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JOOST DE RAEYMAEKER/EPA

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Luaty Beirão: "Estou a mentalizar-me que vou voltar para um buraco"

Nove meses depois de serem detidos enquanto liam um livro, a sentença dos 15+2 é conhecida esta segunda. Se for condenado, Luaty Beirão não descarta nova greve de fome. Advogado fala em "trapalhada".

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Nota: Este texto foi publicado a 27 de março de 2016, antes da leitura da sentença que condenou aos ativistas do grupo 15+2 a penas de prisão entre os dois anos e meio e os oito anos e meio.

“Preparado, preparado, uma pessoa nunca está.” Luaty Beirão fala com o tom blasé daqueles que, perante um muro intransponível, tentam desdramatizar a situação. Esta segunda-feira, num tribunal de Luanda, o rapper luso-angolano e outros 16 ativistas — no seu conjunto, são conhecidos como os 15+2 — ficarão a saber se serão condenados a prisão.

“Tu até podes começar a imaginar a tua cela, como é a comida da prisão, como serão os outros presidiários…”, diz ao Observador numa entrevista por telefone, na quinta-feira. “Podes fazer isso tudo, mas, no final de contas, não há muita maneira de uma pessoa se preparar para ir para a prisão. A gente tem de ser pragmática em relação ao regime que temos e mentalizar-nos de que vamos voltar para um buraco. Não vou dar aqui uma de herói, mas eu pelo menos estou a mentalizar-me para a ideia de que vou preso. Tenho de me habituar a isso.”

Isso será uma pena que pode ir até 12 anos de prisão, pelos crimes de rebelião e de associação de malfeitores, dos quais foram acusados pelo Ministério Público angolano a 22 de março — a acusação causou surpresa, ao deixar cair o crime de atos preparatórios de atentado contra o Presidente e outros órgãos de soberania (punível até três anos) e ao acrescentar o de associação de malfeitores (semelhante a associação criminosa e punível com dois a oito anos ou oito a 12 para os líderes do grupo, neste caso Domingos da Cruz e Luaty Beirão), que nunca tinha sido referido até então no processo.

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Nove meses antes da acusação, a 20 de junho, os 17 ativistas, entre os 19 e os 37 anos, eram detidos após terem formado um clube de leitura e debate do livro Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia Política da Libertação para Angola, escrito pelo jornalista angolano Domingos da Cruz.

"Esta obra, de Gene Sharp, inspirou as chamadas revoluções (…) que derrubaram os respetivos Governos e Presidentes e cujas consequências de tão nefastas deixaram os países atingidos completamente na desgraça, destruídos pelo vandalismo e pelas guerras que se seguiram."
Ministério Público angolano

O livro, na verdade, é uma adaptação de uma outra obra, escrita pelo norte-americano Gene Sharp em 1993, com o título Da Ditadura Para a Democracia, que numa fase inicial serviu de inspiração para a luta pacífica contra a ditadura em Mianmar e mais tarde veio a ser usada por ativistas em todo o mundo. Foi esse o caso do Egito e da Tunísia, aquando da Primavera Árabe em 2011. Poucos anos depois, em 2015, chegou a Angola.

“O Domingos [da Cruz] uma vez fez um post com os dizeres do Gene Sharp. E aí nós pedimos para ele reescrever o livro daquele autor, adaptando-o à realidade angolana”, contou ao Observador a ativista Laurinda Gouveia, entretanto constituída arguida neste processo, poucos dias depois da detenção do primeiro grupo de ativistas, em junho do ano passado. “Queríamos uma coisa igual, que nós pudéssemos usar aqui para debater formas de combater a nossa ditadura e de mudar a mentalidade das pessoas daqui de forma pacífica.”

