HRC ou DJT? Na velha tradição das três iniciais definidoras dos presidentes americanos (FDR, JFK, GWB, BHO), que três letras se seguirão na Casa Branca: as de Hillary Rodham Clinton ou de Donald John Trump?
Veremos a partir de 20 de janeiro de 2017 a primeira mulher na Casa Branca ou a primeira experiência populista de um multimilionário sem qualquer passado político?
Os americanos vão preferir a boa aluna ou o vendedor de ilusões? A candidata que esteve quase quatro décadas a preparar-se para este momento, somando currículo impressionante e quase imbatível, ou o multimilionário que nunca foi a votos mas se gaba de ter torres e aviões com o seu nome?
Se há quatro anos, quando Barack Obama obteve a reeleição, alguém dissesse que o duelo presidencial que se seguiria era entre Hillary e Trump, quase toda a gente acreditaria que a hipótese democrata seria aquela. Mas quase todos deveriam achar que a indicação republicana era uma espécie de piada. ‘Ok, agora a sério… que vai mesmo ser o adversário republicano de Hillary?’ Ou, no máximo, que seria apenas um simulacro da um duelo presidencial, preparado para um programa especial de um qualquer show televisivo em que Donald estivesse envolvido.
Dificilmente se poderia imaginar duelo tão improvável para se definir a sucessão de Barack Obama na Casa Branca — e seria quase impossível encontrar dois rivais tão diferentes na história pessoal, nas características de liderança e no comportamento público.
Hillary é aplicada, rigorosa, profunda e trabalhadora. Donald é sanguíneo, demagógico, autoritário e populista. Ela foi sempre das melhores alunas da turma no brilhante percurso escolar e académico que teve.
Como senadora, dominava de forma notável os dossiês. Enquanto secretária de Estado, bateu todos os recordes de países visitados e horas de avião somadas por um “US Official” em serviço. E aproveitou ao limite as oportunidades políticas que lhe apareceram para criar uma carreira pessoal, por ter casado com Bill Clinton, o 42.º Presidente dos EUA.
“Hillary era sempre a que tinha a resposta pronta para todas as perguntas do professor. Sabia a matéria, estava a par, tinha estudado e tinha-se preparado”, destaca Robert Reich, antigo colega de Hillary e Bill na Universidade de Yale, onde se formaram em Direito.
Ele gaba-se de ser politicamente incorreto e não tem qualquer preocupação com a verdade. Muda de opinião sobre pessoas, temas e atitudes – e consegue sobreviver incrivelmente com isso. Utiliza à exaustão o argumento de que se foi capaz de gerar fortuna pessoal pelo sucesso que tem tido nos negócios, poderá conseguir fazer o mesmo com os EUA, uma vez na Casa Branca. Insulta adversários e até pessoas próximas, desde que isso lhe possa trazer vantagens imediatas.
“Donald Trump nasceu sem o gene da vergonha. Parece que nada o afeta. Não quer saber. Não se sente na necessidade de justificar e consegue, quase sempre, tirar proveito disso”, conta Linda Stasi, colunista do NY Daily News, que acompanha há várias décadas a carreira empresarial e a vida pública do multimilionário de Nova Iorque.
https://youtube.com/watch?v=jKaiedK9SFc
Unidos pelo oposto
Os trunfos de Hillary são os pecados de Donald. Mas no que Hillary falha (falta de carisma e capacidade mobilizadora), Trump mostra-se assustadoramente eficaz. Hillary garante que se não for ela será o caos. Donald avisa que, com ela, ele e os republicanos provocarão o caos.
Nascida em Chicago, a 26 de outubro de 1947, Hillary Clinton é formada em Ciência Política, em Wellesley, e em Direito, em Yale.
