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ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

ANDRÉ MARQUES / OBSERVADOR

Jerónimo de Sousa: "O nosso compromisso não é votar a favor do Orçamento"

Uma semana antes de começar o "exame" ao OE, o líder do PCP diz ao Observador que não vai "queimar as mãos com o PS". Propõe aumento de pensões, do investimento e do IRC. E diz-se discriminado no TC.

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O secretário-geral do PCP revela que para a semana começam as reuniões do “exame” às propostas do PS para o Orçamento do Estado de 2017, um teste decisivo para a base de sustentação do Governo. “O nosso compromisso não é votar a favor do OE, é examinar esse documento, insistindo nessa linha da reparação e reposição de direitos”, diz Jerónimo de Sousa, que reclama um “aumento das reformas e das pensões”. E admite que vai propor aumentos de IRC como fez o Governo espanhol de direita. O líder comunista afirma que o PCP foi “discriminado” a favor do Bloco de Esquerda no processo de escolha dos juízes do Tribunal Constitucional. Considera que o discurso de Catarina Martins na convenção do BE foi “manifestamente exagerado”. E assume que afinar as máquinas na fábrica era mais fácil do que afinar a “geringonça”. Leia a entrevista.

Governo: “Não queimamos as mãos pelo PS”

O PCP hoje é um um partido moderado, gradualista e social-democrata, ou ainda é revolucionário?
É um partido comunista, que tem uma ideologia e um projeto transformador e age na realidade em que vivemos, neste país concreto, com este povo concreto. Procuramos agir, trabalhar e lutar tendo em conta um objetivo supremo da construção de uma sociedade nova, mas não lhe chamaria gradualismo. Entendo isto como um processo, sem atos súbitos, por etapas.

Mas na etapa de apoio a um governo do PS — que o PCP sempre acusou de pactuar com políticas de direita –, não é visto pelo seu eleitorado como estando a apoiar políticas de direita?
Não. A caracterização que fizemos do PS é objetiva, tendo em conta a sua ação no governo durante décadas em que se comprometeu com uma política de direita. Mas, tendo em conta a realidade em que vivemos com um Governo do PSD e do CDS durante quatro anos, em que essa política de direita transformou a vida dos portugueses num inferno, colocou-se uma questão central: havia uma nova realidade e uma nova relação de forças no Parlamento. Nesse quadro, o primeiro objetivo que tínhamos era derrotar o PSD e o CDS. Em simultâneo, procurámos um novo caminho de reposição de direitos, de salários, de reformas, de pensões, que está refletido na posição conjunta PCP-PS, onde é claro que o nosso grau de compromisso está definido ao nível da convergência que foi possível.

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"Não queimamos as mãos pelo PS. Faremos tudo, incluindo se necessário queimar as mãos, para encontrar respostas para aquilo que são anseios profundos dos trabalhadores e do povo português."

Gosta muito de usar adágios populares como este: “Uns queimam as mãos e outros comem as castanhas”. Até onde é que o PCP está disposto a queimar as mãos para António Costa comer as castanhas? Isto tem um limite?
Não queimamos as mãos pelo PS. Faremos tudo, incluindo se necessário queimar as mãos, para encontrar respostas para aquilo que são anseios profundos dos trabalhadores e do povo português. Nessa posição conjunta — além de um acervo de medidas urgentes no plano económico e social –, afirmamos também que este é um Governo do PS, com um programa do PS. As contradições inevitáveis que iriam acontecer resultariam dos constrangimentos a que o nosso país está sujeito, com os problemas estruturais que se conhecem, como o nível abissal da dívida, os problemas que resultam da situação da banca, e as imposições que nos colocam com a política da moeda única.

Ao apoiar um Governo que tem o Tratado Orçamental subjacente a todas as suas políticas, não é apoiar uma política de direita?
Não, porque sempre dissemos claramente que não estávamos no Governo. Não se trata de um Governo de esquerda ou das esquerdas, trata-se de um Governo do PS resultante da posição conjunta. Não percebemos isso da leitura inteligente dessas regras, dessas imposições. O facto de defendermos uma política diferente não invalida a nossa contribuição naquilo em que foi possível o compromisso e a convergência.