Capa provisória do livro “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura”, do jornalista angolano Domingos da Cruz

Capa provisória do livro Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura, do jornalista angolano Domingos da Cruz

A versão angolana do livro de Gene Sharp assenta numa dicotomia marcada, onde por um lado existe “um ditador” e por outro “as forças democráticas”. A negociação entre as duas partes é praticamente proibida, o que vinca a postura conflitual. Mas, por outro lado, embora em duas ocasiões sejam referidos atos violentos — conforme escrevemos neste resumo alargado da obra —, o autor deixa claro que estes não devem “nunca atingir pessoas e bens privados eticamente adquiridos”. Até o ditador a derrubar tem a sua segurança salvaguardada no caso de haver um derrube do regime, sendo-lhe garantida “passagem segura e pessoal e familiar até um aeroporto internacional (…) por razões humanistas”.

Sobre o livro original, o Ministério Público angolano escreveu: “Esta obra, de Gene Sharp, inspirou as chamadas revoluções (…) que derrubaram os respetivos Governos e Presidentes e cujas consequências de tão nefastas deixaram os países atingidos completamente na desgraça, destruídos pelo vandalismo e pelas guerras que se seguiram”.

“Nunca achámos que isto podia acontecer por estarmos a ler e debater um livro”

Não é por acaso que se fala de “ativistas” quando o assunto são os jovens que se reuniam naquela casa da Vila Alice. Muitos deles têm um passado de confronto com o regime de José Eduardo dos Santos. Luaty Beirão, enquanto rapper, sempre escreveu letras contra o regime e o Presidente. Mas também há outros nomes conhecidos do meio revú (diminutivo de “revolucionário”) angolano, como Mbamza Hamza, Laurinda Gouveia, Nuno Álvaro Dala, Sedrick de Carvalho ou, entre outros, Manuel Nito Alves. Este último, que com 19 anos é o mais jovem do grupo que está a ser julgado, chegou a ser detido em 2013, quando ainda era menor, por “ultraje ao Presidente”. Tudo isto por ter encomendado t-shirts onde José Eduardo dos Santos era apelidado de “carrasco nojento ditador”.

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Manuel Nito Alves vestindo uma das t-shirts que lhe valeram uma detenção por ultraje ao Presidente José Eduardo dos Santos

“Basicamente, o que se fazia era pegar no livro e discutir ponto a ponto o que se pode fazer ou não”, diz Luaty Beirão, indicando que mais do que seguir o livro de Domingos da Cruz, presente nos debates, como um manual inquestionável, o grupo tratava de debatê-lo. “Por exemplo, no livro fala-se da queima de pneus”, diz, referindo-se ao excerto em que é dito: “Queimar pneus nas avenidas com vista a pôr fim à cooperação dos indecisos com a ditadura e consequentemente travar o curso normal do autoritarismo e as instituições que a sustentam”.

Segundo Luaty contou ao Observador, o grupo acabou por discordar dessa passagem quando ela foi debatida. “As pessoas não concordaram. Abriu-se um debate e nós dissemos que isso ultrapassa a linha fina do que é um direito ou um crime.”

De resto, defendeu o rapper, o livro era lido e analisado pelos ativistas de “maneira super-hipotética e sempre no campo da especulação”, sobretudo no que dizia respeito aos capítulos onde eram abordados os modos de financiamento de um insurreição, tal como a maneira como lidaria com o exército. “Isso era tudo um exercício especulatório e a justiça meteu na cabeça que era uma verdade inabalável e já uma realidade”, diz.

Ikonoklasta, o nome de palco de Luaty Beirão, é conhecido pelas suas letras críticas do regime angolano

Ao Observador, Luís Nascimento, advogado responsável pela defesa de 10 dos 17 arguidos neste caso, riu da possibilidade de os seus clientes poderem estar a preparar algo que se assemelhasse, ou que pretendesse ser, um movimento de derrube do regime. “Estes jovens têm muita juventude, são muito interessados, mas não têm experiência absolutamente nenhuma nesse domínio”, refere. “Tanto mais que nem se conseguiu encontrar um canivete com eles, sequer.”

