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Guerra vai arrastar-se para 2023 mas "o tempo joga a favor da Ucrânia", diz o historiador alemão Sönke Neitzel

"Do ponto de vista meramente militar, à medida que a guerra se arrasta o tempo joga a favor da Ucrânia" mas "na política e economia pode não ser assim", diz historiador militar alemão Sönke Neitzel.

A guerra na Ucrânia está para durar e pode arrastar-se facilmente “até 2023, até uma fase adiantada do ano“, diz o historiador militar alemão Sönke Neitzel, que ouve com “ceticismo” aqueles que acreditam numa solução até ao próximo Natal e antes do início do inverno. O historiador militar afirma que, à medida que o conflito se arrasta, “do ponto de vista meramente militar, o tempo joga a favor da Ucrânia” mas “nos planos da política e da economia pode não ser bem assim“.

Sönke Neitzel participou na última quarta-feira num webinar organizado pelo Berenberg Bank onde o historiador, professor da Universidade de Potsdam, refletiu sobre como é que o conflito pode terminar e sublinhou que “a História diz-nos que em 95% dos casos a guerra é decidida no terreno, no campo de batalha, são as armas que decidem“. Ou seja, “se houver um resultado no campo de batalha, surgem negociações para a paz, mas para que essas negociações surjam é mesmo preciso haver, primeiro, uma decisão no campo de batalha“.

E é nesse contexto que Neitzel acredita que quanto mais a guerra se prolonga mais vantagem a Ucrânia terá (do ponto de vista “meramente militar”, sublinha). “Eu acredito que o tempo joga a favor da Ucrânia, porque aquilo que estamos a ver agora é o resultado de vários anos, desde 2008, em que as forças armadas ucranianas foram treinadas pela NATO, sobretudo pelos EUA e pelo Reino Unido, na perspetiva de que um dia a Ucrânia se juntaria à NATO”, afirma o especialista, acrescentando que “os ingleses têm um centro de treino militar perto de Lviv e os alemães também têm vindo, secretamente, a treinar soldados ucranianos”.

O fruto desse trabalho de formação é um contraste com aquilo que aconteceu no Iraque e, sobretudo, no Afeganistão – onde os EUA tentaram formar forças armadas locais capazes mas esbarraram sempre num desinteresse por parte dos soldados. “A NATO tentou formar um exército nacional no Iraque e no Afeganistão e não conseguiu fazê-lo. Mas na Ucrânia conseguiu. E conseguiu porque na Ucrânia existe um conceito de uma nação pela qual se vai lutar. Isso não existia no Iraque e no Afeganistão”, afirma Sönke Neitzel.

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"A NATO tentou formar um exército nacional no Iraque e no Afeganistão, e não conseguiu fazê-lo. Mas na Ucrânia conseguiu. E conseguiu porque na Ucrânia existe um conceito de uma nação pela qual se vai lutar."
Sönke Neitzel, professor de Estudo da Guerra na Universidade de Potsdam

Mesmo numa guerra moderna, “é sempre preciso ganhar a batalha da infantaria, é necessário ter as botas no chão, no terreno”. E, no terreno, “a iniciativa passou para o lado da Ucrânia neste momento”, com a contraofensiva que tem obtido bons resultados nas últimas semanas. Do lado russo, “a reação está a ser atacar alvos civis mas Putin não irá ganhar a guerra destruindo infraestruturas civis“, garante Sönke Neitzel.

Oleksandr Syrskyi, o coronel-general que está a orquestrar a contraofensiva na Ucrânia

“A moral na Ucrânia continua extremamente elevada e a vontade de chegar a compromissos é extremamente baixa, na Ucrânia. Todas as sondagens mostram isso”, acrescenta o especialista, considerando que agora “tudo depende do Ocidente, sobretudo dos EUA”. Mas, acrescenta, “assumindo que vão continuar a apoiar [a Ucrânia, com armas e não só], então poderemos chegar a uma situação, que poderá demorar uns dois anos, até que os dois lados chegam a um ponto de exaustão“.

“E mesmo aí pode não haver uma paz real, apenas um armistício“, antevê. Na opinião deste historiador, partilhada com os clientes do Berenberg Bank numa sessão conduzida pelo economista Holger Schmieding, “não é fácil antever de que forma este conflito pode levar a uma solução de paz porque, na ótica de Putin, o Estado ucraniano simplesmente não existe. Algo que, obviamente, não é aceitável pelos ucranianos”.

