Miguel Gomes da Silva não vê bons sinais na bolsa: apesar dos resultados das empresas estarem a abrandar, os índices continuam a registar máximos. Por isso, tem uma fatia do seu património pessoal em depósitos para aproveitar a queda que espera que aconteça até ao final do ano. Todavia, o diretor da sala de mercados do Montepio, que é responsável pela liquidez e pela carteira própria do banco, explica que há investimentos bolsistas que devem ser para o longo prazo.
O Montepio Trader, a plataforma de negociação bolsista que também é da responsabilidade de Gomes da Silva, enfrenta agora uma concorrência desleal da holandesa DeGiro, segundo o responsável. No entanto, Miguel Gomes da Silva afirma que “não queremos ter clientes jogadores, como se fosse um casino”.
Das médias móveis às velas japonesas
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“Utilizando recursos estatísticos, como preços históricos e indicadores de volume, juntamente com meios gráficos, a análise técnica identifica padrões e tendências, tentando prever movimentos futuros nos valores das cotações de mercado”, explicam Miguel Gomes da Silva e Pedro Farinha Nunes nas primeiras páginas de Ganhar na Bolsa com Análise Técnica. Quando se pergunta a Gomes da Silva se os leitores do Observador podem fazer mais pelo seu dinheiro aprendendo análise técnica, responde: “Sem dúvida”.
Este é o mais prolífico autor português de livros de bolsa. Começou, em 2007, com Bolsa – Investir e Ganhar Mais (K Editora, 18,97€). Juntou as suas crónicas, três anos depois, em Pântano do Cisne – Panoramas de uma Crise Global (K Editora, 12€). Com mais de 12 mil exemplares vendidos distribuídos por quatro edições em três anos, Bolsa – Investir nos Mercados Financeiros (Bookout, 20,90€) é o seu maior sucesso. Em abril, lançou Ganhar na Bolsa com Análise Técnica (Bookout, 17,90€), escrito com Pedro Farinha Nunes, que estagiou na sala de mercados do Montepio antes de ir para Bristol, no Reino Unido, completar um mestrado em Economia e Finanças.
No livro Bolsa – Investir nos Mercados Financeiros escreve que a análise técnica é “uma tentativa de explorar movimentos nos preços de um ativo”. A palavra “tentativa” dá pouca força à definição. Não concorda com o princípio da análise técnica que diz que os preços incluem toda a informação disponível?
Acredito no princípio básico de que toda a informação conhecida está contida no preço. “Tentativa” porque não há técnicas infalíveis. Não me parece que dar como garantido que a análise técnica funciona sempre seja razoável. Funciona melhor para uns ativos do que para outros. Aliás, no livro é explicado também a questão dos ativos menos líquidos. Portanto, às vezes, a análise técnica falha.
Nesse mesmo livro defende que “não é aconselhável a prática de day trading especulativo aos investidores particulares”. No entanto, o livro mais recentemente, Ganhar na Bolsa com Análise Técnica, não é um manual para fazer negociação diária, intradiária e, até, scalping [exploração de pequenas diferenças marginais e momentâneas entre os preços de compra e de venda]?
Um investidor particular normal, quando tenta fazer day trading, normalmente corre-lhe mal. Para já, porque tenta fazer com ações portuguesas. O spread bid-offer [a diferença entre os preços de compra e de venda num dado momento] e a liquidez são incompatíveis com isso. No livro de análise técnica, recomendo a quem quer fazer day trading a usar preferencialmente os futuros E-mini S&P 500. Porque são os futuros mais líquidos do mundo e é a melhor forma de tirar partido dos movimentos pequenos, porque a tendência de ocorrer gaps é muito menor e é mais provável que a análise técnica funcione. E, depois, é mais barato.
Um manual sobre produtos financeiros
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À medida que publica novas edições de Bolsa – Investir nos Mercados Financeiros, o seu guia financeiro sobre os vários instrumentos financeiros, das ações às aplicações cambiais, Miguel Gomes da Silva acrescenta nova informação. Para a quarta edição, lançada em outubro do ano passado, o autor incluiu um novo capítulo dedicado à fiscalidade dos investimentos.
