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MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Incêndios de Pedrógão. "A sucessiva recepção a VIPs prejudicou a eficácia do combate operacional”, afirma tribunal

Tribunal ataca Comando Nacional de Operações de Socorro pela confusão de meios no teatro de operações e diz que visitas de "VIP's" ao local dos fogos foi prejudicial.

“Levei com as chamas em cima… as chamas vieram do ar, apareceram novelos de lume, eu fiquei sem visibilidade. Eu só me defendi porque levava o capacete da mota e não o tirei, se não o cabelo ardia… fugi para o lado da casa, contra o movimento do lume e do vento, que metia medo, depois a minha camisa incendiou-se, e eu rebolei-me na terra para tentar apagar, e pensei que isto era o meu fim… o barulho do vento era ensurdecedor, e a sua velocidade era enorme… Dois minutos antes de ser atingido pelo fogo levei com os ramos de uma acacia, que só não me caiu em cima porque os cabos de eletricidade a aguentaram um bocadinho”

O testemunho de Altino Henriques, que vive em Castanheira de Pêra e viu nascer o fogo para os lados de Pedrógão, pelas 14h00 daquele dia 17 de junho de 2017, foi um dos mais “impressivos” para o tribunal de Leiria, que esta terça-feira decidiu absolver os 11 arguidos acusados de um total de 63 mortes e pelos ferimentos provocados a 44 outras pessoas. Duas horas depois do início, o fogo que começara pequeno já estava ao pé de Altino, que viu voar um telheiro em chapa metálica e um carro virado pelo vento. Eram “novelos de lume”, contou no julgamento que se prolongou por mais de um ano. O relato, escrevem agora os três juízes que assinam o acórdão de 528 páginas, serviu para reforçar a convicção de que na origem deste grande incêndio esteve um fenómeno meteorológico nunca antes registado em Portugal ou na Europa, o “downburst”. E que se houve culpados, eles não estiveram no banco dos réus. O coletivo de juízes aponta várias vezes ao Comando Nacional de Operações de Socorro, mas não só.  “A realização de sucessivos ‘briefings’ no PCO  [Posto de Comando Operacional] e sucessiva receção a VIPs prejudicou a eficácia do combate operacional”, lê-se.

Na apreciação do que aconteceu naquele fatídico mês, o tribunal começa por sublinhar que tanto os relatórios da PJ como da GNR divergiram nos locais onde terá começado o fogo na pequena localidade de Escalos Fundeiros. E que nem o relatório encomendado à data pelo Governo ao professor Xavier Viegas traz uma resposta cabal. Isto porque, sustentam, embora constem no processo imagens de árvores “chamuscadas” ao nível da copa dos carvalhos existentes no local, “não é certo nem seguro” que tais danos tenham ocorrido quando o incêndio deflagrou. Podem mesmo ter sido causadas por fagulhas libertadas pela combustão de vegetação ao nível do solo, exemplifica o tribunal. Também não há provas de que o cabo elétrico danificado, e igualmente fotografado pelas autoridades naquele local, tenha ficado naquele estado por ter tocado na árvores na sequência de uma descarga elétrica.

“A verdade é que [o professor Xavier Viegas] acaba por reconhecer que, não obstante esse seu convencimento, o foco de incêndio poderá ter tido origem noutras causas”, lê-se.

E nem o relatório do IPMA foi esclarecedor quanto à tese de que descargas elétricas atmosféricas atingiram a linha elétrica de média tensão, dando origem ao foco de incêndio. “Do relatório do IPMA resulta que a trovoada seca ocorre na zona especialmente a partir das 16h do dia 17 de junho e os disparos na linha que ficaram registados na estação da Lousã também não são esclarecedores”.

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A dúvida sobre a origem do fogo começou aqui a jogar a favor dos arguidos: o comandante dos bombeiros voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, o presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, os ex-autarcas de Pedrógão Grande Valdemar Alves e José Graça, a responsável pelo gabinete florestal da autarquia, Margarida Gonçalves, o presidente da Câmara de Castanheira de Pêra, Fernando Lopes, os três funcionários da Ascendi, Ugo Berardinelli, José Revés e Rogério Mota, e os responsáveis da agora E-Redes, Casimiro Pedro e José Geria. Diz a lei que, em caso de dúvida, absolve-se os réus.