Manter o apoio alargado à Ucrânia

Nesta fase, o que o Ocidente deve fazer é “estar preparado para continuar a apoiar as forças ucranianas com quantas armas for possível. E, depois, só podemos ter a esperança de que Putin perceba a mensagem e pense ‘não consigo vencer esta guerra’ e ‘preciso de encontrar outra solução’”.

Neste momento, se muitas mais pessoas morrerem e os dois lados chegarem a um ponto de exaustão, a única forma que eu antevejo é um acordo em que não há um reconhecimento oficial do Donbass e da Crimeia mas algum tipo de acordo, a esse nível, que permita um armistício. Isto é o mínimo. Para a Rússia, perder a Crimeia não é aceitável. Aí, Putin tinha alguma coisa para dizer que venceu e, do ponto de vista da Ucrânia, podiam sempre dizer que não fazia sentido continuar a matança.”

E qual é o risco de uma escalada mais grave, designadamente o uso de armas biológicas ou nucleares? Sönke Neitzel não se alonga mas, com base na sua intuição e experiência, dá a entender que desvaloriza um pouco esse risco, salientando que “a NATO é uma entidade cautelosa“.

"O Ocidente deve estar preparado para continuar a apoiar as forças ucranianas quantas armas quanto possível. E, depois, só podemos ter a esperança que Putin perceba a mensagem e pense 'não consigo vencer esta guerra' e 'preciso de encontrar outra solução'."
Sönke Neitzel, professor de Estudo da Guerra na Universidade de Potsdam

A “iniciativa”, neste momento, parece ter passado para o lado da Ucrânia, com uma contraofensiva que já levou à reconquista de uma parcela importante do território na zona leste do país e que, em breve, pode permitir às forças ucranianas retomar o controlo de Kherson. Mas faz sentido pensar que a maré pode voltar a virar? “Os russos teriam de melhorar o seu desempenho nos campos de batalha, o que não sabemos se está ao seu alcance”, diz o historiador, que considera que se “sobrestimou o poderio bélico das forças armadas russas” no início da invasão. As centenas de milhares de russos mobilizados recentemente não irão mover a agulha de forma significativa, afirma.

“As forças armadas são entidades complexas, precisam de mobilização, comunicação, planeamento… E o que vemos no lado russo é que eles não são capazes de liderar as suas forças quando as unidades de combate excedem muito os 10 mil homens“, diz o especialista, defendendo que “as forças ucranianas são muito melhores a esse nível e vão melhorar ainda mais” à medida que beneficiam da formação e orientação por parte do Ocidente.

Por outro lado, ressalva, “a Ucrânia também tem problemas, tem sofrido muitas baixas”. “Vemos limitações dos dois lados”, o que leva Sönke Neitzel a considerar que “o vencedor da guerra ainda está por decidir“.

Inverno na Alemanha preocupa mais do que inverno na Ucrânia

A História da guerra está recheada de exemplos em que o inverno rigoroso se transformou num elemento-chave na decisão de quem venceu as guerras. Mas Sönke Neitzel afirma que, neste caso, não será tanto assim – até porque não é só a Rússia, mas também a Ucrânia, que está habituada ao clima gelado. “O inverno não é um fator decisivo desta vez, ao contrário de outras guerras. No inverno de 1941, [em plena Segunda Grande Guerra] estavam -40ºC, não é provável que isso aconteça agora”.

Porém, “o que tem impacto, e já teve em fevereiro, é a chuva“, assinala. “Se houver uma temporada longa com muita chuva, muita lama, poderá haver uma pausa relativa, uma redução dos combates, mas eles vão continuar no inverno, sem que isso traga vantagem para um ou para o outro lado“.

O inverno aproxima-se. Será este um período de guerra de “desgaste”?

É neste contexto que o historiador não esconde estar menos preocupado com o inverno na Ucrânia do que com o inverno na Alemanha, no que diz respeito ao impacto sobre o decurso da guerra. “Do lado puramente militar, não tenho dúvidas de que o tempo joga a favor da Ucrânia. Mas do ponto de vista político, económico, isso é uma questão diferente. Politicamente, como vai ser o inverno na Alemanha? As pessoas vão morrer de frio? Do ponto de vista político interno, o Ocidente pode ver-se forçado a reduzir o seu apoio à Ucrânia”.