Quando lançou o terceiro livro disse que o seu compromisso foi “dar uma ferramenta às pessoas para que possam conhecer os instrumentos financeiros antes de se meterem neles”. Qual o compromisso com o livro Ganhar na Bolsa com Análise Técnica?
Neste, [o compromisso] é mais avançado. Nos outros livros, é conhecer o mercado, escolher o instrumento. Neste aqui, é dar ferramentas para as pessoas poderem entrar e sair do instrumento que escolheram.
Mas há outras ferramentas que as pessoas podem usar?
A análise técnica é um conjunto de ferramentas. Nenhum profissional usa todas as ferramentas da análise técnica. As médias móveis toda a gente usa, o Fibonacci toda a gente usa. Quando vamos para sistemas mais avançados, como o parabólico ou como a análise das próprias figuras geométricas, nem toda a gente utiliza. Utilizar todas as ferramentas ao mesmo tempo pode ser confuso. Muitas vezes, os dados dados pelos indicadores são contraditórios. Não é uma ciência exata. É, garantidamente, um excelente instrumento para detetar pontos de entrada e, sobretudo, detetar pontos de saída em situações de stop-loss [ordem de venda ou de compra executada automaticamente quando se atinge um preço predeterminado]. Um sinal para sair com perda pode valer muito dinheiro. Apesar de ser prejuízo, pode evitar perder-se muito dinheiro com stop-loss.
Com que frequência usa a análise técnica?
Diariamente.
Como?
Tudo o que é trading de ações [na sala de mercados do Montepio] é com análise técnica.
Só análise técnica?
Depende. [Usamos] análise técnica sempre para tomar decisões de entrada ou de saída dos instrumentos, sobretudo nas ações e no mercado cambial. Para decisões de longo prazo, depois de identificar um título a que queiramos estar expostos, escolhemos o melhor ponto de entrada com auxílio da análise técnica, a par da análise fundamental.
Conhece alguém que tenha enriquecido ou que viva apenas da análise técnica?
Conheço duas pessoas que fazem apenas isso, um espanhol e um português. Apenas análise técnica.
Conhece alguém que tenha empobrecido com a análise técnica?
Não. Alguém que tenha empobrecido seguindo as regras da análise técnica, não conheço ninguém. Uma das premissas básicas é cumprir stop-losses. Às vezes, as pessoas perdem dinheiro porque não cumprem as regras da análise técnica: cumprir stop-losses, nunca investir o que não se tem, ou seja, não usar alavancagem quando não se pode cobrir a conta.
A sua experiência profissional estende-se por quase duas décadas. Como é que essa experiência molda os seus investimentos pessoais? Como está desenhada a sua carteira de investimento e de poupança?
Sim, 19 anos… Tenho algumas limitações decorrentes da atividade que tenho. Tudo o que é transações sobre títulos tem de ser comunicado, o que é um bocadinho aborrecido. Depois, estou a olhar para o mercado na vida profissional e não na vida pessoal. As abordagens são diferentes. Aquilo que tenho nas minhas finanças pessoais são depósitos a prazo, fundos de investimento em ações, fundos de investimento em obrigações e PPR.
Não usa análise técnica?
Não uso análise técnica em termos pessoais. Se calhar um dia, se me reformar, fá-lo-ei. A análise técnica exige dedicação e tempo.
Mas no livro diz que duas horas por dia são suficientes.
Certo, mas quando o mercado está a funcionar. Nessas horas, estou aqui no Montepio. Tenho funções de coordenação de uma equipa que não me permite estar no mercado a negociar [a nível pessoal]. Já estive no passado.
Depósitos a prazo lideram nas escolhas dos portugueses
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Os portugueses têm quase quatro vezes mais dinheiro em depósitos a prazo do que no segundo produto financeiro mais popular, os seguros de capitalização.
Saldo em dezembro de 2015
Fontes: APFIPP, APS, Banco de Portugal, CMVM, IGCP.
Não é o único que tem depósitos a prazo. Os portugueses têm agora mais de 50% do património financeiro em depósitos a prazo. No panorama atual, de taxas negativas no mercado monetário, é uma boa decisão?
Não, não faz sentido nenhum. Um depósito prazo atualmente paga, em média, entre 0,75% e 1%. Um investimento em ações a longo prazo é muito mais rentável: cerca de 6% face às obrigações, face ao depósito a prazo andará 8% [acima], em termos médios. Eu encaro o depósito a prazo como um momento de liquidez, ou seja, eu reduzi a minha exposição às ações e aumentei a exposição a liquidez nesta conjuntura, porque acho que as bolsas estão sobreaquecidas.