“Será sempre uma conveniência para o regime achar que nós estávamos a preparar um golpe de Estado. Mas estes livros circulam em países verdadeiramente democráticos e até há outros com títulos bem piores. E quem vive em democracias consolidadas nunca pode temer que um grupo de 15 pessoas que fala de meios de combate pacífico a toda a hora de repente faça um golpe de Estado”, diz Luaty, pouco antes de a chamada com o Observador ter caído por uma falha geral de eletricidade que durou cerca de duas horas. “Isto acontece a toda a hora nessa porra de país e eu não posso sair de casa para comprar gasolina para o gerador, fora o preço que é muito caro, já”, desafaba o rapper.

De volta ao livro e ao desfecho daqueles encontros no bairro da Vila Alice. “Obviamente que nunca pensámos que poderia dar nisto. É verdade que faz parte das perspetivas de toda a gente que se mete com este regime, nós sabemos que a qualquer altura podemos ser detidos, espancados ou até pior. Mas nunca achámos que isto poderia acontecer por estarmos a ler e a debater um livro numa residência privada.”

O grupo acabou por ser desmantelado e detido muito em parte graças à presença de agentes infiltrados naquelas reuniões, que eram feitas à porta aberta numa sala emprestada por António Alberto Neto, familiar de Agostinho Neto e candidato nas eleições presidenciais de 1992 pelo Partido Democrático Angolano. Dessas reuniões, surgiram vídeos (aqui, aqui e aqui) que Luaty Beirão acusa o MP de apresentar de forma truncada. “Se a justiça se dignasse a distribuir os vídeos inteiramente, toda a gente sabia que eram apenas jovens a falar. Eles divulgaram os vídeos quando viram que o julgamento estava a escorregar-lhes das mãos e queriam ter a opinião pública do seu lado”, diz o ativista. Já Luís Nascimento, aponta que lhe foi negado o acesso aos vídeos na sua íntegra e que a sua divulgação “é uma quebra do segredo de justiça”.

José Eduardo dos Santos é Presidente de Angola desde 1979. Em março, anunciou que se vai retirar em 2018

AFP/Getty Images

Para o advogado, “existe uma interferência ao longo de todo o processo por parte do poder executivo” e que, da parte do Ministério Público, a “acusação é errática e está numa grande trapalhada”. “Esta manobra de retirar o crime de atentado ao Presidente e outros órgãos de soberania e substituir por associação de malfeitores mostra que a acusação perdeu o Norte”, criticou o advogado, para depois acrescentar: “Estão a fugir daquela construção que fizeram inicialmente. E fazem isso ao mesmo tempo que tentam ridicularizar, diminuir os detidos, de cérebros que estavam a tentar um golpe para um grupo de bandidos e malfeitores”.

Também José Patrocínio, diretor da Omunga, uma ONG angolana pelos Direitos Humanos, não duvida da interferência política neste caso. “Há um sistema que nós aqui chamamos de justiça mas que na verdade não tem nada a ver com justiça”, diz ao Observador. “Há toda uma mistura de interesses. O poder político mistura-se grandemente com o poder económico, financeiro e militar. Torna-se na mesma coisa. E se o pilar da justiça fosse independente desta estrutura, ela não se ia aguentar. Por isso, a justiça é uma maneira de garantir que isto continua tudo de pé.”

A greve de fome do “pivetezinho” contra o “Todo Poderoso José Eduardo dos Santos”

Dos nove meses que ficam para trás, desde que os ativistas foram detidos e colocados em prisão preventiva na prisão de Calomboloca, a 100 quilómetros de Luanda, o momento mais dramático iniciou-se a 21 de setembro. Segundo a Lei da Prisão Preventiva angolana, os suspeitos de “crimes contra a segurança do Estado” podem estar presos de forma preventiva até 90 dias — aos quais se podem acrescentar um total de 125 dias posteriores, desde que justificados “por despacho fundamentado”.

Nessa altura, pedindo que passassem para um regime de prisão domiciliária, os arguidos entraram em greve de fome depois de terem passado 90 dias em preventiva, atingindo assim o prazo máximo para estarem naquele regime dada a ausência de um tal “despacho fundamentado”. Só a 28 de setembro, quando a greve de fome já levava uma semana, é que a Procuradoria-Geral da República informou em comunicado que tinha entregue o processo ao Tribunal Provincial de Luanda no dia 14 de setembro e que este foi deduzido por aquele órgão dois dias depois. O comunicado não indicava, porém, uma justificação para esta informação ter sido tornada pública com quase duas semanas de atraso.