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Que leitura de praia sugere aos portugueses neste verão: o Capital, de Karl Marx, ou o último romance de Rodrigues dos Santos?
Para férias era preferível um livro mais aberto e mais romanceado e tranquilizante. Marx precisa de uma leitura, que não é de praia.

Já agora, o fascismo também teve origem no marxismo?
Isso é uma aberração histórica. Passo termo, é uma aldrabice histórica porque [José Rodrigues dos Santos] foi encontrar fontes inquinadas: alguém que foi e deixou de ser e passou a teorizar sobre isso. Não merece mais comentário do que isto.

Foi receber a seleção com o Presidente da República. Para si quem foi o herói? Ronaldo ou Éder?
A equipa.

O coletivo. Essa é uma resposta politicamente correta do PCP.
Não, porque se demonstrou, com todos os méritos incontornáveis que o Ronaldo tem, pois é um artista, um grande jogador de futebol, do melhor que há à escala planetária… mas ser capaz de conseguir aquele resultado com o incidente do Ronaldo, todos nós estávamos à espera de um golinho do Ronaldo. Ser capaz de coletivamente dar uma resposta para conseguir a vitória, acho que isso tem um grande valor intrínseco.

Se tivesse de comprar um carro em segunda mão, comprava-o mais rapidamente a António Costa ou a Catarina Martins?
Não comprava a nenhum.

Não vai dizer que só compra carros novinhos em folha.
Aquele com que ando tem 12 anos.

O carro deles seria uma geringonça.
Não. Acho que nem um nem outro deve ter grande jeito para fazer negócios desses. Não estou muito virado para lhes comprar carros em segunda mão.

Putin deve ser mais alvo de admiração ou de crítica?
Putin é um dirigente de Estado da Rússia, um país com um sistema capitalista. No plano pessoal não é hábito nosso fazer caracterizações no sentido positivo ou negativo.

Qual é o seu melhor amigo nas outras bancadas parlamentares?
Tenho muitos relacionamentos diversos. Talvez exagere ao dizer que em todas as bancadas, mas a palavra amizade é pesada. O que valorizo mais talvez seja o grande respeito e o relacionamento muito urbano com figuras de todas as bancadas. Valorizo muito essa marca de respeito e consideração existente, tendo em conta que somos adversários políticos. Não há ali nenhuma cedência de princípios. Valorizo muito esse respeito pelos adversários. Foi uma coisa que o meu partido me ensinou.

Afinar as máquinas na fábrica era mais fácil do que afinar a geringonça?
Acho que era mais fácil afinar na fábrica [risos]. Tínhamos um projeto, o esquema, a capacidade profissional para responder, conhecíamos a máquina, as suas virtudes e defeitos, as suas potencialidades e aquilo resultava bem. Esta geringonça é mais complicada, mais difícil de afinar.

O PCP aceita que a Caixa Geral de Depósitos acabe com os tetos salariais dos seus administradores. Aceita isso porque está a ganhar outras coisas?
Permite-me uma correção? Até porque tomámos uma posição pública e estivemos claramente contra…

Olhem para o que eu digo, não olhem para o que eu faço, é isso?
Não. Em relação ao Banif, que era uma questão importantíssima e decisiva, o PCP, mantendo a sua coerência, votou contra a solução encontrada. Pode dizer: mas isso podia pôr em causa o Governo. Bem, mas para o PCP o primeiro e principal compromisso é para com os trabalhadores e com o povo português, não é com o Governo.

Já que fala nos trabalhadores: este Governo tomou uma decisão de acabar com 2500 postos de trabalho na economia portuguesa, através da reestruturação que vai ser feita na Caixa. O PCP apoia o Governo que tomou esta decisão. Isso não é um problema para o PCP?
O PCP não apoia o Governo numa decisão dessa natureza.