“Não nasci primeira-dama nem senadora. Não nasci democrata. Não nasci advogada nem defensora dos direitos das mulheres e dos direitos humanos. Não nasci esposa nem mãe. Nasci americana no meio do século XX, num tempo e num local afortunados. Fui livre de fazer as minhas escolhas, que não estavam à disposição das gerações anteriores de mulheres no meu próprio país e são inconcebíveis para muitas mulheres do mundo de hoje. Cresci na crista de uma tumultuosa mudança social e participei nas batalhas políticas que se travavam sobre o significado da América e o seu papel no mundo. O meu pai nasceu em Scranton, Pensilvânia, filho do meio de Hugh Rodham Sr. e de Hannah Jones. Do lado da mãe, vinha de uma linha de mineiros galeses do carvão, de cabelo preto. Tal como Hannah, era manhoso e, por vezes, rude, mas quando se ria o sonho vinha lá do fundo e parecia envolver todas as partes do corpo. Herdei o riso dele, a mesma grande gargalhada enrolada que pode fazer virar cabeças num restaurante e afugentar os gatos de uma sala. Fui educada para amar o meu Deus e o meu país, para ajudar os outros, para proteger e defender os ideais democráticos que inspiraram e guiaram pessoas livres durante mais de 200 anos. Esses ideais foram incutidos em mim desde que tenho memória. Em 1959, queria ser professora ou física nuclear. Os professores eram necessários para ‘formar jovens cidadãos’ e sem eles não teríamos um ‘grande país’. A América precisava de cientistas porque ‘os Russos têm cerca de cinco cientistas para cada um dos nossos’. Mesmo nessa altura, eu era totalmente um produto do meu país e dos seus tempos, absorvendo as lições da minha família e as necessidades da América enquanto pensava no meu próprio futuro”, escreve Hillary em A Minha História, livro autobiográfico.
Natural de Nova Iorque, filho do empresário Fred Trump e de Mary Anne MacLeod, Donald Trump, nomeado como candidato presidencial republicano na Convenção de Cleveland, tem ascendência alemã, por parte dos avós paternos, e escocesa (a mãe nasceu em Stornoway, na Escócia, em 1912). Casado pela terceira vez, a primeira mulher, Ivana, é checa, e a terceira e atual, Melania, é eslovena.
Tantas influências estrangeiras na vida pessoal de Donald não deixam de ser irónicas para o candidato republicano que prometia “fechar fronteiras”, “retirar os EUA da Organização Mundial do Comércio” e “impedir a entrada de refugiados e imigrantes ilegais”.
https://youtube.com/watch?v=UKqOHGxhWQA
Já foram amigos e são quase da mesma idade
Têm quase a mesma idade (Hillary completou 69 anos a 26 de outubro, Donald fez 70 no passado dia 14 de junho). E, sim, até já foram amigos (ou, pelo menos, aliados de conveniência).
A ferocidade desta campanha acabou com qualquer tipo de empatia que pudesse haver entre os dois. No primeiro debate ainda se cumprimentaram, nos outros dois já nem se podiam olhar.
Donald promete que, se for eleito, a põe “na prisão”. Hillary disse-lhe na cara: “Enquanto andava a apresentar o Celebrity Apprentice, eu estava na Situation Room a ajudar o Presidente a eliminar Osama Bin Laden”.
As filhas são amigas há muitos anos (conheceram-se em eventos sociais de Nova Iorque) e, a acreditar no que contou Chelsea em presença em setembro no programa televisivo “The View”, da ABC, continuará “a ser amiga de Ivanka muito depois das eleições presidenciais de novembro”. Ivanka garante o mesmo sobre Chelsea.
Donald, hoje o campeão da crítica “aos políticos da elite de Washington”, financiou durante vários anos os Clinton, para obter vantagens assumidas nos negócios. É já célebre a fotografia que junta Donald e Melania com Bill e Hillary, no dia casamento dos Trump, a 22 de janeiro de 2005, em Palm Beach, Florida (nos últimos dias, muitos a têm recuperado, não escondendo o espanto).
A junção, na altura, não causava grande estranheza: Bill era um ex-presidente que sempre contou com o financiamento de Donald Trump, Hillary era senadora por Nova Iorque, o estado onde Donald sempre manteve mais negócios, e na altura já se falava numa possível candidatura presidencial da ex-Primeira Dama.