"Para eles seria vergonhoso aceitarem que um pivetezinho que eles deveriam ter conseguido quebrar muito tempo antes fosse a causa de o Todo Poderoso José Eduardo dos Santos voltar atrás."
Luaty Beirão, sobre a greve de fome que manteve durante 36 dias

Enquanto isso, a greve de fome arrastou-se. Alguns dos ativistas foram desistindo, mas Luaty Beirão conseguiu resistir mais tempo. E, assim, o seu caso e o dos seus companheiros ganhou uma visibilidade inédita. “Quando comecei a fazer a greve pensei que isto ia continuar a ser um assunto doméstico, que eles iam ter juízo suficiente para não deixar a coisa chegar onde chegou”, lembra, referindo-se à justiça angolana. “Até porque pensei que eles já teriam tido o tempo suficiente para elaborar um perfil psicológico das pessoas que tinham detido, para saber quão sério nós falamos quando nos comprometemos com uma coisa.”

Durante os 36 dias de greve de fome de Luaty Beirão, passaram-se muitas coisas. Ao 18.º dia, saiu da prisão de Calomboloca e foi transferido para o hospital-prisão de São Paulo. Pouco depois, ao 26.º dia, foi internado numa clínica privada em Luanda, onde, sob o olhar atento de guardas, recebia visitas e cartas um pouco de todo o mundo lusófono. Enquanto isso, faziam-se manifestações pela sua libertação, juntamente com a dos restantes ativistas, em Lisboa, no Rossio e em frente ao consulado de Angola.

A prisão preventiva de Luaty e dos restantes ativistas motivou várias manifestações em Lisboa

© Miguel Soares/Observador

“Quando eles perceberam que eu não ia desistir, tudo aquilo passou a ser um ponto de honra para ver quem dava o braço a torcer primeiro”, recorda o rapper, cujo nome de palco é Ikonoklasta. O braço de ferro podia ser até à morte: “Para eles seria vergonhoso aceitarem que um pivetezinho que eles deveriam ter conseguido quebrar muito tempo antes fosse a causa de o Todo Poderoso José Eduardo dos Santos voltar atrás.”

Foram muitos os que o tentaram fazer desistir. As autoridades (“ameaçaram-me várias vezes de que me iam alimentar à força, que não me iam deixar morrer assim às mãos do Estado”); amigos e familiares (a sua mulher, Mónica Almeida, escreveu uma carta aberta no Expresso onde dizia: “Amor, prefiro-te marido, pai e amigo a ter-te como mártir”); e também desconhecidos (“Recebi apelos de todo o lado, até de gente que estudou comigo em Inglaterra e que eu não via há anos, recebi muitas cartas de amor. Até de crianças. Provavelmente eram os pais a pedir para elas escreverem, tipo chantagem emocional. Funciona sempre melhor quando são crianças”).

"As pessoas falavam-me muito da minha filha. 'Olha a tua filha, ela não pode ficar sem pai, tu pensa nela.' Isto irritava-me muito, era a coisa que mais me irritava. Porque eu não me esqueci dela nem um segundo, antes pelo contrário, eu fiz aquilo tudo por ela. Para ela poder viver num país mais justo, um país com liberdade."
Luaty Beirão, sobre a greve de fome que manteve durante 36 dias

Há, porém, uma criança mais importante do que todas as outras: Luena, de dois anos, a única filha de Luaty e Mónica. “Eu não aceitei que a minha filha me visse naquele estado”, recorda, falando da ocasião em que ela esteve na clínica Girassol, apenas a cinco metros do pai, mas com uma porta fechada pelo meio. “Eu escolhi que ela não devia entrar. Sabia que mais tarde ou mais cedo nos íamos ver numa ocasião mais feliz”, diz, para depois falar naquilo que mais o incomodou durante aqueles 36 dias de greve de fome. “A parte da minha filha foi o mais dramático de tudo. Foi a parte mais difícil para mim. E era um argumento que as pessoas diziam muito. As pessoas falavam-me muito da minha filha. ‘Olha a tua filha, ela não pode ficar sem pai, tu pensa nela.’ Isto irritava-me muito, era a coisa que mais me irritava. Porque eu não me esqueci dela nem um segundo, antes pelo contrário, eu fiz aquilo tudo por ela. Para ela poder viver num país mais justo, um país com liberdade.”