Dizer que é contra é importante, mas o PCP nada fez para impedir, na prática, que esses 2500 postos de trabalho se evaporassem.
Não, não é verdade. Tomámos um posicionamento político, mesmo no plano da proposta. Defendemos a recapitalização da CGD, o seu fortalecimento, mas simultaneamente acompanhamos o nosso posicionamento com esta ideia: somos contra despedimentos na CGD. Se isso se verificar, colocado em letra de lei, obviamente a nossa posição será contra. Pode dizer-se: mas isso pode abalar este Governo do PS. Dir-me-á que é uma contradição. Haverá contradição: mas isso não invalida este posicionamento claro do PCP de votar a favor daquilo que considera positivo e contra aquilo que considera negativo Em relação por exemplo ao Plano Nacional de Reformas e ao Programa de Estabilidade, o PCP só não votou contra porque o Governo não os levou a votação.

Isso leva-nos a outra questão decisiva no próximo mês: o próximo orçamento deriva diretamente do Programa de Estabilidade. É para isso que ele serve. Sendo o PCP contra, presume-se também que seja contra um OE que se baseia no Programa de Estabilidade…
Em primeiro lugar, estamos a falar de uma coisa que ainda não existe que é a proposta de OE para 2017.

Mas já existe o Programa de Estabilidade. A sua expectativa é de que o OE não seja parecido com o Programa?
O que consideramos é que o próximo OE não derive deste caminho da reposição de direitos, de avanços sociais, do abono de famílias, aos horários, aos feriados. Deve manter este rumo. O compromisso do PCP é examinar a proposta de OE e depois decidir. O nosso compromisso não é votar a favor do OE, é examinar esse documento, insistindo nessa linha da reparação e reposição de direitos. Lembro que continua em aberto o aumento das reformas e das pensões que foram descongeladas neste primeiro passo, mas falta uma questão central: aumentá-las.

Catarina Martins também já disse que as pensões são muito importantes no próximo OE. O BE falou da necessidade de aumento do salário mínimo, das pensões e do aumento do Índice de Apoios Sociais. E João Oliveira, do PCP, numa entrevista à Antena Um, disse que o investimento público era o grande ponto do PCP. Isso traduz-se em quê?
Não vamos pedir nada ao PS, temos posições próprias. Consideramos que o investimento é uma necessidade como de pão para a boca.

"O compromisso do PCP é examinar a proposta de OE e depois decidir. O nosso compromisso não é votar a favor do OE, é examinar esse documento, insistindo nessa linha da reparação e reposição de direitos."

Mas que tipo de investimento?
Consideramos que é possível encontrar receitas, designadamente com uma outra política fiscal, com a questão sempre presente das PPP, não para penalizar pequenos e médios empresários, mas em relação a grandes grupos económicos, enfim…

Mas a diferença e só de tamanho? O PCP diz sempre “Não queremos penalizar as pequenas e médias empresas”. E querem penalizar as grandes. As grandes empresas empregam muitos trabalhadores…

Sim…

Porque é que faz essa diferença? Parece que presume que todas as grandes empresas atuam de forma ilegítima, tentando enganar o Estado. Porquê essa distinção?
A diferença está, designadamente no lucro. Quem tem mais lucro mais deve comparticipar.

Sobre grandes empresas: como é que se vai posicionar o PCP quando (ou se) o governo vender o Novo Banco?
A nossa posição primeira é de que, tendo em conta hoje o dinheiro que o Estado colocou no NB, que como sabe foi muito, e com o risco de aquilo ser vendido a pataco, nós consideremos que era importante o Estado assumir um controlo público, reforçando assim o setor público e encontrando resposta para o dinheiro que ali investiu.

A nova administração da CGD tem o perfil para fazer do banco público aquilo que o PCP acha que deve ser feito?
Bom, eu não conheço os nomes…

Sabemos que o presidente da CGD vai ser António Domingues, que vem do BPI. Aliás, se calhar até fazia sentido, sendo o PCP um dos partidos que apoia o Governo, ter alguém próximo na administração do banco público. Nunca falaram dessa possibilidade?
Em relação às administrações do banco público, as escolhas, como sabe, têm sido um processo de partilha entre PS, PSD e CDS. Durante décadas os lugares foram preenchidos até por ex-dirigentes políticos desses três partidos. “Pataca a mim, pataca a ti, e a mim pataca”. Nós não temos, de facto, essa responsabilidade…

Mas gostavam de ter?
Neste quadro, obviamente, não aceitamos qualquer compromisso dessa natureza. Até porque há uma ideia que tem de ser clarificada. Sistematicamente falam do apoio ao Governo. Aquilo que nós fazemos está expresso na posição conjunta PS/PCP.