Segue, então, a sua própria recomendação, que disse e escreveu várias vezes, de que é preciso ter dinheiro disponível para aproveitar um futuro crash [queda profunda do preço das ações]. Como identificá-lo?
Há sinais que identificamos. Na conjuntura atual, vemos os resultados das empresas a abrandar e vemos as bolsas a fazerem máximos. Alguma coisa não bate certo. Não digo que este ano será um sell in May and go away, ou seja, vamos ter a bolsa a cair até ao final do ano, mas não posso deixar de olhar com algum ceticismo para as valorizações recentes das bolsas que não são compagináveis com a realidade macroeconómica. Temos o crescimento mundial a ser revisto em baixa. A única coisa que sustenta as bolsas nestes níveis é o facto de as taxas dos depósitos a prazo estarem tão baixas. Se as taxas subissem, na zona euro, para meio por cento, estou convencido que haveria um tombo grande.
Um crash?
Um crash.
E seria uma oportunidade para comprar?
Sim, seria uma oportunidade para comprar. Não tudo no mesmo dia, mas de forma faseada. A não ser que tivéssemos um dia de crash de 20 ou 25%.
Um repórter de rádio
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“Eu comecei a trabalhar como jornalista aos 18 anos na Rádio Clube Foz do Mondego, que era a rádio local na Figueira da Foz, de onde eu sou”, recorda Miguel Gomes da Silva. Quando foi para Coimbra estudar Economia, passou a fazer reportagem para a 90 FM. Chegou a ser premiado, incluindo com um trabalho sobre fogos florestais. Mesmo quando foi trabalhar na gestão de ativos da Caixa Geral de Depósitos, em 1996, continuou a colaborar com a 90 FM aos fins de semana. “O bichinho da rádio ficou”, diz.
No início do ano, em declarações ao portal Ei, assinalou, “pela positiva, o comportamento esperado para empresas como a Portucel [agora The Navigator Company], Altri, Nos, CTT e, eventualmente, EDP Renováveis”. Continua a destacá-las?
Olhando apenas para o mercado, diria que sim. As empresas portuguesas não exportadoras têm tendência a ter algum retraimento em termos de crescimento de resultados. A economia portuguesa não está tão dinâmica como se pensava. Aliás, as previsões de crescimento têm sido revistas em baixa. Quem não está exposto a mercados que têm taxas de crescimento mais elevadas tem tendência a ser penalizado. As referidas têm essa exposição.
Exceto os CTT.
É um caso diferente. Os CTT são uma cash-cow. Têm, na sua essência, aquilo que o senhor Buffett gosta muito nas empresas, que é um dividendo muito interessante. Podemos olhar para os CTT quase como uma obrigação com um cupão. O dividendo dos CTT é o mais apetecível da bolsa portuguesa.
Falámos sobre as empresas portuguesas que espera que tenham um comportamento positivo no futuro. E a nível internacional?
Na Europa, tudo o que seja setor com exposição ao exterior, exceto países emergentes como na América Latina. O Santander, por exemplo, terá um problema com a Argentina, provavelmente. As pessoas falam muito da questão chinesa, mas a China continua a ser um caso de sucesso. As empresas alemãs que têm exposição à China sofreram pouco com a revisão em baixa do crescimento chinês. A China continua a crescer, nem que seja 6% ao ano. É melhor do que zero vírgula qualquer coisa que a Alemanha poderá crescer.
Prefere a Europa aos Estados Unidos?
No início do ano, preferia Europa aos Estados Unidos. Nesta conjuntura em que as taxas de juro nos Estados Unidos poderão subir, prefiro ainda mais Europa do que Estados Unidos. Se bem que o investimento em ações neste ano tem de ser com cuidado, porque acho que as ações vão cair até ao final do ano. Mas, entre Europa e Estados Unidos, numa lógica de diversificação, mais Europa do que Estados Unidos.
No livro Bolsa – Investir nos Mercados Financeiros defende que as mercadorias devem fazer parte da carteira de investimentos. Porquê? Por definição, não geram rendimentos.