"A verdade é que [o professor Xavier Viegas] acaba por reconhecer que, não obstante esse seu convencimento, o foco de incêndio poderá ter tido origem noutras causas”
Acórdão do Tribunal de Leiria

E a dúvida continuou a jogar a favor dos arguidos. Sentados no banco dos réus por terem descurado as faixas de rodagem e por não terem vias de circulação entre as zonas florestais mais densas (faixas de gestão de combustível), os arguidos viram terça-feira o tribunal desresponsabilizá-los por isso. A manutenção das faixas de rodagem é da responsabilidade, concertada, da Autoridade Florestal Nacional, da Guarda Nacional Republicana e da Autoridade Nacional de Proteção Civil, lembra o tribunal. E mesmo que os Planos Municipais de Defesa da Floresta (PMDFCI) conferissem alguma responsabilidade aos autarcas, estes planos de Pedrogão Grande e de Castanheira de Pêra tinham caducado em 2012 e 2016, refere agora o tribunal.

Absolvidos os 11 arguidos do julgamento dos incêndios de Pedrógão Grande

Já José Geria e Casimiro Pedro iniciaram funções naquela área em janeiro de 2017 e tinham já feito uma inspeção visual à linha não encontrando nenhuma anomalia em Escalos Fundeiros. “Não se descortina que, em concreto, a sua conduta tenha violado qualquer dever de cuidado”, concluíu-se.

A EN 236-1, que liga Castanheira de Pêra a Figueiró dos Vinhos, ficou conhecida como Estrada da Morte

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mortes não ocorreram apenas em zonas florestais

O tribunal vai ainda mais longe. Considerando que a acusação se limitou a formular uma “alegação genérica e abstrata” de que os locais onde ocorreram as mortes faziam parte integrante da rede secundária de faixas de gestão combustível definida pelo Plano Municipal da Defesa da Floresta Contra Incêndios (PMDFCI) dos municípios, os juízes lembram, porém, que há vários locais no interior ou no acesso à localidade, ou em zonas abertas perto de zonas de cultivo ou de taludes e zona agrícola, onde ocorreram mortes. “Sendo improvável que se tratassem de zonas florestais ao nível da ocupação do solo”, escrevem, lembrando mesmo que nestas zonas subsistiram oliveiras, que não arderam.

“Nalguns espaços abertos, como o caso do cemitério de Sarzedas,  a vegetação em redor era escassa e manteve-se verde e grande parte dos óbitos deu-se por inalação de fumos”, lembra o tribunal.

Não havia especialistas para prever um “downburst”

Pedrógão Grande é ocupado em 72% da sua área com floresta contínua de pinheiro e eucalipto, o que implica, diz o tribunal, “uma acumulação excessiva de material combustível, sem espaços de continuidade, como os mosaicos ou as faixas de gestão de combustível da rede secundária”. Ainda hoje essas faixas de gestão de combustível não existem. Mas para os juízes, mesmo que estas faixas de 10 metros existissem, seria inócuo e não salvaria as vítimas daquele incêndio que ali deflagrou.

Fazer justiça às vítimas de Pedrógão Grande não passa por condenar “inocentes”

No dia em que o fogo nasceu, houve um fenómeno piroclimático “extremo e inédito em Portugal e na Europa de ‘downburst’, provocado pela quantidade elevadíssima de carga combustível em combustão (proveniente de toda a floresta), e pelos gases e sistema convectivo criado pelo próprio fogo”, explica o tribunal. E foi este fenómeno que resultou numa verdadeira tempestade de fogo que se abateu sobre a EN 236-1, entretanto conhecida como Estrada da Morte. “O fogo veio de cima para baixo, e ao tocar ao chão, dispersou-se em radial, para todos os lados”, descreve-se no acórdão.

"Nalguns espaços abertos, como o caso do cemitério de Sarzedas, a vegetação em redor era escassa e manteve-se verde e grande parte dos óbitos deu-se por inalação de fumos"
Acórdão do Tribunal de Leiria

“O ‘downburst’ ocorreu de forma repentina, imprevisível e inesperada, e caiu como uma tempestade de fogo, com movimento descendente, desde a cerca de 13 quilómetros de altura, o que lhe conferiu elevado poder destrutivo, quando os ventos e ‘chuva’ de fogo embateram no solo e foram projetados em radial, em todas as direções”, conclui o tribunal. Houve janelas, caixotes do lixo, telhas metálicas de telhados e até animais ovinos, arrancados, e projetados pelo ar quilómetros de distância, lembra. E, reforça, muitas das vítimas morreram em locais abertos, “clareiras ou largos / espaços sem árvores, por ação do fumo e/ou do calor”, como aconteceu em Campelo, Figueiró dos Vinhos.