Isso mudaria tudo, afirma Sönke Neitzel. A Ucrânia não resistirá, neste conflito, sem o apoio contínuo do Ocidente, o que faz com que nos próximos meses a perseverança da solidariedade europeia seja duramente testada. E, tão ou mais importante do que a solidariedade europeia, também o empenho norte-americano na guerra não é um dado adquirido, diz o especialista.

Com os EUA a poucos dias de umas eleições intercalares cruciais, “existe o receio de que [se tiver um bom resultado] o Partido Republicano poderá tentar bloquear algumas iniciativas de Biden ou limitar o apoio que a Casa Branca dá à Ucrânia – e isso pode ter consequências no campo de batalha”. E se a guerra se prolongar até 2024, ano em que irá haver novas eleições presidenciais nos EUA? “Penso que todos na Europa têm medo de que o America First de Donald Trump possa regressar…“, diz.

Russia-Ukraine war

"O inverno não é um fator decisivo desta vez, ao contrário de outras guerras", diz Sönke Neitzel.

Anadolu Agency via Getty Images

Merkel “sempre fez tudo para não desagradar” os russos

Sönke Neitzel reconheceu, no final da intervenção, que historiadores e especialistas no estudo da guerra falharam, nos anos anteriores a este conflito. Isto porque, lamenta, não conseguiram evitar que o Ocidente cometesse o erro de analisar o perigo russo à luz do seu próprio “quadro de referência mental” – e não no quadro de referência de Putin, quesegue uma lógica diferente“.

“A nossa lógica é muito economicista, pondera os ganhos e os custos, pensamos ‘o que é que ele ganharia ao fazer uma guerra contra a Ucrânia, com todas as sanções que depois sofrerá’”, explicou Neitzel, contrapondo que “quando se tem um quadro de referência diferente, não necessariamente orientado pela economia, mas por uma narrativa histórica, por exemplo, ou questões internas, aí podemos chegar a conclusões diferentes”.

“Putin não é irracional, mas tudo aquilo que faz depende da lógica que tem a sua cabeça, e temos de afastar-nos da nossa lógica para entender Putin“, remata.

epa10215728 Russian President Vladimir Putin deliveries his speech during a ceremony to sign treaties on new territories' accession to Russia at the Grand Kremlin Palace in Moscow, Russia, 30 September 2022. From 23 to 27 September, residents of the self-proclaimed Luhansk and Donetsk People's Republics as well as the Russian-controlled areas of the Kherson and Zaporizhzhia regions of Ukraine voted in a so-called 'referendum' to join the Russian Federation.  EPA/MIKHAIL METZEL/SPUTNIK/KREMLIN POOL MANDATORY CREDIT

"Temos de afastar-nos da nossa lógica para entender Putin", diz Sönke Neitzel.

MIKHAIL METZEL/SPUTNIK/KREMLIN POOL/EPA

Em contraste, “a Alemanha e outros países ficaram a achar, depois da Guerra Fria, que a guerra não era uma ferramenta política”. E “quando se exclui a guerra do nosso quadro de referência…” fica-se numa posição de vulnerabilidade.

Merkel, em particular, fazia tudo para não desagradar à Rússia“, critica o historiador. Porém, “o erro não foi dar a mão a Putin nos anos 2000 e tentar estabelecer boas relações com a Rússia. O erro da Alemanha foi não se preparar para o pior cenário possível”, acrescenta, notando que “aquilo que se faz com as forças armadas, com os serviços secretos, tem de ser preparar para uma crise, para o caso de as coisas correrem mal”.

Fez-se o inverso, defende: “A Alemanha até aumentou as importações de petróleo e gás russos, de 30% em 2014 para mais de 50% em 2021. Isso foi o grande erro.”

Durante todo esse tempo, os responsáveis políticos alemães “desvalorizaram o que dizia a Polónia, acharam que era só traumas do passado” e “ignoraram os avisos dos americanos”, relativizando-os: “oh, os americanos só querem vender o seu LNG [gás natural liquefeito]…”, terão pensado, diz Sönke Neitzel. Por outro lado, “no leste da Alemanha ainda há muito anti-americanismo, sobretudo na esquerda…” e, por tudo isto, não foi possível mudar as coisas.

“Todos os think tanks apontaram a Rússia como ameaça mas todos nós falhámos, enquanto especialistas, em alertar os políticos para estes riscos“, rematou.

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