Não geram rendimentos, mas são um fator de diversificação. Por exemplo, eu acho que as bolsas vão cair até ao final do ano. O ouro é uma excelente defesa em períodos como este. Se tiver commodities na minha carteira, como o ouro, consigo introduzir um factor de diversificação. Posso ter na mesma uma carteira de longo prazo com ações. Posso ter no ouro uma compensação das perdas nas ações.
Não saindo das ações?
Não saindo das ações. Por exemplo, tenho PPR. Os PPR não são para vender. Quero ter os PPR aos 65 anos quando me reformar. Tenho a certeza que posso ter os anos de 2016, 2017 e 2018 negativos, mas sei que, em 2040, quando me reformar, o retorno anual é mais positivo do que se eu tivesse tentado adivinhar os anos em que saio e vendo os PPR. Para quem gere dinamicamente a sua carteira de ações, há instrumentos que permitem cobrir eventuais quedas desses ativos. Estou a falar, por exemplo, de opções. Quem quiser continuar a ter a sua carteira de ações estável, pode vender uma parte e ficar em cash na lógica que disse há pouco, de aproveitar uma queda do mercado, e, depois, ter uma cobertura com opções. Se o mercado cair, consegue recuperar na opção aquilo que perde nas ações, mais ou menos. Se o mercado não cair, pagou um seguro. Perdeu apenas o prémio na opção.
Do ponto de vista do investidor particular, o que é melhor: Obrigações do Tesouro, Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável, Certificados do Tesouro Poupança Mais ou Certificados de Aforro?
A classe de risco é a mesma. O emitente é o Estado português. Não precisando da liquidez no curto prazo, iria para os que pagam mais, os Certificados do Tesouro Poupança Mais. A vantagem das [obrigações] de taxa variável é a negociação em bolsa e o ajustamento das taxas em função do mercado.
Hoje, o que é que mais assusta a equipa da sala de mercados do Montepio?
Nada… Um 11 de Setembro, parte dois.
E o Brexit [saída do Reino Unido da União Europeia]?
Se ganhar o “não”, como eu espero, as reações vão ser muito positivas, nomeadamente para a libra, que vai valorizar-se. Se ganhar o “sim”, a libra não vai abanar tanto. A notícia da saída não será um descalabro. A notícia da permanência será recebida como um bom sinal.
E um Trump presidente?
Se juntarmos os cenários todos – um Trump presidente, um Brexit, uma Marine Le Pen em França, a senhora Merkel perder as eleições para a extrema-direita e o Podemos a ganhar em Espanha –, está feito um cocktail para uma implosão.
Como se refletiria nos mercados?
Eu acredito que quem assume o papel de presidente dos Estados Unidos não manda assim tanto como se pensa. O senhor Obama tinha como bandeira acabar com as armas nos Estados Unidos. Ao fim de oito anos de mandato, não conseguiu, porque o lóbi das armas é forte. Quem manda nos Estados Unidos é, felizmente, um conjunto de organismos e instituições que dizem ao senhor quando toma posse o que pode fazer. Quando algum presidente tentou ir por caminhos mais tortuosos, foi colocado no caminho. Aconteceu com Bush; Kennedy há uns anos. Se o próximo presidente for o senhor Trump – um cenário remoto que não acho que vá acontecer –, não vai ser o drama. Aquilo é um boneco, um show-off. Se ganhar as eleições, não vai construir um muro à volta do México, não vai correr com os refugiados, não vai romper com todos os que não gostam dele – e, hoje, acho que, na Europa, ninguém gosta. A diplomacia vai continuar a vencer.
E o pedido de auxílio financeiro de Angola ao Fundo Monetário Internacional?
O caso angolano reflete uma economia monoproduto. Angola tem petróleo: se o petróleo sobe, Angola está muito bem; se o petróleo desce, Angola está muito mal. Mal comparado, temos a Noruega na Europa. Quando o petróleo esteve acima de 100 [dólares norte-americanos], o que fez foi poupar. Tem um fundo soberano, gigantesco, para onde eram canalizados os excedentes orçamentais provenientes do petróleo. Neste período em que o petróleo está baixo, está a consumir desse fundo. Angola não tem fundo nenhum. Está a sofrer do mal de não ter agricultura, importar tudo. O auxílio do FMI não é suficiente. É necessário que Angola mude em termos de política de investimento dos seus excedentes quando o petróleo está lá em cima.