Orçamento: “O exame vai começar para a semana” e PCP propõe aumento de IRC

As exigências que a Comissão Europeia tem feito ao longo do ano vão provavelmente refletir-se no OE de 2017. O PCP apoia um OE que sabe que foi negociado para satisfazer as exigências de Bruxelas?
Em primeiro lugar, coloca uma questão interessantíssima: estas posições da UE visam condicionar o Governo e o OE. Esta questão das sanções foi uma questão política fundamental. Não foi nada por causa de zero vírgula qualquer coisa…

Mas acha que essa questão se coloca por ser um governo de esquerda apoiado por partidos que são contra as políticas de austeridade e contra a visão que existe na UE?
Em relação a o Governo ser mais à esquerda, enfim, estamos a falar do PS…

Mas tem apoios mais à esquerda.
Isso resulta das convergências na Assembleia da República.

Mas são ouvidos com especial atenção…
E bem. Porque não estamos aqui numa posição de punhal atrás das costas e de à primeira fazer um golpe.

Mas essa decisão política da UE tem a ver com quê? Porque é que está a querer punir este Governo?
É um ato de desconfiança em relação ao Governo. Diria que é de desconfiança à relação de forças que existem na Assembleia da República, o que não é com certeza do agrado dos setores mais ultras da UE.

Mas Espanha está numa posição exatamente igual à nossa e tem um Governo de direita. Acha que a UE também está a tentar punir o Governo de direita espanhol?
Obviamente. Quer punir todos aqueles que não obedecem aos seus ditames. Há de reparar que, em relação a Espanha, as medidas que vão ser tomadas serão anunciadas depois da formação do Governo.

"Essa medida [o aumento do IRC] pode ser tomada - e estará com certeza de acordo com uma das nossas propostas em termos de política fiscal - mas não pode ser associada a este processo de sanções. No quadro da discussão do OE2016, é um consideração que deve ser feita."

Já houve uma que foi anunciada. O aumento do IRC das grandes empresas. O PCP não acha esta medida interessante? Como resposta às exigências da UE, se António Costa tivesse decidido aplicar uma medida como esta, o PCP acharia interessante?
Sim, mas há uma questão a colocar em primeiro lugar: a necessidade de rejeição das sanções…

Mas Espanha rejeita…
Sim, são inaceitáveis, do nosso ponto de vista. Aliás, acho estapafúrdia esta posição do PSD, de considerar que as sanções aconteceram por causa de uma má defesa técnica em relação à interpretação do défice. Até dá a impressão de que há um agressor, há um agredido e para o PSD a culpa é do agredido porque se defendeu mal nesse confronto.

Mas voltando ao IRC: o PCP defenderia essa solução?
Essa medida pode ser tomada — e estará com certeza de acordo com uma das nossas propostas em termos de política fiscal — mas não pode ser associada a este processo de sanções. No quadro da discussão do OE para 2017, é uma consideração que deve ser feita.

Mas não para agradar à UE.
Ah, é evidente que não.

Costuma falar regularmente com António Costa? Ele telefona-lhe diretamente para o sondar sobre decisões?
Temos falado, temos reunido. Particularmente neste quadro. Geralmente com mais gente, mas estamos os dois presentes.

Já estão muito avançadas a negociações para o Orçamento? Presumo que seja nesse quadro que está a falar em reuniões.
O exame vai começar para a semana, onde o PCP disponibiliza dirigentes e especialistas para fazer o tal exame e dar a sua contribuição.

Foram reuniões prévias para preparar essas reuniões do Orçamento?
Sim. Ainda não existem reuniões para discutir conteúdos, mas acontecerá com certeza tendo em conta o calendário.

