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Nos últimos tempos, tem-se assistido a uma escalada das tensões na região do Médio Oriente, parecendo não haver fim à vista para o cessar das hostilidades de nenhuma das partes

AFP via Getty Images

Nos últimos tempos, tem-se assistido a uma escalada das tensões na região do Médio Oriente, parecendo não haver fim à vista para o cessar das hostilidades de nenhuma das partes

AFP via Getty Images

Médio Oriente "em chamas". O conflito na região pode tornar-se numa "terceira guerra mundial"?

Explosões no Irão, ataques no Mar Vermelho e a morte do více-líder do Hamas no Líbano. Guerra na Faixa de Gaza está a expandir-se e aumentam os riscos de escalada. Poderá dar origem a guerra mundial?

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Um dos principais líderes do Hamas morto no Líbano. Duas explosões no Irão que mataram mais de 100 pessoas. Ataques sucessivos no Mar Vermelho. Uma guerra que já dura há quase três meses na Faixa de Gaza, onde ainda permanecem cerca de 100 reféns israelitas. Nos últimos tempos, tem-se assistido a uma escalada das tensões na região do Médio Oriente, parecendo não haver fim à vista para o cessar das hostilidades de nenhuma das partes. Pior: somam-se uma multiplicidade de novos focos de conflito, que tornam aquela situação regional mais complicada.

As provocações e ações desestabilizadoras sucedem-se. O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, deixou, esta quarta-feira, em Lisboa, um sério aviso. Se não se chegar a uma solução na guerra entre Israel e o Hamas, iniciada com os ataques do grupo terrorista a 7 de outubro e que acabou por desencadear as atuais tensões no Médio Oriente, o responsável comunitário antevê que aquela região “entre em chamas”.

Já o novo ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Israel Katz, que tomou posse esta semana, disse mesmo que o mundo está “no apogeu de uma Terceira Guerra Mundial contra o Irão que lidera o Islão radical, cujos tentáculos já estão na Europa”. “Isto não se parece nem com a Primeira, nem com a Segunda Guerra Mundial”, prosseguiu o novo chefe da diplomacia israelita, acrescentando que Israel está na linha da frente na luta contra Teerão. 

epa10464871 Israel's Minister of Energy Israel Katz looks on during the Egypt Petroleum Show EGYPS 2023 at the Egypt International Exhibition Center (EIEC) in Cairo, Egypt, 13 February 2023.  EPA/KHALED ELFIQI

Israel Katz, ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, avisou que mundo está no "apogeu" de uma "guerra" contra o Irão

KHALED ELFIQI/EPA

Na lógica de uma “Terceira Guerra Mundial”, Israel Katz culpou diretamente o Irão pelo ataque de 7 de outubro. E não só. Acusou Teerão de querer acabar com o clima de paz entre Israel e outros países árabes na região, em particular a Arábia Saudita. “Estávamos num meio de um sonho”, recordou o chefe da diplomacia israelita, aludindo ao processo de normalização — com interferência norte-americana — das relações entre Riade e Telavive, que entretanto foi interrompido. “Foi por isso que o Irão fez o que fez.” 

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Inimigos desde a revolução de 1979, que converteu o Irão num estado teocrático, Teerão e Telavive foram conquistando apoios na comunidade internacional e adquirindo armamento ao longo de décadas para se protegerem um do outro. Num cenário de conflitos até agora localizados na região, a animosidade pode exacebar-se e transformar uma guerra por procuração numa guerra total. 

Foi neste sentido que o antigo primeiro-ministro israelita, Naftali Bennett, escreveu, na semana passada, um artigo no Wall Street Journal a defender que o “império malévolo do Irão deve ser derrubado”, tentando cativar os Estados Unidos para fazer parte dessa missão. “Não é apenas possível. É vital para a segurança do Médio Oriente — e para todo o mundo civilizado”.

epa09948124 Israeli Prime Minister Naftali Bennett attends a cabinet meeting at the Prime minister's office in Jerusalem, 15 May 2022.  EPA/ABIR SULTAN / POOL

Naftali Bennett, ex-primeiro-ministro israelita, apelou à destruição do regime iraniano

ABIR SULTAN / POOL/EPA

Já o regime iraniano nunca escondeu que um dos seus objetivos passa pela destruição do Estado de Israel. “Espero que Alá liberte a Palestina o mais cedo possível e possamos testemunhar os momentos finais da existência de Israel e celebrar o seu fim”, afirmou o líder supremo do Irão, Ebrahim Raisi, num discurso em novembro.

Internacionalmente, os dois países contam com apoios de peso. Apesar de já ter havido algumas críticas relativamente à operação terrestre na Faixa de Gaza, os Estados Unidos continuam ao lado de Israel, deixando bastante claro que reagiriam se alguém aproveitasse para atacar o país, tendo mesmo enviado para o Mar Mediterrâneo dois porta-aviões. Por sua vez, o Irão tem uma rede de grupos militares espalhados pelos países vizinhos israelitas — e um apoio cada vez mais explícito da Rússia.