Em 2007, numa altura em que se perspetivava um duelo “nova-iorquino” nas presidenciais de 2008 entre Hillary Clinton e Rudy Giuliani (antecipação precipitada, claro, porque meses depois o duelo seria entre Barack Obama e John McCain), Donald Trump até dizia preferir Hillary a Rudy, em entrevistas televisivas que deu.
O tanto que mudou no cenário político americano desde aí chega a ser difícil de perceber na sua total dimensão.
Mas há que puxar o filme um pouco atrás para se compreender como é que Hillary e Donald foram, nesta corrida presidencial de 2016, os rivais improváveis que protagonizaram uma das campanhas mais feias e violentas das últimas décadas na política americana.
Uma história difícil de compreender
Os anos Obama levaram a um extremar de posições da Direita americana. O Partido Republicano, em crise de identidade há uma década (desde o final a pique do segundo mandato presidencial de George W. Bush), começou a ganhar aversão a políticos do “establishment” e mais focados no centro político, e passou a estar cada vez mais vulnerável a aventuras populistas.
O Tea Party, movimento que reivindica o “regresso” do poder ao povo americano, numa crítica acérrima às práticas de Washington, baseando as suas posições numa leitura literal, quase bíblica, da Constituição americana, fletiu a agulha ideológica do Partido Republicano para um extremo, fazendo secar o centro e a moderação.
Se, em 2012, Mitt Romney, o único candidato do “establishment”, ainda conseguiu obter a nomeação (embora sem conseguir gerar grande entusiasmo das bases republicanas e depois de umas primárias em que se viu forçado a dizer coisas muito mais radicais do que eram as sua ideias), em 2016 o panorama resvalou para uma situação quase surreal.
Donald Trump, multimilionário com um império na área dos media e do imobiliário, dono da Trump Organization e da Trump Entertainment Resorts, simboliza, para muitos, o sonho americano levado ao paroxismo.
A sua fortuna colossal não lhe garantiu um percurso imaculado nos negócios: já declarou quatro vezes bancarrota, desde o início dos anos 90 (a última foi em 2009), mas sempre com um plano para regressar ainda mais em grande – embora com o foco nos lucros, não na salvação de empregos, algo que o governador da Pensilvânia, Tom Wolf, lembrou eloquentemente na Convenção Democrata de Filadélfia.
América no seu estado mais cru, no melhor e no pior.
Figura do mainstream mediático há várias décadas na América, foi, no entanto, sempre associado ao mundo empresarial e, mais recentemente, também ao do espetáculo televisivo. Truculento, agressivo, vaidoso, egocêntrico, exibicionista, Donald Trump gaba-se de ter personalidade dominadora e arrogante.
Nomeação oito anos depois do tempo
Republicana até aos primeiros anos da idade adulta, influenciada pelo pai e por ter conhecido o Presidente Nixon na Casa Branca, num prémio que venceu por ser das melhores alunas do país, Hillary chegou a ser líder dos jovens republicanos de Wellesley e trabalhou para a campanha de Barry Goldwater, candidato presidencial republicano de 1964, que viria a perder para Lyndon Johnson.
Mas o movimento dos Direitos Cívicos, muito mais ligado aos democratas, e o ano conturbado de 1968 (assassinatos de Martin Luther King e de Robert Kennedy, presença americana na Guerra do Vietname), foram decisivos para a viragem ideológica de Hillary. Democrata a partir daí, foi solidificando posições ligadas aos direitos das crianças e das mulheres.
O casamento com Bill Clinton tornou-a, não só uma advogada democrata de dimensão regional, como uma eventual estrela política no plano nacional. Como mulher do mais jovem governador de estado da América, como responsável pela reforma da saúde nos anos 90 durante a Administração Bill Clinton, como senadora por Nova Iorque ou como secretária de Estado, Hillary Clinton é, há 40 anos, uma política com credenciais alargadas e constantemente postas à prova.
Diferentes em quase tudo, um dos dois será o próximo Presidente dos Estados Unidos da América. O que os une será o que têm de pior: a maioria dos americanos não gosta deles.
* Germano Almeida é autor de “HILLARY CLINTON – Nunca é Tarde para Ganhar”; algumas das histórias contadas neste texto estão desenvolvidas no livro publicado no início de novembro de 2016