Já na sequência dos dez dias para responder à UE por causa das sanções?
Não é isso que nos anima. Estamos sinceramente empenhados em discutir aquilo que é a proposta ou o projeto de Orçamento de Estado para 2017. Não temos esse elemento como pedregulho ou obstáculo a um processo que deve ser claro, transparente e construtivo.

Europa: “O diretório de potências e o capital transnacional não agem por sadismo”

O PCP tem dito várias vezes que a União Europeia está a exercer chantagem sobre um país soberano. Mas, onde fica a nossa soberania quando dependemos dos fundos europeus? Um país que quer ser 100% soberano não tem que ser 100% autossuficiente?
Em relação aos fundos comunitários, é evidente que o PCP não está contra a sua aplicação desde que bem aplicados, numa perspetiva económica e social. O grande problema são as exigências pretorianas que nos colocam como resultantes da moeda única e desses constrangimentos que estão refletidos nos sucessivos tratados. Dizem-nos: andem lá para a frente, mas amarrados de pés e mãos. A questão da dívida é uma questão que aflige muitos portugueses.

Acha que a União Europeia quer que Portugal seja um país pobre
Os centros de decisão da UE, tendo em conta a sua natureza, desejam fundamentalmente que o nosso país tenha a marca dos baixos salários e dos direitos reduzidos.

"O diretório de potências e o capital transnacional não agem por sadismo, por vindicta. Está na sua natureza. Aumentando a exploração e o empobrecimento podem obviamente ter mais lucro, objetivo supremo."

Mas porquê? A Alemanha não tem a ganhar se houver mais portugueses com dinheiro para comprar Mercedes, Volkswagen, frigoríficos?
Sabe que isto não é uma crónica de bons rapazes. O diretório de potências e o capital transnacional não agem por sadismo, por vindicta. Está na sua natureza. Aumentando a exploração e o empobrecimento podem obviamente ter mais lucro, objetivo supremo. O grande problema é que toda esta mistificação criada há uns anos — lembro-me quando Portugal aderiu ao euro e à CEE –, a ideia era de uma Europa e coesão económica e social. Uma Europa de Estados, nações livres, independentes, em cooperação.

Mas concorda que Portugal se desenvolveu muito devido ao facto de ter entrado para a UE ou teria-se-ia desenvolvido mais se não tivesse entrado?
Uma coisa sei. Desde que entrámos para o euro estamos na lista dos países no mundo que menos cresceram. Os dados não são meus. São de instituições internacionais insuspeitas.

Mas a entrada para a Comunidade Económica Europeia não mudou o país?
Houve ali um problema de fundo logo de raiz: as paletes de fundos comunitários que tiveram uma moeda de troca. Lembro que foram destruídas empresas, setores, de grande importância para a nossa economia: indústria naval, siderúrgica, metalomecânica pesada, setor das pescas. São setores de grandes potencialidades que foram arrasados. Era a moeda de troca. Hoje, a situação que temos de uma fraca capacidade produtiva resulta desse processo de substituição e liquidação de coisas onde éramos bons produzir.

Mas os portugueses vivem melhor ou pior em termos relativos em relação a 1985?
Se me perguntar, vivo muito melhor do que em 1973. Mas nos últimos anos temos vindo a verificar consequências sociais profundamente negativas, de empobrecimento. O desemprego é hoje um elemento que tem estado presente. Temos pior emprego e menos emprego, tendo em conta estes últimos anos. Não conseguimos crescer.

O Governo do PS dá uma boa resposta à questão da economia? O próprio ministro das Finanças admitiu que será muito difícil cumprir as previsões mais baixas, da OCDE, que são de 1,2%. Isso preocupa o PCP?
O PCP sempre sublinhou que o programa do PS estava condicionado. É preciso mudar de rumo. São precisas roturas com o passado. E o programa do PS e do Governo não dá resposta.