Mais. A 17 de junho de 2017 não existiam especialistas pirometeorologistas para realizarem uma previsão fiável da possibilidade de ocorrência destes fenómenos, ou da sua evolução, nem com conhecimentos para os prevenir ou combater. Por isso, este cenário não era sequer previsível.

À porta do tribunal havia uma manifestação de apoio esta terça-feira, quando foi lido o acórdão

RUI MIGUEL PEDROSA/OBSERVADOR

CNOS mandou meio aéreo para fogo de Góis, que começou depois

Ainda assim, alerta o tribunal, havia previsão de altas temperaturas e era um período de seca. Apesar disso, a fase Charlie não foi antecipada, o que significa que quando se deu o fogo não havia reforço de meios de combate aos fogos. O Ministério da Agricultura ainda não tinha fixado o período crítico de incêndios e nem sequer houve pré-posicionamento de meios dos corpos de bombeiros de Leiria — o Centro Distrital de Operações de Socorro não o determinou. Também a maioria dos postos de vigia ainda não estava sequer operacional.

Por isso, assim que se deu o alerta do fogo, o cenário foi catastrófico. Alguns meios de combate não chegaram a Pedrógão porque pelo caminho foram combatendo outros fogos. Outros tiveram que abandonar o teatro de operações por avaria. E um dos meios aéreos mobilizados foi desviado para o fogo de Góis, que deflagrou depois. Já em Figueiró havia meios a mais, descreve o tribunal.

Falta de meios, erros do Governo e a força da natureza. As defesas dos arguidos de Pedrógão Grande

“A sala do CNOS tinha conhecimento desta desproporção de meios entre os incêndios, assim como da avaria do 1.º Kamov e nada fez para equilibrar a situação, pelo contrário, autorizou que o Grupo de Reforço de Incêndios Florestais (GRIF) de Castelo Branco, antes de chegar a Pedrógão, fosse a Nisa combater um incêndio e que o GRIF de Évora ao passar em Montargil aí se demorasse a combater um incêndio”, lê-se.

Dozens Dead In Forest Fire In Portugal

Em 2017, as chamas tornaram-se incontroláveis

Getty Images

Nas primeiras duas horas de incêndio não existiram quaisquer meios aéreos no combate ao fogo o que para o tribunal é ainda hoje “imcompreensível quando tal facto era do conhecimento do CNOS”.

"O 'downburst' ocorreu de forma repentina, imprevisível e inesperada, e caiu como uma tempestade de fogo"
Acórdão do Tribunal de Leiria

Sem forma de comunicar, com falhas nas comunicações do SIRESP e por rede GSM, houve um bombeiro que pelas 16h teve que se deslocar de Regadas ao Posto de Comando Operacional em Escalos Fundeiros para fazer “cara a cara” o ponto de situação ao Comandante Arnaut. E depois das 19h, um cabo da GNR de Pedrógão Grande teve que se deslocar de ciclomotor entre os diversos postos de militares da GNR colocados na IC8, à entrada de Pedrogão, e na EN”, a fim de transmitir informações e ordens das chefias e da sala de situação da GNR de Leiria.

Sem SIRESP, internet e VCOC, (Veículo de Comando e Comunicações) o posto de comando (PCO) teve que mudar para a zona industrial de Pedrogão Grande. Aqui, acusa o tribunal, “a realização de sucessivos ‘briefings’ no PCO e sucessiva receção a VIPs prejudicou a eficácia do combate operacional”, considera o tribunal, cinco anos depois dos fogos. Era aqui que os jornalistas iam recebendo informações sobre o que se estava a passar e foi por aqui que apareceram vários políticos, como a então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, que se demitiu pouco depois, ou o próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.

O tribunal constatou que só a 19 de julho o Comando teve conhecimento do perímetro real do incêndio ,”o que diz bem das dificuldades verificadas”.

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