Por fim, Luaty Beirão pôs fim ao seu protesto. A atenção que o caso passou a ter, dentro e fora de fronteiras, foi determinante para a decisão. “Eu percebi que devia aproveitar esse impulso que nos deram para fazer algo melhor. Fui eu quem deu o braço a torcer, é certo, mas não me arrependi. Ficou a mostrar que não tenho a convicção que chegue para ir até ao fim, mas para mim foi suficiente.” Estávamos no dia 27 de outubro de 2015.

Só a 19 de dezembro, quase dois meses mais tarde, é que Luaty Beirão e os outros arguidos foram colocados em prisão domiciliária. Nessa altura, reviu a filha pela primeira vez em seis meses. Também esse momento lhe custou: “Eu senti que ela estava magoada comigo. Vi que me reconheceu, mas ao invés de se sentir compelida a vir ter comigo, algo a repelia”. A criança de apenas dois anos chorou “compulsivamente” quando viu o pai. “Isso fez-me sentir ainda mais raiva. Se calhar raiva não é a palavra certa. Mas sei que senti a maldade de quem manda e pode arbitrariamente mudar a vida de tanta gente só por capricho. O sentimento não é raiva. Para falar verdade, nem sei bem qual é a palavra para o que eu sinto.”

Advogado: “Eu acho que a pena vai ser de condenação”

Para José Patrocínio, da Omunga, a sentença do caso dos 15+2, que vai ser pronunciada esta segunda-feira, pode oscilar entre dois cenários, entre os quais “há uma série de nuances“. Começa pela “mais otimista”: “Não pode ser simplesmente a conclusão de inocência, porque isto não pode ser assim neste país quando se trata de um caso destes, estariam a pôr em causa uma série de coisas. Mas pode acontecer que a condenação seja só de pena suspensa, com atenuantes, alguma condescendência, pagamento de multa, por exemplo, ou então atenuar a pena de efetiva porque eles já lá estão há um ano”.

E, depois, bem mais simples, o cenário mais pessimista, de uma “condenação pesada”. “Nós sabemos que a situação social e económica do país se está a agravar e que se criam condições para reivindicações mais profundas. Então é preciso antecipar o que vem aí e evitar que elas aconteçam, dando avisos como este”, diz José Patrocínio.

"Isto é como a espada de Dâmocles, que está sempre em cima da nossa cabeça. A gente não sabe quando vai acontecer. Mas, para mim, o mais sensato é esperar que vai acontecer. É esta a lógica distorcida e autoritária de quem manda neste país."
Luaty Beirão

Também o advogado Luís Nascimento fala na probabilidade de uma condenação. “Pelo que aconteceu nas alegações, e com essa história de a acusação ter mudado à última hora para associação de malfeitores, eu acho que eles estão a preparar isto de uma maneira em que tenha de haver mesmo uma condenação”, refere. “Pelo menos, vão apanhar pena.” Ainda assim, coloca a hipótese de serem aplicadas penas suspensas ou de durações mais reduzidas — um cenário que é menos provável para Domingos da Cruz e Luaty Beirão, que são tidos como líderes na acusação por associação de malfeitores. “Em todo o caso, pode haver uma pena mais leve, com prisão suspensa. A opinião pública está à espera disso, portanto talvez a melhor hipótese que eles têm é de ser três anos de suspensa”, diz o advogado.