A saída do euro: “Não basta uma linguagem de carapau de corrida”

Essa rutura para o PCP é a saída do euro. Todos os economistas, mesmo os economistas mais à esquerda e que são a favor da saída do euro, estimam uma perda de rendimentos muito considerável para os trabalhadores portugueses caso haja uma saída do euro. O PCP, que diz que o trabalhadores portugueses estão mais pobres, não teme que os trabalhadores portugueses fiquem ainda mais pobres no dia a seguir à saída do euro?
Preocupa tanto o PCP que falamos disso não como um ato súbito, mas como um processo decorrente de uma preparação que temos de fazer. Não pode ser um tabu…

Mas têm um plano? Já falaram disso na Soeiro Pereira Gomes e têm um Excel com um plano para a saída do euro? O PCP sabe como as coisas deveriam ser feitas?
O PCP não tem na ideia que vai ser a única força promotora dessa preparação. Consideramos que é um processo onde devem participar as instituições, a Assembleia da República, Governo, Presidência da República…

Ou é como no Brexit em que primeiro votaram e só depois é que se preocuparam em arranjar um plano? O PCP tem pelo menos um esboço de um plano para sair do euro?
Mais do que no caso da Grã-Bretanha, temos o exemplo da Grécia, onde um Governo que não estava preparado…

E o PCP disse isso na altura.
Dissemos, porque não basta uma linguagem de carapau de corrida, de afronta verbal. Isto é um processo. Não é chegar ali e já está. Esse processo, possivelmente, envolve negociação. No grupo do Parlamento Europeu onde nos inserimos, apresentámos uma proposta que visa as condições que devem ser negociadas, caso se verifique a saída de Portugal do euro, tanto por iniciativa própria, como por corrermos o risco de nos expulsarem. Esta não é uma posição aventureira. É uma posição de fundo, que não pode ser tarefa exclusiva do PCP, mas uma tarefa de democratas, de patriotas, das instituições nacionais. Consideramos que é preciso de fazer um grande debate nacional, sem tabus. Até se pode concluir, tendo em conta as consequências, que não.

"Não basta uma linguagem de carapau de corrida [sobre a saída do euro], de afronta verbal. Isto é um processo. Não é chegar ali e já está. Esse processo, possivelmente, envolve negociação."

O PCP admite que se pode chegar ao final desse debate e achar que é melhor não sair do euro…
É evidente que nos têm de provar. Nenhum economista me conseguiu explicar — e eu não sou economista, com todas as limitações que tenho — mas não percebo como é que é possível uma moeda única em países com desenvolvimentos económicos tão diferentes? Como é possível uma moeda única em países ultra-endividados e países menos endividados? Como é que é possível a moeda única em países com graus de produtividade e de competitividade e de investimento tão diferenciados? Expliquem como é que saímos desta situação…

Por isso é que existe a disciplina orçamental. É a resposta das instituições, para tentar que todos sejam mais parecidos com a Alemanha…
Está de acordo comigo. Entretanto, as clivagens acentuaram-se de país para país. Existe um conjunto de potências determinantes e decisórias. E depois há países muitas vezes até maltratados no plano da sua dignidade nacional.

Acha que o Bloco de Esquerda tem uma posição de carapau de corrida em relação ao euro e à UE?
Falei da Grécia, falei do Governo grego. Não quero fazer essa acusação ao Bloco de Esquerda. O que acho da posição do Bloco é que não se percebe bem. Não percebo bem o que defendem. Nós temos esta proposta de preparação, de envolvimento das instituições nacionais.

Esta proposta de um referendo feita pelo BE integra-se neste tal debate alargado que faz falta, ou seria um sinal de aventureirismo?
Não tenho como questão de princípio rejeitar o referendo. As conjunturas muitas vezes é que determinam sua atualidade. Nesta fase, se não estamos preparados, a pergunta era “sair ou não do euro?” Ponto final parágrafo? Acho que isto é curto. Não responde à dimensão do problema. Sem rejeitar essa possibilidade, neste momento é prematuro. Falta esse grande debate nacional em relação à submissão ao euro.

