qual foi a alternativa durante a pandemia?
Ao fazermos planos para recuperar as perdas na aprendizagem, devemos concentrar-nos muito mais nas metas e nos resultados da aprendizagem, e ser mais flexíveis nos caminhos percorridos para alcançá-las. Certamente é necessário tempo para dominar qualquer competência, mas existem muitas formas diferentes de usar o tempo de maneira eficaz e recuperar perdas. Os governos devem fomentar a inovação e a colaboração entre professores, e apoiá-los o mais possível, com acesso a recursos de alta qualidade, para que possam desenvolver planos específicos de recuperação das aprendizagens.
As universidades podem desempenhar um papel muito importante, aumentando a capacidade das escolas de desenvolver tais estratégias para a continuidade e recuperação educacional, de modo a que parcerias robustas entre escolas universitárias sejam uma via muito poderosa para sustentar a inovação educacional essencial nos próximos meses.