O mais pessimista do lote dos contactados pelo Observador é mesmo Luaty Beirão — mantendo a sua postura de 11 de março, quando falou também ao Observador sobre o anúncio da retirada de José Eduardo dos Santos em 2018. “Eu prefiro manter a minha previsão e achar que vou ser condenado e depois ser surpreendido por um desfecho em que é de facto provado que este caso nunca teve pernas para andar”.

“Eles tiraram uma [atentado ao Presidente] e depois acrescentam outra pior”, diz, tendo em conta que os atos preparatórios de atentado ao Presidente e outros órgãos de soberania são puníveis até três anos. “Isto é como a espada de Dâmocles, que está sempre em cima da nossa cabeça. A gente não sabe quando vai acontecer. Mas, para mim, o mais sensato é esperar que vai acontecer. É esta a lógica distorcida e autoritária de quem manda neste país.”

“Só nos imaginava a gritar: ‘Ou o José Eduardo se demite ou nós morremos à fome!’”

Já há muito tempo — mesmo antes de ter começado a sua greve de fome — que Luaty Beirão imagina o dia da sua condenação. Nos seus primeiros três meses de prisão preventiva, numa cela isolada em Calomboloca, Luaty Beirão tinha um plano que nunca chegou a executar. “Pensava no julgamento e na condenação. Fantasiava com aquilo tudo. E já tinha um plano que contava partilhar com os outros ativistas no dia em que fossemos condenados”, lembra. A ideia era simples: no momento em que lhes lessem a pena, aproveitando a presença de câmaras e de jornalistas nacionais e internacionais no local, iriam anunciar uma greve de fome que só parariam sob uma única condição. “Eu, na minha cabeça, só nos imaginava a gritar: ‘Ou o José Eduardo [dos Santos] se demite ou nós morremos à fome!’. Seria algo de muito dramático.”

"Nós sabemos que a situação social e económica do país se está a agravar e que se criam condições para reivindicações mais profundas. Então é preciso antecipar o que vem aí e evitar que elas aconteçam, dando avisos como este."
José Patrocínio, diretor da ONG Omunga

Agora, passados vários meses e depois de ter feito uma greve de fome de 36 dias, Luaty Beirão não sabe se voltará a repetir aquela forma de protesto — entretanto, o arguido Nuno Álvaro Dala iniciou uma nova de greve de fome a 10 de março, por alegadamente não ter recebido os documentos e o dinheiro que as autoridades lhe apreenderam quando foi detido em junho do ano passado. “Para mim, é o último recurso. Quando achamos que não temos uma outra forma de reivindicar os nossos direitos, fazemos isso. Eu não quero banalizar esse tipo de protesto. Não é bom para a saúde nem para o próprio tipo de protesto”, explica. “Neste momento, não sei dizer se voltaria a fazer outra ou não. Não poria isso de parte, mas não sei se faço.”

A verdade é que essa não é, para já, a maior das suas preocupações. Aquilo que lhe ocupa o pensamento é a pena de prisão que pode vir a enfrentar a partir desta segunda-feira, mais de nove meses depois de ter juntado um grupo de jovens para debater um livro. À família, já disse: “Vamos ter de habituar-nos, vamos ter de criar rotinas novas, habituar-nos à nossa nova condição. Contem com isso”.

Depois de seis meses em prisão preventiva, os 15+2 passaram a prisão domiciliária em dezembro de 2015

JOOST DE RAEYMAEKER/EPA

Até lá, vai-se mentalizando. “O mais difícil já passou. Vamos ver como é na segunda, se é regresso à prisão ou a uma liberdade”, diz, de volta ao tom blasé.

E, para concluir, fala das manifestações de 7 de março de 2011, altura em que o espírito da Primavera Árabe contagiou alguns, poucos, em Angola. Houve quem saísse à rua, empunhando cartazes (“32 é muito!”, pois na altura eram 32 os anos de José Eduardo dos Santos no poder, e não os atuais 36), gritando palavras de ordem e, como seria de esperar, acabou por ser agredido pela polícia. Entre tantos outros, Luaty Beirão foi detido pela primeira vez na sua vida.

“Quando foi o 7 de março de 2011 eu achei que ia morrer. Portanto, já levo 5 anos de lucro.”

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