Os atores que podem fazer escalar a guerra entre Israel e o Hamas

Hezbollah

Após as incursões terrestres de 7 de outubro por parte do Hamas que deixaram Israel em choque e mataram cerca de 1.200 pessoas, além de terem feito mais de 200 reféns, a guerra centrou-se na Faixa de Gaza — inicialmente com ataques aéreos, depois com uma invasão terrestre israelita. No entanto, o Hezbollah, o grupo paramilitar xiita pró-Irão, que controla o sul do Líbano, começou a atacar a fronteira norte de Israel, levando as Forças de Defesa do país a desdobrarem-se em duas frentes.

epa10960381 Hezbollah militants shout slogans during the funeral of Hezbollah fighter Qasim Ibrahim Abu Taam, who was killed a previous day in southern Lebanon, in the southern suburb of Beirut, Lebanon, 06 November 2023. Tensions remain high at the border between Israel and Lebanon after the Israeli-Palestinian conflict escalated following an unprecedented attack carried out by Hamas militants from Gaza into Israel on 07 October 2023.  EPA/WAEL HAMZEH

Militantes do Hezbollah

WAEL HAMZEH/EPA

O Hezbollah nunca negou que ajudou a preparar o ataque de 7 de outubro. Defensor da causa palestiniana e defendendo, tal como o Hamas, o fim do Estado de Israel, o grupo xiita — patrocinado diretamente pelo Irão — terá fornecido apoio militar e treino ao Hamas nos meses que antecederam às incursões terrestres. Mesmo assim, decidiu manter-se à margem de uma intervenção direta na guerra, atacando apenas alvos precisos no norte do território israelita.

Ao longo dos meses, ficou sempre no ar a possibilidade de o Hezbollah entrar diretamente no conflito. Esta terça-feira os receios aumentaram, depois do ataque com drones em Beirute, capital do Líbano, que eliminou Saleh al-Arouri, o número dois do Hamas e fundador das Brigadas al-Qassam, o braço armado do grupo islâmico (e mais três combatentes e três líderes militares). Ainda que Israel não tenha oficialmente reivindicado a operação, poucos duvidam de quem esteve por detrás do ataque, que está aliás longe de ser inédito. A palavram de ordem dos serviços secretos de Israel tem sido, e foi repetida, “agir contra os líderes do Hamas onde quer que estes estejam”.

O pai das Brigadas al-Qassam: quem era Saleh al-Arouri, vice do Hamas morto no Líbano, por quem os EUA davam 5 milhões ?

Não sendo propriamente uma novidade, nem um ataque israelita contra líderes do Hamas, nem os ataques do Hezbollah em solo israelita, as reações estão de facto acesas. Numa declaração ao país esta quarta-feira, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, avisou que a morte de Saleh al-Arouri cria um precedente “perigoso” para a segurança da região, assegurando que a ação, que violou o espaço aéreo libanês, não passará impune. “Se o inimigo pensar em fazer guerra contra o Líbano, então a nossa luta será sem teto, sem limites, sem regras. E eles [Israel] sabem o que quero dizer”, ameaçou o responsável.

“Se o inimigo pensar em fazer guerra contra o Líbano, então a nossa luta será sem teto, sem limites, sem regras. E eles [Israel] sabem o que quero dizer”
Líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah

Os Houthis

Outro grupo que também tem uma atitude abertamente hostil a Israel são os Houthis, que controlam partes do Iémen e que estão radicados naquele país da península arábica. Dias após os choques causados pela incursão terrorista do Hamas em Israel, os membros do grupo islâmico declararam que iriam apoiar “os irmãos oprimidos da Palestina” e que iriam prolongar as operações contra Telavive até quando “a agressão israelita” parar.

Inicialmente discretos no respaldo à causa palestiniana e apoiados indiretamente também pelo Irão, os Houthis atacam essencialmente embarcações que passam pelo estreito Bab al-Mandab, que liga o Mar Vermelho ao Oceano Índico, atingindo navios que têm algum tipo e ligação a Israel. Também já tentaram disparar mísseis, mas o impacto é praticamente nulo.