Obrigações do Tesouro na carteira do Montepio
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No final de 2015, o Montepio tinha mais de 160 milhões de euros aplicados em Obrigações do Tesouro, mas cerca de 135 milhões eram títulos emitidos pela República de Angola. A maior parte devia-se a reservas obrigatórias do Finibanco Angola, controlado pelo Montepio.
Montepio: investimentos detidos até à maturidade
Fonte: Relatório e Contas de 2015 da Caixa Económica Montepio Geral.
Como responsável pela carteira própria do Montepio, os 135 milhões de euros que têm em Obrigações do Tesouro de Angola, cerca de 84% dos investimentos detidos até à maturidade no início do ano, não o preocupam?
Quem detém não somos nós aqui [na sala de mercado do Montepio]. É através da exposição que temos a Angola. Através do Finibanco Angola. Temos cerca de 80% do banco. A decisão não passa por aqui, é tomada localmente.
De qualquer maneira, o reconhecimento de necessidades de financiamento pelo governo angolano não deveria conduzir a uma queda dos preços das Obrigações do Tesouro locais?
Sim. Nós temos exposição ao capital [do banco] de Angola. O dinheiro que temos no capital é risco. Tudo o resto não temos. No limite, não perdemos os 135 milhões. No limite, se o banco fechar, perdemos o valor do capital.
Os 135 milhões de euros ultrapassam o valor do capital do Finibanco Angola.
Isso é uma questão para as autoridades angolanas. Alguma dessa dívida foi forçada. Houve uma conversão de liquidez de dólares em dívida pública. O estado angolano, quando se sentiu um pouco mais apertado, trocou liquidez em dólares que os bancos tinham junto do banco central por dívida pública.
Kwanzas em queda
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Desde o início de abril que se sabe que o governo angolano está a negociar um plano de assistência financeira com o Fundo Monetário Internacional. O kwanza, a divisa de Angola, está a ser penalizada. São precisos mais 28% de kwanzas para comprar um euro do que no iníco do ano. Agora, um euro vale cerca de 188 kwanzas.
Kwanzas por euro
Fonte: Banco de Portugal.
Também é presidente da Novacâmbios. Em 2013, começaram a comprar e a vender kwanzas angolanos, mas, no início do ano passado, suspenderam as compras e, agora, apenas vendem. Porquê?
Começámos a comprar kwanzas quando o banco central de Angola quis abrir a moeda ao exterior e começou a permitir importações de kwanzas. Até aqui não era permitido trazer kwanzas para fora de Angola. Quando passou a ser permitido, numa lógica de negócio, passámos a aceitar kwanzas. Quando a torneira fechou novamente, tivemos de parar com o negócio, porque os kwanzas que tínhamos não os conseguíamos reenviar para Angola porque o banco central deixou de os comprar. Deixou de fornecer divisas para comprar esses kwanzas.
Mas continuam a vender.
Sim. Não é significativo, mas temos ainda alguns [kwanzas].
É também o responsável pelo Montepio Trader, uma plataforma de negociação de bolsa. Quando a DeGiro se estreou em Portugal, o seu líder disse ao Observador que, até aos finais de 2019, só haverá cinco corretoras de escala europeia. As portuguesas não resistiriam por serem dinossauros em termos de eficiência. Concorda?
Quando a regulação for igual para todos, poderemos conversar de outra forma. O que acontece é que as corretoras portuguesas estão sujeitas à regulação da CMVM que não é igual à regulação da sua congénere holandesa, onde a DeGiro está inserida. Nós olhámos para a publicidade que a DeGiro tem e não tem um ponto de exclamação vermelho, como todos nós somos obrigados a ter.
Ponto de exclamação referente a…?
Ao risco de produtos financeiros complexos. A legislação não é igual para todos. Um dia que tenhamos a CMVM alinhada com a CMVM espanhola, holandesa, alemã, etc., talvez fiquemos em pé de igualdade. A concorrência não é leal. Aliás, é desleal. Não podemos oferecer aos nossos clientes de forma intensiva e dinâmica produtos que a DeGiro oferece, porque a nossa legislação não o permite. O Código de Valores Mobiliários é muito restritivo em termos da publicidade e da oferta desse tipo de produtos a clientes.