Bloco de Esquerda: Discurso de Catarina foi “manifestamente exagerado”

A propósito desse debate sobre o referendo houve reações muito violentas, de alguns dirigentes da nova geração do PCP. João Oliveira falou em “doença infantil” e João Ferreira falou em “oportunistas agendas mediáticas”. Esta geração do PCP tem dificuldade em lidar como Bloco de Esquerda?
Não percebemos aquela proposta, que surgiu na convenção do Bloco de Esquerda. Não percebíamos qual era a pergunta, qual era o objetivo, se eram as sanções, se era o Tratado Orçamental, se eram os mecanismos do Programa de Estabilidade, se era isso que estava sob o alvo do referendo. Sinceramente não percebi. E aqui sobra: para quê? É o que mais define a posição.

"[O discurso de Catarina Martins na convenção] foi manifestamente exagerado. Enfim, a presunção cada um toma a que quer. Não fico transtornado por essa vontade de querer ser grande."

E percebeu uma outra parte do discurso de Catarina Martins? Quando a líder do BE disse que foi por causa do Bloco que se aumentou o salário mínimo, que acabou o congelamento das pensões, se fez a reposição das prestações sociais, se protegeu as habitações contra as execuções fiscais, se fizeram as reversões das concessões dos transportes públicos, se repuseram os feriados, se defendeu a escola pública? Também foi graças a uma iniciativa conjunta do BE e do PS que vão acabar as apresentações quinzenais dos desempregados nos centro de emprego. Como fica o PCP com o Bloco a reclamar todos os louros?
Acho que foi relevante o papel do PCP numa solução política como a encontrada. Isso é inevitável. Em segundo lugar, os processos de negociação foram bilaterais, ao contrário do Bloco que preferia tudo ao molho e fé em Deus. Nós preferimos — por razões de transparência — essa negociação bilateral, reconhecendo que o BE participou nesse processo de construção de medidas positivas. Mas presunção e água benta, cada um toma a que quer.

Quando ouviu aquele discurso, o que é que pensou?
Foi manifestamente exagerado. Enfim, presunção cada um toma a que quer. Não fico transtornado por essa vontade de querer ser grande.

Não lhe passou pela cabeça telefonar a Catarina Martins? Costuma falar com a líder do Bloco?
Sim, naturalmente. Não há nenhuma crispação na relação, antes pelo contrário.

Mas falam sobre a forma como as coisas estão a correr no Governo e no Parlamento, trocam ideias e estratégias, ou são só conversas de circunstância, olá tudo bem, boa tarde, como está?
É mais conversa de circunstância. Obviamente temos relações com o Bloco, como dois partidos normais. Existe esse relacionamento informal, particularmente na Assembleia da República. Mal seria se me sentasse ali ao lado de alguém do Bloco, incluindo a Catarina Martins, e pusesse a minha cara número três. O meu problema não é o Bloco de Esquerda.

Tribunal Constitucional: “Fomos discriminados”

O PCP deixa de ter um juiz no Tribunal Constitucional…
Neste momento não temos. Tivemos, durante anos. Não era um militante do partido. São instituições sem poder deliberativo e governativo. Mas uma coisa é estarmos a lutar por isso, outra coisa é sermos discriminados.

Não negociaram um nome com o PS, ou o PS discriminou-vos?
Não negociámos o processo. Obviamente a iniciativa teria de partir do PS. E o PS que tem a questão dos três lugares como é sabido.

Foram ouvidos sobre essa escolha?
Não.

Ao haver uma juíza próxima do Bloco e não próxima do PCP, qual é a sua interpretação?
A minha interpretação é que seria um ato de discriminação.

E isso prejudicaria a confiança?
Não, não será por isso…

Mas fica registado.
Cria registar isto: de facto, a não consideração do PCP e a consideração de outros tem este caráter discriminatório.

Nas autárquicas deve haver um esforço para uma frente de esquerda em Lisboa com PS, PCP e Bloco, quando até se fala de uma candidatura de Pedro Santana Lopes?
Não. Primeiro, temos uma coligação, a CDU. Essa coligação já provou os seus méritos. Uma coligação que em muitas autarquias tem demonstrado capacidade de governar ao serviço das populações e a CDU é para concorrer em todo o território nacional.

Veja aqui a entrevista na íntegra:

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