O estreito Bab al-Mandab é um ponto nevrálgico no comércio marítimo, podendo complicar as rotas em todo o mundo. “O Mar Vermelho é uma rota do comércio marítimo global significativa. Por ano, navegam naquela região cerca de 35 mil navios, o equivalente a cerca de 10% de todo o PIB mundial”, explicava em dezembro ao Observador Corey Ranslem, especialista em segurança marítima da empresa Dryad Global.

epaselect epa11041163 A man holds a gun during a protest against the recently announced operation to safeguard trade and to protect ships in the Red Sea, in Sana'a, Yemen, 22 December 2023. Thousands of people gathered at a square in the Houthis-controlled Sana'a to protest against the coalition created recently by the United States and denounce the Israeli strikes on the Gaza Strip. On 18 December, the US Department of Defense announced a multinational operation to safeguard trade and to protect ships in the Red Sea amid the recent escalation in Houthi attacks originating from Yemen, according to a press release from the US Department of Defense. Thousands of Israelis and Palestinians have died since the militant group Hamas launched an unprecedented attack on Israel from the Gaza Strip on 07 October, and the Israeli strikes on the Palestinian enclave which followed it.  EPA/OSAMAH YAHYA

Houthis numa manifestação a favor da causa palestiniana

OSAMAH YAHYA/EPA

Os ataques foram-se intensificando nos últimos tempos e os Estados Unidos já reagiram em duas frentes. A primeira, mais diplomática, passou por criar uma coligação “para enfrentar esta ameaça” com mais de dez países. A segunda consistiu em ataques diretos contra o armamento dos Houthis no Iémen. Por exemplo, no sábado passado, Washington destruiu dois mísseis balísticos antinavios.

Irão

Peça essencial para compreender o estado de conflito que se abateu sob a região, o Irão nunca assumiu ter tido qualquer intervenção direta na preparação dos ataques de 7 de outubro, mesmo que o regime tenha dito que “beijava as mãos” de quem teve a ideia. Mas recentemente relacionou a incursão terrestre terrorista do Hamas à morte do líder da Guarda Revolucionária Iraniana, Qasem Soleimani, que morreu a 3 de janeiro de 2020, na sequência de um ataque com um drone norte-americano.

Em resposta, o Hamas, mesmo sendo aliado do Irão, negou que esse tivesse sido o motivo que esteve na base dos ataques de outubro em território israelita. Num comunicado, o grupo islâmico “negou a validade dessas declarações”, clarificando que todas “as ações levadas a cabo pela resistência palestiniana são em resposta à ocupação israelita e à sua agressão continuada contra o povo e os santuários”. Apesar deste ‘desentendimento’ quanto à autoria do plano e da estratégia montada ao longo de mais de um ano, as relações entre o grupo islâmico e Teerão não parecem ter saído afetadas.

Quem é Qassem Soleimani, o general de elite do Irão morto pelos EUA?

O nome de Qasem Soleimani esteve envolto num outro incidente, desta vez mais grave. Esta quarta-feira, numa procissão de homenagem nos três anos da morte do antigo líder iraniano, na cidade de Kerman, ocorreram duas explosões que levaram à morte de mais de cem pessoas. O Irão sugeriu o envolvimento de Israel na operação, mas nunca a declarou claramente.

O ataque a solo iraniano motivou uma resposta de Gholam Hossein Mohseni-Ejei, chefe da Justiça do país. “Os autores deste crime serão indubitavelmente punidos”, avisou, acrescentando que “os serviços de informação, de segurança e de aplicação da lei têm a obrigação de seguir prontamente todas as provas e perseguir os autores [do ataque] e de os entregar ao poder judicial”.

“O risco de escalada” que “permanece alto” — e que pode levar a uma Guerra Mundial

Numa região em que coexistem diferentes interesses, um dos conselheiros do secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Khaled Khiari, denunciou nas Nações Unidas que o “risco de uma escalada regional” da guerra entre Hamas e Israel é “elevado” e pode ter “consequências devastadoras” para o Médio Oriente, tendo ainda para mais em consideração “o número de atores envolvidos”.

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Khaled Khiari avisou que conflito pode escalar

Pacific Press/LightRocket via Ge

“Existindo risco de haver erros de cálculo e à medida que o conflito em Gaza continua, é vital que todos os intervenientes reduzam imediatamente a escalada e apoiem a cessação das hostilidades”, defendeu o conselheiro de António Guterres.

Tudo está dependente, acredita Christopher O’Leary, que trabalhou para o FBI, das ações do Irão. Em declarações à CNN internacional, o responsável acredita que a guerra de Israel contra o Hamas faz parte de uma estratégia do Irão, em parte para “obter influência e poder regional”. Até ao momento, Teerão levou a cabo “ataques contínuos” — mas nunca com o objetivo explícito para não escalar a situação.

Servem, ainda assim, como “avisos” do que poderia acontecer. Se o Irão agir e colocar “todas as suas forças” contra Israel, aí começa um “verdadeiro problema regional”, acredita Christopher O’Leary. O que poderá motivar Teerão a tomar essa atitude ainda uma incógnita — e nem se sabe sequer se vai acontecer. Ao ocorrer, o Presidente norte-americano, Joe Biden, já alertou que os Estados Unidos vão estar inequivocamente “ao lado” de Israel — com tudo o que isso pode implicar.

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