Mas, na prática, do ponto de vista do cliente, a DeGiro é mais económica do que o Montepio Trader.
Não conheço todas as comissões da DeGiro. Quanto à publicidade que é feita, eu diria que sim. Mas não conheço todo o nível de comissionamento que a DeGiro tem.
Montepio Trader: um negócio marginal
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Miguel Gomes da Silva revela que o Montepio Trader, com cerca de 200 clientes ativos, é um negócio marginal. As estatísticas da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários confirmam: o banco recebe cerca de 1% das ordens recebidas por intermediários portugueses sobre ações e dívida pública e privada. Nos instrumentos derivados, tem ainda menos: cerca de 0,1% das ordens no primeiro trimestre de 2016. Sem a plataforma do Saxo Bank, que serve de base ao Montepio Trader, o serviço não teria sido lançado. “Não seria rentável”, justifica Gomes da Silva.
Por exemplo, negociar na bolsa de Lisboa custa, no máximo, cinco euros na DeGiro, e, no mínimo, dez euros no Montepio Trader.
Só comprar um título, sim [é mais barato]. Se tiver uma carteira com outro tipo de ativos, não lhe sei dizer se, a longo prazo, compensa ter [conta] num lado ou no outro. Também lhe digo que o Montepio Trader não é um core business para o Montepio. Poderá ser para algumas corretoras. Para nós é apenas um complemento para o cliente do banco que quer fazer ações sem ter de abrir conta noutro lado.
Os câmbios são um dos mercados disponibilizados pelo Montepio Trader. Em abril, o Observador perguntou aos maiores intermediários se a realidade dos investidores norte-americanos de retalho – onde dois terços perdem dinheiro trimestralmente – era extensível a Portugal. O diretor-geral da XTB confirmou que isso acontece em alguns trimestres. E no Montepio Trader?
Nós não incentivamos a utilização da alavancagem na negociação. Os clientes que temos têm ações e usam o mercado cambial e o mercado de CFD [contratos diferenciais] para dar um pouco de pick-up à sua carteira. Não temos e não queremos ter clientes jogadores, como se fosse um casino. A taxa de rotação de novos clientes – de novos leads, como são chamados na linguagem técnica – é de cerca de 30%. A XTB e a DeGiro precisam, todos os meses, de 30% de novos clientes.
Para quê?
Para poderem continuar a alimentar o negócio. Porque 30% desistem, perdem o dinheiro todo.
Quem calculou essa percentagem?
São estimativas. Não temos essa experiência, porque não temos esse tipo de clientes. Se vivêssemos do Montepio Trader e precisássemos de estar sempre na comunicação social a incentivar as pessoas a abrir conta, provavelmente iríamos ter o mesmo número: 30% dos nossos clientes “ardiam”.
Isso quer dizer que os intermediários que mais fazem publicidade são os que têm a maior proporção de clientes que perdem dinheiro?
Não são os que mais perdem dinheiro. Tem a ver com o tipo de clientes. Se eu abrir uma conta com mil euros numa corretora para fazer euro-dólar, por exemplo, que tem uma alavancagem de 200 vezes, consigo [investir] 200 mil euros. Se o euro-dólar cair meio por cento contra a minha posição, a conta é fechada e acabou. E perdi os mil euros. Esse tipo de clientes, nós não queremos. [O cliente que queremos] pode ter mil euros, mas vai abrir uma posição de 100, ou seja, 10% da carteira no euro-dólar. Grande parte dos clientes dessas corretoras o que faz é, em vez de irem ao casino, abrem uma conta online e jogam no euro-dólar ou no CFD da Apple.
A DeGiro quando veio disse que queria os clientes mais ativos.
Podem ser esses mesmos, aqueles que estão sempre a comprar e a vender. Em linguagem financeira, isto tem um nome que é o churning. Um gestor de ativos por conta de outrem – nós não fazemos isso – que ganhe comissões sobre as transações pode ser acusado de churning, isto é, estar a gerar excesso de compras e de vendas para provocar comissões. É natural que a DeGiro aposte nesse segmento, porque as comissões são tão baixas que eles precisam de muitas transações para gerar um volume que se veja.